O Ar de Um Dia | Giorgo Seferis


O Ar de Um Dia | Giorgo Seferis


O Ar de Um Dia | Giorgo SeferisWe plainly saw that not a soul
lived in that fated vessel!
E.A.Poe

O ar de um dia há dez anos vivido em terra estranha,
de um momento remoto que adeja e vai-se, anjo de Deus;
voz de mulher por cautela esquecida, a duras penas;
desolação do fim, crepúsculo de pedra num setembro.

Casas novas, clínicas poeirantes, janelas leprosas, lojas
funerárias...
Quem sabe o que sofre um farmacêutico sensível no
plantão da noite?
O quarto em desordem: gavetas, janelas, portas bocejam,
feras más.
Um homem fatigado deita as cartas, mede os astros,
perquire-se, procura,
inquieta-se. Batem à porta: ah, quem vai abri-la? Aberto
o livro, quem lê? Aberta a alma, quem vê?
Onde o amor que desconcerte o uno tempo e o corte
em dois?
Palavras só, e gestos, mudo monólogo ao espelho, sob
a ruga.
Gota de tinta num lenço, o tédio espalha-se.
enquanto eu galgava a encosta e o mar me acompanhava
até chegarmos às águas da montanha.
Em Santorini tocando eu ilhas que afundavam
escutando uma flauta a soar algures entre as pedras-pomes
a mão pregou-me à amurada do navio
uma seta de súbito lançada
dos confins de esvanecida juventude.
Em Micenas ergui as grandes pedras e os tesouros dos
Átridas
e junto deles me deitei no hotel "A Bela Helena de
Menelau";
só desapareceram na alva ao canto da Cassandra
com um galo a lhe pender do colo negro.
Em Spétse em Míconos em Poros
enfadou-me ouvir as barcarolas.

Que pretendem esses todos quando dizem
que podem ser achados em Atenas ou no Pireu?
Um vem de Salamina e quer saber de um outro se ele
"vem da Omônia"
"Não, venho do Síntagma"responde ancho de si
"encontrei o Yánnis convidou-me a um sorvete."
No entrementes é a Grécia que viaja
não sabemos de nada não sabemos quem somos nós
desembarcados
ignoramos a amargura do porto quando os barcos todos
já partiram
escarnecemos aqueles que inda o sentem.
Estranha gente a que pretende achar-se na Ática e não
está em parte alguma;
compram confeitos de amêndoas quando vão casar
usam "loção para o cabelo" fotografam-se
o homem que hoje vi sentado em frente de um telão com
flores e pombinhos
permitia que a velha mão do fotógrafo alisasse as rugas
que lhe deixaram na pele do rosto
os galos do céu.

No entrementes é a Grécia que viaja ela toda que viaja
e se "vemos o mar Egeu a florir de cadáveres"
são daqueles que quiseram tomar o grande barco
nadando-lhe ao encontro
daqueles que cansaram de esperar navios que já não partem
o "Samotrácia" o "Elsie" o "Ambracia".
Apitam os navios agora que anoitece no Pireu
todos apitam todos mas não se move cabrestante algum
corrente alguma que úmida cintile à luz agonizante
o capitão ali está de pedra em meio aos astros e os galões.

Para onde quer que eu viaje a Grécia me dói;
cadeias de montanhas, arquipélagos, granitos
escalavrados.
O navio a viajar é o 'Agonia 9-37'

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