História da Literatura Alemã

História da Literatura Alemã

História da Literatura Alemã
Os povos germânicos - cuja língua comum, nas diversas fases de evolução, constituiu ao longo dos séculos um primordial elemento unificador -- careceram de fronteiras precisas no decorrer de sua história. O próprio Sacro Império Romano-Germânico não passou de uma ficção política dentro da qual se incluíam inúmeros territórios independentes. Neste texto, portanto, serão considerados todos os escritores em língua alemã que contribuíram com sua obra para o desenvolvimento da cultura germânica, tanto nos antigos principados e domínios da Prússia e do império austro-húngaro quanto na Suíça ou nos atuais estados da Áustria e das duas Alemanhas, unificadas em 1990.

Apesar de seu extraordinário florescimento a partir do fim do século XVIII, quando desperta a consciência nacional, a literatura alemã, entre as europeias, é provavelmente a que maiores dificuldades enfrentou em sua gestação, por causa do lento e complexo processo de unificação política.

Idade Média
Literatura germânica primitiva
A cultura dos primeiros povoadores da Germânia manteve íntima vinculação com a da Escandinávia. A primeira amostra literária conhecida é o Hildebrandslied (Canto de Hildebrando), fragmento de uma saga heróica do fim do século VIII.

Essa tradição épica também se refletiu nas primeiras obras realizadas com propósito doutrinário, como a versão dos Evangelhos escrita no século IX pelo monge Ottfried e a anônima epopéia Heliand (Salvador), sobre a vida de Cristo.

Alta Idade Média
Durante os séculos seguintes, a literatura foi marcada pelo fenômeno da progressiva cristianização, que por um lado uniformizou o alemão medieval, mas por outro limitou sua expressão escrita, já que os autores, clérigos na maioria, preferiam empregar o latim. Durante os séculos XII e XIII, no entanto, houve um extraordinário florescimento, caracterizado pelo ressurgimento da épica.

Épica
A maior parte dos textos épicos desse período dá ênfase aos elementos puramente cristãos. As gestas das Cruzadas, por exemplo, constituíam o núcleo da Kaiserchronik (Crônica dos imperadores) e de Salman und Morolf.

Ao lado dessa tendência mantinha-se, apesar de tudo, a nostalgia da tradição heróica que, além de textos como Gudrun e Das Heldenbuch (O livro dos heróis), daria seu mais grandioso e duradouro monumento com o Nibelungenlied (Canção dos nibelungos), considerado a epopéia nacional do povo alemão. Redigido no princípio do século XIII por um anônimo poeta austríaco, bom conhecedor da literatura meridional, o texto se mostrava, no entanto, plenamente imerso no mundo escandinavo, pelo realismo e pelo vigor da narrativa. A sombria grandeza com que se descrevia a destruição, pelos hunos, do povo dos heróis, encarnado pelos burgundos, constituía um autêntico canto de despedida do passado lendário e das antigas virtudes guerreiras, substituídas pelos novos ideais cristãos.

Lírica
A poesia narrativa, que teve um pioneiro no criador anônimo do Alexanderlied (Canto de Alexandre), encontrou seu melhor expoente na transposição, para a mentalidade germânica, dos romances bretões sobre a corte do rei Artur. Os principais representantes desse gênero, todos na transição entre os séculos XII e XIII, foram Hartmann von Aue, Gottfried von Strasburg, que deu ao seu Tristan und Isolde (Tristão e Isolda) uma inusitada sensualidade, e Wolfram von Eschenbach, autor do místico Parzival (Parsifal).

No desenvolvimento da lírica, foi determinante a influência da poesia francesa e provençal, ponto de partida dos chamados minnesänger, que recaíram nos temas do amor cortês. Seu melhor representante foi Walther von der Vogelweide.

Fim da Idade Média
O progressivo clima de agitação religiosa que sacudiu os principados alemães durante os séculos XIV e XV, e que desembocaria na Reforma, acarretou o declínio da produção literária "culta" em favor da estritamente confessional.

Outro traço característico dos novos tempos foi a paulatina substituição dos escritores aristocráticos por indivíduos procedentes da burguesia artesanal, os meistersinger (mestres-cantores). O teatro e a prosa tiveram suas melhores expressões nas farsas e narrativas de tema popular, possuidoras de uma vitalidade que não aparecia nas obras religiosas. Particularmente apreciados foram os relatos em torno do personagem de Till Eulenspiegel, que antecipava a figura do pícaro.

As décadas situadas entre o fim do século XV e a promulgação das teses de Lutero, convencionalmente consideradas como o início da Reforma, foram dominadas por uma série de autores que, como Ulrich von Hutten, combinaram a sátira corrosiva com os ataques à Igreja Católica. O mais destacado representante dessa tendência foi Sebastian Brant, autor da alegoria satírica em verso Das Narrenschiff (1494; A nau dos insensatos).

Reforma e barroco

Ideologia e literatura na Reforma
. A imposição da ortodoxia religiosa luterana, radicalmente oposta à cultura renascentista meridional, marcou de forma decisiva a literatura alemã do século XVI, sujeitando-a a normas estritas . A especulação filosófica, à exceção de autores influenciados pelo neoplatonismo italiano, como Paracelso e Jakob Bohme, desapareceu quase por completo para ceder a vez ao polemismo teológico.

O melhor cultor desse gênero foi o próprio Martinho Lutero, que em seus salmos e escritos ideológicos, assim como em sua célebre tradução da Bíblia, criou uma norma lingüística que constitui a base do atual idioma alemão. O poeta e dramaturgo Hans Sachs, herdeiro da tradição dos meistersinger, soube dar a sua produção didática, dirigida contra as teses papais, um elevado tom literário, e revitalizou as comédias de costumes ou Fastnachtsspiele.

Século do barroco 
Os autores alemães do século XVII tiveram que enfrentar os mesmos problemas que seus predecessores, isto é, a tensão religiosa e os conflitos dela derivados, em particular a devastadora guerra dos trinta anos. Apesar disso, nesse período se fixaram as bases do brilhante ressurgimento posterior. Nesse processo, elemento importante foi a denominada "escola da Silésia", cujo criador, Martin Opitz, estabeleceu, com seu Buch von der deutschen Poeterei (Livro do poetizar alemão), um modelo estilístico baseado nos renascentistas franceses e italianos. Seus continuadores Andreas Gryphius e Johann Scheffler, místico católico conhecido pelo pseudônimo de Angelus Silesius, introduziram maior profundidade temática, reflexo da influência do barroco meridional.

O grande escritor da época barroca foi no entanto um narrador, Johann Jakob Grimmelshausen, autor do romance Abenteuerlicher Simplicius Simplicissimus (O aventureiro Simplício Simplicíssimo), inspirado no gênero picaresco espanhol. Sua profundidade filosófica era realçada pela viva descrição dos horrores da guerra.

Século XVIII: Iluminismo

Estética e ensaio
. O advento do século XVIII produziu uma reação racionalista que, depois de abandonar a influência inicial dos autores ingleses e franceses, desembocou no fim do período num idealismo que pretendia conjugar o individual e o universal, traço plenamente germânico.

O introdutor das tendências racionalistas na Alemanha foi o filósofo Wilhelm Gottfried Leibniz, primeiro representante da Aufklärung ou Iluminismo alemão. No terreno estético, o suíço Johann Cristoph Gottsched defendeu uma norma de beleza baseada no classicismo francês.

Outros dois estudiosos suíços, Jakob Bodmer e Johann Jakob Breitinger, foram os primeiros a postular um princípio que se tornaria básico no pensamento alemão: a imaginação criadora não pode submeter-se à razão, e ambas devem complementar-se. Determinante nos novos rumos artísticos foi a obra de Gotthold Ephraim Lessing, que preconizou, em seu tratado Laocoonte, um particular classicismo que buscasse a adequação entre o espírito e sua expressão literária, sem se prender aos limites do formalismo.

A obra de Immanuel Kant, criador do idealismo transcendente, deu o passo definitivo para a independência da filosofia e da cultura alemãs. Sua afirmação de que o conhecimento da realidade só pode ser alcançado mediante o aprofundamento nas faculdades do próprio sujeito, com a conseqüente defesa do individualismo e da liberdade humana, constituiu o germe do idealismo metafísico e do romantismo que dominaram a primeira metade do século XIX.

Classicismo e romantismo

Sturm und Drang e século de Goethe. No período entre 1770 e 1850, que foi chamado "o século de Goethe", sucederam-se e aparentemente se sobrepuseram três correntes criativas dentro da literatura alemã: o Sturm und Drang (Tempestade e tensão) movimento pré-romântico de renovação encabeçado por Johann Gottfried von Herder, e cujo nome foi tirado de uma obra de Friedrich Klinger; o classicismo de Weimar, que corresponde à época da maturidade de Goethe e Schiller; e o romantismo.

Deve-se notar, contudo, que a diferença entre classicismo e romantismo não foi, na Alemanha, tão nítida quanto em outros lugares. Ambas as tendências compartilhavam o desejo de evitar uma mera racionalização da natureza e do mundo exterior, e aspiravam a estabelecer, tanto pelo intelecto quanto pelo sentimento, a harmonia entre o indivíduo e a realidade que ele capta com os sentidos. Esse anseio, em boa parte derivado da influência do idealismo metafísico predominante na filosofia alemã da época, levava ao projeto de fusão com o mundo num único espírito universal. Somente numa fase posterior esses elementos filosóficos deram lugar à exaltação do fantástico e irracional, característica básica da segunda geração romântica.

Portanto, ao falar de classicismo e romantismo na Alemanha, é preciso levar em conta que tanto um como outro constituíram manifestações de um mesmo clima espiritual.

A primeira crítica importante contra as concepções racionalistas partiu de Johann Georg Hamann, cujas teses Herder aprofundou e ampliou. Foi este último quem recolheu a expressão Sturm und Drang para definir a nova sensibilidade; e, com seu conceito de um "espírito dos povos" que reflete nas tradições e nos cantos folclóricos, determinou o interesse dos poetas românticos por esses temas e estimulou o nacionalismo alemão.

Classicismo de Weimar. A expressão "classicismo de Weimar" remete à obra dos dois titãs da literatura germânica, Goethe e Schiller, que entre 1794 e 1805 (Goethe desde 1775) viveram naquela cidade, sob a proteção de Carlos Alberto da Saxônia.

A imensa obra de Johann Wolfgang Goethe, que abarcou os mais diversos campos, não pode ser esquematizada em poucas linhas. Figura fundamental do Sturm und Drang com seu romance Die Leiden des jungen Werthers (Os sofrimentos do jovem Werther), depois de sua chegada a Weimar começou a abandonar o individualismo romântico inicial para adotar uma postura mais próxima dos ideais clássicos, e nesse sentido foi de grande influência sua estada na Itália, entre 1786 e 1788. Ali deu forma definitiva aos dramas Torquato Tasso e Egmont, reflexos de seu interesse em conjugar sentimento e forma harmônica. O romance Wilhelm Meisters Lehrjahre (Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister) -- a cujo protagonista, de evidente raiz autobiográfica, o autor dedicou outras duas obras -- mostrou com clareza o conceito de Goethe sobre a vida: um contínuo processo de aperfeiçoamento espiritual.

O escritor alemão dedicou a última etapa de sua vida à grandiosa realização do poema dramático Fausto, cujas duas partes apareceram respectivamente em 1808 e 1832, ano em que ele morreu. Concebido como imensa alegoria do desejo humano de penetrar o segredo último da existência, desde o primeiro momento Fausto foi reconhecido como uma obra-prima na história do espírito humano. O escritor russo Alexandr Pushkin afirmou: "Representa a nova poesia, assim como a Ilíada é o monumento da antiguidade clássica".

Também cultor dos mais diversos gêneros literários, o gênio de Friedrich Schiller encontrou sua mais completa expressão no campo do teatro, ao qual deu peças imortais como Don Carlos, Wallenstein, Maria Stuart e Guilherme Tell. Em todas, Schiller mostrou talento singular e dinamismo dramático, além da vontade ética de oposição a toda tirania; o célebre poema "An die Freude" ("Ode à alegria"), imortalizado por Beethoven em sua nona sinfonia, é a síntese perfeita dos ideais humanistas do autor, que exerceu enorme influência sobre os criadores românticos.

Romantismo
O impulso de renovação dado por Schiller e Goethe à literatura alemã se refletiu no aparecimento de um extraordinário grupo de escritores que, abandonando a imitação das correntes literárias estrangeiras, deram expressão própria ao espírito germânico.

Teóricos das novas tendências artísticas foram Wilhelm Wackenroder e os irmãos August e Friedrich Schlegel, que atacaram as convenções neoclássicas e defenderam a recuperação da primitiva poesia germânica.

Poesia
Situado entre o classicismo e o apogeu romântico, Friedrich Hölderlin foi o principal expoente da lírica do período. Tanto em suas odes e elegias quanto no romance poético Hyperion e na tragédia incompleta Der Tod des Empedokles (A morte de Empédocles), Hölderlin soube aliar a nostalgia por uma Grécia de ressonâncias míticas à concepção trágica da existência humana, expressa em versos de esmagadora beleza. Na obra de Friedrich von Hardenberg, conhecido como Novalis e autor dos sombrios Hymnen an die Nacht (Hinos à noite), foram mais patentes os elementos irracionais.

A compilação de baladas populares Des Deutschen Knaben Wunderhorn (1805-1808; A cornucópia maravilhosa do garoto alemão), realizada por Achim von Arnim e Clemens Brentano, revelou-se decisiva no que se refere ao gosto pelo lendário e pelo sentimento mágico da natureza, característico do segundo romantismo, cuja voz poética mais pura foi Joseph von Eichendorff.

Ficção
À exceção de figuras isoladas como Johann Paul Richter, conhecido como Jean-Paul, que, com seu realismo de costumes, antecipou tendências posteriores, a ficção romântica foi dominada pelas mesmas concepções da poesia. A recuperação dos contos tradicionais empreendida pelos irmãos Grimm influenciou Ludwig Tieck, Adalbert von Chamisso e Friedrich de la Motte-Fouqué, os quais desenvolveram um modelo de relato curto que associava a atmosfera fantástica ao sentimento elegíaco. E.T.A. Hoffmann conferiu a essa temática aspectos mais sombrios e sarcásticos e, em Die Elexiere des Teufels (Os elixires do diabo), criou um modelo de narrativa de terror que viria a ter influência duradoura.

Teatro
Embora menos cultivado que outros gêneros, o teatro conheceu nesse período dois autores singulares. Wilhelm von Kleist, que também escreveu romances (Michael Kolhaas), deixou em suas tragédias Penthesilea e Prinz Friedrich von Homburg (O príncipe Frederico von Homburg) a marca de um gênio torturado pelas contradições do espírito humano. Georg Büchner, expoente máximo do movimento A Jovem Alemanha, introduziu em Dantons Tod (A morte de Danton) e Woyzeck um sentimento de rebeldia que ultrapassava o individualismo romântico para entrar na crítica social.

Nacionalismo e realismo na segunda metade do século XIX

Clima ideológico
A partir de meados do século XIX tanto as tendências românticas como o idealismo metafísico sofreram violento ataque, reflexo do clima de agitação política que se estendia por toda a Europa.
No terreno filosófico, tal reação teve suas expressões mais radicais no materialismo revolucionário de Karl Marx e no niilismo de Arthur Schopenhauer. Friedrich Nietzsche, pensador visionário e exímio mestre da linguagem, defendeu, em obras como Also sprach Zarathustra (Assim falou Zaratustra) e Jenseits von Gut und Böse (Além do bem e do mal), uma espécie de vitalismo trágico baseado na aceitação do destino humano e na subversão dos valores morais.

A produção literária moveu-se entre pólos semelhantes, oscilando, a depender dos diversos autores, entre o nacionalismo exaltado, a crítica social e o pessimismo.

Poesia
Um dos principais impulsionadores das tendências da época foi Heinrich Heine, que, em seus poemas iniciais do Buch der Lieder (Livro das canções), aliou as descrições líricas à sátira contra costumes da época. Sua obra realizada em Paris, para onde se transferiu em 1831, mostrou uma acentuação dos traços sarcásticos, que alcançaram singular expressão em Romanzero (Romanceiro) e Atta Troll.

Os temas populares, matizados pelo classicismo em Edward Mörike, dominaram a lírica de Ludwig Uhland e Joseph von Scheffel. Mais radicais foram o naturalista Arno Holz e Christian Morgenstern, autor de uma poesia sardônica e desesperançada.

Romance
A progressiva ascensão do realismo também marcou a narrativa alemã do período. Na ficção de costumes e regionalista destacaram-se Theodor Storm, Theodor Fontane, Herman Suddermann e Wilhelm Raabe. Maior intenção crítica revelaram Karl Gutskow, um dos líderes do movimento da Jovem Alemanha, e o já citado Arno Holz.

O romance histórico teve notáveis cultores no suíço Gottfried Keller e em seu compatriota Conrad Ferdinand Meyer, que em Jürg Jenatsch descreveu, como referência simbólica à sua época, a desoladora situação da Europa durante a guerra dos trinta anos. Finalmente, a análise psicológica dominou os retratos da sociedade rural realizados pelo austríaco Adalbert Stifter.

Teatro
A recuperação da tragédia, como forma de expressar os conflitos entre o homem e a sociedade e de manifestar as aspirações nacionalistas, preponderou durante muito tempo na cena alemã por meio de Friedrich Hebbel e do austríaco Franz Grillparzer. O renovador do gênero seria Gerhart Hauptmann, que, influenciado pelo naturalismo do romancista francês Émile Zola, fez em Vor Sonnenaufgang (1889; Antes da aurora) e Die Weber (1892; Os tecelões) uma crua descrição das condições de vida das classes populares.
A obra posterior de Hauptmann evoluiu para um simbolismo de índole religiosa. Seu radicalismo inicial, no entanto, abriu caminho para outros dramaturgos da transição entre os dois séculos, como Frank Wedekind, crítico das convenções burguesas com Frühlings Erwachen (Despertar da primavera), e o austríaco Arthur Schnitzler, que em Reigen (Ronda) parodiou a estereotipada sociedade vienense da época.

Século XX

Criação literária até a segunda guerra mundial 
A atmosfera de rarefação política e as convulsões causadas pelas duas guerras mundiais aos povos germânicos, que assistiram a uma contínua alteração de suas fronteiras, preponderavam nos rumos da produção literária. O movimento expressionista, com sua exasperada concepção da arte e sua rejeição ao militarismo e à mecanização, foi disso um bom exemplo. Tal sentimento de crise, no entanto, não seguiu trilhas concretas de expressão, mas foi refletido pelos diferentes autores segundo suas convicções pessoais.

Ficção. Foram dois os nomes de maior celebridade entre os muitos e brilhantes romancistas da época. Thomas Mann, autor de Die Buddenbrooks (Os Buddenbrooks), Der Zauberberg (A montanha mágica) e do quase picaresco Die Bekenntnisse des Hochtaplers Felix Krull (As confissões do vigarista Felix Krull), expressou, em estilo clássico e ao mesmo tempo irônico, a decadência da cultura européia, sem com isso renunciar ao reconhecimento de seus valores. O tcheco Franz Kafka, antecessor do existencialismo e do sentimento do absurdo, legou em seus contos e nos romances Das Schloss (O castelo), Der Prozess (O processo) e Die Verwandlung (A metamorfose) uma lúcida e desolada análise lírica do abismo entre as aspirações do homem e sua existência real.

Entre os escritores austríacos, Robert Musil executou em seu inacabado Der Mann ohne Eigenschaften (O homem sem qualidades) uma sutil descrição do processo de decomposição do império austro-húngaro, fenômeno que Radetzkymarch (A marca de Radetzky), de Josep Roth, também refletiu. Hermann Broch, por sua vez, criou com Der Tod des Vergil (A morte de Virgílio) uma reflexão histórica de profundas conotações metafísicas.

Outros autores de destaque foram: Emil Ludwig; Heinrich Mann, irmão de Thomas e autor da trilogia Das Kaiserreich (O reino do Kaiser); Hermann Hesse, cujo peculiar espiritualismo obteve notoriedade mundial com Der Steppenwolf (O lobo das estepes); Jacob Wassermann; os expressionistas Franz Werfel e Alfred Döblin; e Erich Maria Remarque, que no antimilitarista In Westen nichts Neues (Sem novidades no front) descreveu os horrores da primeira guerra mundial. Sob outra perspectiva, Hans Carossa pretendeu recuperar as concepções goethianas, e Ernst Jünger, que manteve ambíguas relações com o nazismo, escreveu uma série de romances filosóficos que seriam revalorizados a partir de 1960.

Poesia. Pode-se dizer que a lírica alemã dessa época foi dominada por duas correntes principais: simbolismo e expressionismo. A primeira, influenciada pelos autores franceses, teve em Stefan George e Hugo von Hoffmansthal destacados expoentes. Próximo deles, mas com maior ênfase nas implicações metafísicas e linguagem de portentosa depuração, situou-se o tcheco Rainer Maria Rilke. O  misticismo desse autor, presente desde suas primeiras obras, alcançou o auge expressivo em Die Sonette an Orpheus (Sonetos a Orfeu) e Duineser Elegien (Elegias de Duíno), que desde a data de sua publicação, 1923, foram louvados pela crítica como obras-primas da lírica universal.

A poesia expressionista, que enfatizava em tom escandaloso a desumanidade e o esmagamento da civilização urbana, teve destacados cultores em Georg Heym e Ernst Stadler. O mais original, todavia, foi o austríaco Georg Trakl, cujos versos herméticos e pessimistas apresentavam conotações surrealistas.

Teatro. Assim como na lírica, o expressionismo adotou no teatro formas de rejeição frontal à sociedade da época, perpetuando o legado de Frank Wedekind por meio de autores como Reinhard Sorge, cujo Bettler (1912; O mendigo) é considerado o primeiro drama expressionista, e Fritz von Unruh. O líder do grupo, Georg Kaiser, evoluiu do radicalismo de Die Bürger von Calais (1914; Os burgueses de Calais) e Von Morgen pis Mitternachts (1916; Da manhã à  meia-noite) para um estilo mais sossegado, em que o desejo de transformação social se unia à indagação simbólica sobre o espírito humano. Disposição similar animou o também poeta Hugo von Hofmannstahl no drama filosófico Der Turm (A torre), inspirado em Calderón de la Barca.

A adoção do ideário marxista pelo dramaturgo Bertolt Brecht, que inicialmente se vinculara a tendências expressionistas e anarquistas, gerou uma série de obras, escritas entre 1920 e 1956, data da morte do autor, que revolucionaram o palco europeu. Brecht defendia a necessidade de criar um teatro de tese que empregasse técnicas de distanciamento em relação ao espectador, de tal modo que este não fosse "subjugado" pela obra e refletisse sobre a mensagem que ela continha. Brilhantes expressões dessas idéias foram, entre outras, a ópera Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny (Ascensão e queda da cidade de Mahagonny), a antimilitarista Mutter Courage und ihre Kinder (1939; Mãe Coragem e seus filhos), a paródia sobre o nazismo Der Aufhaltsame Aufstieg des Arturo Ui (A ascensão resistível de Arturo Ui) e Leben des Galilei (1938-1939; A vida de Galileu), sobre a figura do astrônomo renascentista. Brecht foi criticado por outros autores, que achavam suas idéias rígidas em demasia, e para os quais a produção desse artista só se alça acima de suas próprias convenções graças aos dotes de profundo lirismo e ironia. O certo é que, para além da aceitação ou não de suas opiniões teóricas, a obra do escritor alemão, baseada num humanismo crítico, marcou muitas das tendências européias posteriores.

Literatura do pós-guerra. A lembrança da guerra e o desejo de compreender suas circunstâncias dominaram os primeiros anos da literatura alemã do pós-guerra.

No romance, tal preocupação foi evidente tanto nos autores que desenvolveram seu trabalho na Alemanha ocidental, como Walter Jens e Theodor Plivier, autor do duríssimo Stalingrado, como nos que permaneceram no lado oriental, caso de Arnold Zweig e Anna Seghers.

O sentimento de culpa vivido por muitos dos escritores germânicos foi lentamente dando lugar a uma maior serenidade na análise dos anos anteriores. Determinante nesse processo seria a obra de Heinrich Böll, que, além da denúncia do belicismo em Wo warst du, Adam? (Onde estiveste, Adão?), atentou para os problemas da reconstrução pós-bélica em Billard um halb Zehn (Bilhar às nove e meia). Na Áustria, Heimito von Doderer trabalhou, em Die Dämonen (Os demônios), a intenção de compreender sua época buscando as raízes na Viena de 1920.

O aparecimento, em 1959, do romance de Günther Grass Die Blechtrommel (O tambor de lata), satírica e delirante reconstrução das últimas décadas da história do país, e a narrativa experimental de Peter Weiss Der Schatten des Körpers des Kutchers (1960; A sombra do corpo do cocheiro) devolveram à Alemanha um lugar privilegiado dentro da ficção européia. A linha de renovação estilística desses autores foi continuada por Alexander Kluge, Uwe Johnson, Arno Schmidt, que deu à prosa em língua alemã uma de suas obras-primas com o onírico Zettelstraum (O sonho de Zettel), Siegfried Lenz, os austríacos Peter Handke, Martin Walser e Thomas Bernhard, e a alemã-oriental Christa Wolf. Em outra linha, Michael Ende usou a estrutura tradicional do conto infantil para tecer suas alegorias sobre o mundo contemporâneo: Momo e Die Unendlich Geschichte (A história sem fim). Em meados da década de 1980, Patrick Suskind assombrou a crítica com Das Parfüm (O perfume).

Merecem capítulo à parte três autores que trabalharam em diversos gêneros, dando sempre às suas criações uma marca de profunda independência. O austríaco de origem húngara Elias Canetti, que iniciou sua produção, entre as duas guerras, com a sátira filosófica Die Blendung (Auto-de-fé), recebeu em 1981 o Prêmio Nobel graças a várias obras de análise do mundo contemporâneo, como o ensaio Masse und Macht (Massa e poder). O suíço Max Frisch, autor de romances (Stiller, Homo Faber) e peças teatrais cheias de ironias, como Die Chinesische Mauer (A muralha chinesa), e seu compatriota Friedrich Dürrenmatt, renovador do gênero policial em Der Richter und sein Henker (O juiz e seu carrasco) e dramaturgo demolidor em Der Besuch der alten Dame (A visita da velha senhora) e Die Physiker (Os físicos), também obtiveram repercussão internacional.

O terreno dramático seria basicamente ocupado por autores que cultivaram também a narrativa, como os citados Dürrenmatt e Frisch. Peter Weiss, que em Die Ermittlung (O interrogatório) e Marat-Sade renovou as concepções brechtianas com uma técnica de superposição de realidades distintas, e Rolf Hochhuth, autor de Die Stellvertreter (O vigário), sobre o envolvimento da Igreja Católica com o nazismo, foram talvez os criadores de maior destaque.

A lírica alemã soube renovar o legado expressionista com a depuração estilística de Paul Celan e Hans Magnus Enzensberger, que também ganhou o reconhecimento da crítica por seus ensaios sobre as condições políticas e sociais na Alemanha. Deram caráter mais experimental às suas obras Christoph Meckel e Wolf Biermann, cujo singular texto Preusaicher Ikarus. Lieder/Balladen/Gedichte/Prosa (Ícaro prussiano. Canções, baladas, poesia, prosa) refletiu, na própria multiformidade, o sempre presente afã de renovação da literatura alemã.
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