Boxe | Acelino Popó Freitas


Boxe | Acelino Popó Freitas

Boxe | Acelino Popó Freitas



Em entrevista concedida a Veja (23/1/2002), a Thaís Oyama, Acelino Popó Freitas, brasileiro nascido na Bahia, campeão superpena em 2002 pela Associação Mundial de Boxe, diz que já chegou a treinar de barriga vazia. Fala também sobre sua infância, profissão, o encanto do boxe, a vaidade e de como tem medo do futuro, a ponto de querer ser político.


Veja — Joel Casamayor, o adversário que você derrotou na última luta, afirmou que vai pedir a anulação do resultado, que achou injusto. Você está preocupado?

Popó — Injusto, o quê. O Brasil inteiro viu a luta. Acho que ele está querendo é apanhar mais.



Veja — Você reclamou muito que ele foi desleal no ringue.

Popó — Ele me deu cotovelada, joelhada, queria me morder. Mas eu tentei enforcar ele também.



Veja — É isso que mais irrita você numa luta? Quando o adversário recorre a golpes baixos?

Popó — Não, isso não me dá raiva.



Veja — O que dá raiva?

Popó — Dá raiva quando eu bato e o cara não cai. Na minha penúltima luta, com o africano, ele apanhou do primeiro ao décimo round e não caiu. Isso me dá raiva.



Veja — Você está mudando o seu jeito de lutar? Deixando de ser um pegador?

Popó — Não é que eu estou mudando. É que, antigamente, eu só tinha uma dimensão, que era o nocaute. Queria decidir uma luta rápido. Agora, não estou mais me preparando para nocautear, mas para vencer.



Veja — Como é entrar num ringue sabendo que vai apanhar, que vai sentir dor?

Popó — Você aprende a assimilar a dor. Geralmente, a pancada não dói na hora. Você está com o sangue quente, só pensando em ganhar. O problema é o dia seguinte. Rapaz, aí você fica todo quebrado. Mas tem

algumas pancadas que doem na hora mesmo.



Veja — Em que lugar do corpo dói mais?

Popó — No fígado. Dependendo do soco, as pernas ficam bambas, o pulmão aperta. Você quer respirar e a respiração não vem. E,ww se você estiver mal preparado, as pernas vão embora e você fica no chão mesmo. Isso é com golpe na linha da cintura. Com golpe que nocauteia no rosto, você cai e não sente nada. Só escurece a vista.



Veja — O que você sentiu quando soube que tinha machucado gravemente o russo Anatoli Alexandrov, em 1999, na França? Medo, pena?

Popó — Eu não sinto dó porque a gente está lá é para isso mesmo. Mas eu penso na mãe dele. Fico pensando nela vendo aquela cena na televisão. Porque eu sei o que a minha mãe passa quando estou lutando. Ela nunca viu uma luta minha. Fica só no quarto, rezando, e só sai quando a luta acaba. Mas no dia seguinte eu fui ao hospital visitar ele. Não falei com ele porque ele ainda estava meio em coma.



Veja — Qual é o maior encanto do boxe?

Popó — Nocautear. Isso eu acho bonito.



Veja — E antes do nocaute?

Popó — Antes do nocaute, o bonito é você enfrentar um cara que também treinou, que também está na melhor forma dele. É saber que dentro daquele quadrado só existem você e ele. E você vai ter de decidir com ele quem é o melhor. É uma coisa bem de homem mesmo. Ringue é coisa de homem.



Veja — Você já foi criticado por chorar muito. Não tem vergonha disso?

Popó — Eu sou muito emotivo. Às vezes, estou vendo novela e choro. Quando estou contente, choro. Se vejo alguém chorando muito emotivamente, eu choro. Um programa de televisão que eu choro toda vez que vejo é o Domingo Legal, quando fazem aqueles negócios com criança: a criança tem vontade de ir a um lugar e vai, tem vontade de ganhar um brinquedo e eles dão. Choro porque eu vejo o que é a emoção de conseguir um sonho.



Veja — Você teve uma infância pobre, passou fome, dormiu no chão até os 22 anos. Poderia ter tido um destino bem diferente. O que o ajudou a escapar da marginalidade, por exemplo?

Popó — Acho que foi a minha criação. Em casa, são cinco homens e uma mulher. Graças a Deus, ninguém bebe, ninguém fuma e ninguém deu para o que não prestasse. A gente não dá um palavrão na frente de minha mãe e de meu pai. Se falar, ela vem pra cima. Até hoje, se a gente está conversando e sai um nome sem querer, a mãe vem mesmo. Ela tem a mão pesada, dá cada tapão no ombro que é pior do que um soco. Eu respeito muito a minha mãe. Ela batalhou muito.



Veja — Ela sustentava a casa sozinha?

Popó — Meu pai trabalhava com jogo do bicho, e, naquela época, era mulherengo e bebia. O dinheiro que ele tinha largava na bebida. Minha mãe saía todo dia de manhã para trabalhar na casa dos outros e voltava só à noite. Depois, ainda ia passar o ferrinho no cabelo das vizinhas, um ferrinho de cachear e alisar. A gente passou muita dificuldade. Acho que o campeão que eu sou hoje é pela dificuldade que eu passei.



Veja — Como foi que as dificuldades ajudaram?

Popó — É que eu tenho de lutar para não voltar ao que era antes. Um rico é diferente. O rico sempre teve tudo. Quem foi pobre tem medo de ficar pobre outra vez. O Ulisses, meu treinador, sabe disso. Ele até me deu um tapa na cara durante a luta para eu lembrar.



Veja — Como assim?

Popó — No meio da luta ele viu que eu estava começando a enrolar. Aí, me pegou e gritou: "Você não vai tirar golpe, não, rapaz? É a sua vida, rapaz! Você quer voltar ao que era antes, é?". Chegou na minha cara e pá! Me deu um tapão. Aí eu dei uma acordada. Acho que um passado que nem o meu funciona que nem um gás para eu vencer. Que nem um gás, não. Que nem uma gasolina de avião.



Veja — Você não parou de dar autógrafos desde que chegou. Sua mulher tem ciúme do assédio das fãs?

Popó — A Eliana não gosta quando vêm aquelas cheias de risadinha, de fregezinho. Ela me dá uma cutucada e eu fico bem duro, sem rir nem nada. No começo ela tinha ciúme. Eu também. Você tem ciúme quando gosta, né? Mas a gente foi para a psicóloga e amadureceu muito.



Veja — Você quer dizer que fez terapia de casal?

Popó — É, foi idéia dela. No começo, eu dizia: "Ôxe, bobagem gastar dinheiro com isso". Mas eu topei porque a Eliana é a mulher da minha vida.



Veja — O que vocês discutem lá?

Popó — O que a gente mais conversa é sobre as brigas bestas. Ficar tocando em assunto de ex-namorado... essas coisas que acabam em discussão. Eu aprendi a conversar. Agora, a gente tem mais diálogo.



Veja — Você se acha vaidoso?

Popó — Muito. Sou igual mulher. Não posso passar em frente de um espelho que eu dou uma olhada. Fico pondo pente no cabelo, arrumando para tapar uma entradazinha que eu tenho aqui. Faço a sobrancelha e a unha também, só não gosto de pintar. E quando eu estou com a pele muito oleosa passo um pozinho para tirar o brilho. Não tenho vergonha de falar isso. Todo mundo sabe que eu sou homem.



Veja — Você voltou dos Estados Unidos com um visual diferente.

Popó — Eu estava deixando o cabelo crescer lá em Palm Springs, mas aí vi um corte legal numa revista e fui a um salão. Eles disseram que o cara tinha feito luzes. Pedi para botarem luzes aqui na frente. Eles colocam uma touca na gente e vão puxando os fios com um ferrinho.



Veja — O que você achou dos Estados Unidos?

Popó — Rapaz, eu achei que lá só é um pouco diferente da Bahia. Porque lá as mulheres fazem topless e os homossexuais beijam os outros homossexuais na frente de todo mundo, e aqui em Salvador não existe isso, não. Eu também reparei que a televisão passa muita miséria, muito crime. Eu pensava: "O pessoal diz que o Brasil é um país violento e aqui diz que é um país de Primeiro Mundo, e o sujeito entra num colégio e mata um bocado de gente".



Veja — E o seu inglês, como está?

Popó — Está horrível. Estou pensando em contratar um professor.



Veja — Mas você deu uma entrevista em inglês no dia da luta.

Popó — Foi só uma coisinha. Eu falei: "You olimpic games Casamayor" [que, segundo Popó, significa: "O título olímpico de Casamayor é meu"].



Veja — Você está rico?

Popó — Quisera eu. Antes dessa luta, a minha maior bolsa tinha sido de 40 000 dólares. Até hoje, só consegui comprar uma casa para mim e outra para minha mãe. Em cima da laje dela, vou fazer uma para a minha irmã agora. Se Deus quiser, vou botar casa para todos os meus irmãos. Se os caras [seus ex-empresários] não tivessem levado 75% de todas as minhas lutas, eu estaria melhor de vida. Mas isso aconteceu porque eu deixava para lá. Achava que o que eles me davam estava bom. Para quem não tinha nada, né?

Veja — Até onde você quer chegar?

Popó — Eu sou pé-no-chão. Só boto a minha cabeça onde o corpo passa. Minha mãe me ensinou isso. Por mim, eu faria lutas aqui no Brasil, faria as defesas que eu tenho de fazer para manter meu título e pronto. Não queria ficar desafiando um, desafiando outro. Eu não tenho um sonho de consumo de ter todos os títulos. Quero um título que me dê uma boa condição, financeira e moral também, e já está bom.



Veja — Você diz que pensa em se filiar ao PFL. Acha que seria bom negócio deixar uma carreira esportiva em ascensão para virar político?

Popó — Eu quero largar o boxe na hora certa e tentar ser alguém, pode ser na política. Quero ser deputado estadual. Ah, vou quebrar o pau com aqueles caras, dar muita porrada ali no Congresso. É um jeito de fazer os meus projetos sociais para as crianças. Queria botar todo mundo para praticar esporte. Também tenho vontade de ser apresentador de programa infantil.



Veja — Como seria o programa?
Popó — Eu iria levar alegria para a garotada. No Natal, eu sempre me visto de Papai Noel, dou presentes. Na TV, penso em fazer um quadro de realizações: levar a criança para conhecer algum artista que ela sonha, dar casa, esse tipo de coisa. Não quero ficar velho trocando soco e sendo escadinha de outros lutadores.



Veja — Mas você acaba de conquistar um título importante e só tem 26 anos.

Popó — Até os 30 eu não chego lutando boxe.



Veja — George Foreman foi campeão mundial aos 45 anos.

Popó — Você está falando de um americano que vive nos Estados Unidos. Aqui, quando você está por cima, está com tudo. Quando está por baixo, a imprensa parece que quer te socar mais para baixo ainda.



Veja — Nos Estados Unidos é diferente?

Popó — Não, no mundo todo é assim. Só que aqui, quando você começa a lutar, sua bolsa é de 150 reais. Nos Estados Unidos, você ganha 2.000, 3.000 dólares quando está começando. Luís Cláudio, meu irmão, por exemplo, sempre viveu do boxe. Não sabe fazer mais nada. Não sabe mormente escrever o nome dele, infelizmente. Disputou o título mundial e o máximo que já ganhou na vida foi 20 000 reais.



Veja — Não é o seu caso. O que se diz é que sua bolsa já está em 1 milhão de reais.

Popó — Porque eu estou ganhando. E quando eu perder? Você acha que vai ser a mesma coisa? Eu tenho o pé no chão. O que eu ganhar quero investir, para amanhã ou depois não ficar fazendo luta por 150 reais. Não quero ter de ficar batendo de porta em porta, pedindo ajuda. O boxe é uma roda-gigante. E também é muito sofrimento.



Veja — Quais são eles?

Popó — Você tem de ter uma disciplina incrível, tem de dormir cedo, acordar cedo, abdicar de muitas coisas.



Veja — Sexo, inclusive?

Popó — É, antes dessa luta eu fiquei dezoito dias sem ter relação sexual. Mas a Eliana entende. Ela até evita trocar de roupa na minha frente.



Veja — Dos sacrifícios todos, qual é o maior?

Popó — Tem vários. Mas eu gosto de comer de tudo, por exemplo. Tem treinamento que eu perco de 2 a 2,5 quilos. Chego em casa com uma fome danada e só posso comer um pedaço de carne branca e salada. As críticas também são um sofrimento. Eu tenho muito medo da imprensa. Porque, se ela quiser, ela te bota lá embaixo. Esse é que é o meu medo também. Eu não quero ficar lá embaixo. Eu quero largar o boxe como um grande campeão.

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