Estrela Solitária | Ruy Castro

Estrela Solitária | Ruy Castro

Estrela Solitária | Ruy Castro"No começo do jogo, depois da saraivada inicial de dribles, os russos ainda pensaram que fosse um problema de marcação. Começaram a gritar e a discutir entre si. Mas, se acertaram a marcação, não se ficou sabendo, porque Garrincha continuou a driblá-los do mesmo jeito. Os russos apelaram para a violência, mas apenas uma vez o acertaram feio. Houve um lance em que, depois de fazer um russo cair, Garrincha pôs o pé sobre a bola e, de costas para o adversário, estendeu-lhe a mão para que se levantasse. E seguiu com a jogada, como se fosse a coisa mais natural do mundo. No Rio, grudado ao rádio, com lágrimas nos olhos, o botafoguense Paulo Mendes Campos, que sempre considerara Garrincha um deus entre os mortais, via enfim que sua fé não fora um delírio: Garrincha era a prova de que ‘a mágica pode ganhar da lógica’.

O Brasil faria apenas mais um gol, também de Vavá, aos 31 minutos do segundo tempo. Mas parecia a maior goleada da história das Copas do Mundo. Em nenhum momento a URSS ameaçara — Gilmar fez somente uma defesa no jogo. Do outro lado, no entanto, Iashin evitou uma catástrofe numérica. O Brasil atacou 36 vezes, dezoito das quais com perigo e ainda disparou aquelas duas bolas na trave. Garrincha nascia ali, não apenas para o mundo, mas para o próprio Brasil.

A partir daquele dia, deixaram de existir botafoguenses, tricolores, rubro-negros, gremistas ou corintianos puros. Todos passariam a ser Garrincha, mesmo quando ele jogasse contra seus clubes. No vestiário, depois do jogo contra a URSS, Garrincha não sabia quem o havia marcado. E por que deveria saber? Não tinha sido marcado por um, mas por muitos, e todos tinham aqueles nomes terminados em ev ou ov. De que lhe interessava?

Sua única frase, que resumia tudo o que sentia, era: ‘Eu tava com fome de bola.’"

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