Prefácio Interessantíssimo | Mário de Andrade


Prefácio Interessantíssimo | Mário de Andrade

Prefácio Interessantíssimo | Mário de Andrade
"Leitor:
Está fundado o Desvairismo.

Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem
pensar tudo o que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para
justificar o que escrevi. Daí a razão deste
Prefácio Interessantíssimo.

(...)Um pouco de teoria?
Acredito que o lirismo, nascido no
subconsciente, acrisolado num pensamento claro
ou confuso, cria frases que são versos inteiros,
sem prejuízo de medir tantas sílabas, com
acentuação determinada.

(...) Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não
consiste em prejudicar a doida carreira do
estado lírico para avisá-lo das pedras e cercas
de arame do caminho. Deixe que tropece, caia
e se fira.

(...) Que Arte não seja porém limpar versos de exageros
coloridos. Exagero: símbolo sempre
novo da vida como do sonho. Por ele vida e
sonho se irmanam. E, consciente, não é defeito,
mas meio legítimo de expressão.
(...) Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu
fim. Todos os grandes artistas, ora consciente
(Rafael das Madonas, Rodin do Balzac,
Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do
Braz Cubas), ora inconscientemente (a grande
maioria) foram deformadores da natureza.
Donde infiro que o belo artístico será tanto mais
artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se
afastar do belo natural.

(...) Quem canta seu subconsciente
seguirá a ordem imprevista das comoções, das
associações de imagens, dos contatos exteriores.
Acontece que o tema às vezes descaminha.
(...) Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela;
não abuso.

Virgílio, Homero, não usaram rima. Virgílio,
Homero, tem assonâncias admiráveis.

A língua brasileira é das mais ricas e sonoras.
E possui o admirabilíssimo "ão".

(...) Mas todo este prefácio, como todo o disparate das
teorias que contém, não vale coisíssima
nenhuma. Quando escrevi "Paulicea Desvairada"
não pensei em nada disto. Garanto porém que
chorei, que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo!

Aliás versos não se escrevem para leitura de
olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se, choram-se."


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