Desencantos | Machado de Assis

Autor: Machado de Assis
Gênero: Contos
Categoria: Literatura Brasileira
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CLARA - Custa a crer o que me diz. Pois deveras saiu aborrecido do baile?
LUIZ - É verdade.
CLARA - Dizem entretanto que esteve animado...
LUIZ - Esplêndido!
CLARA - Esplêndido, sim!
LUIZ - Maravilhoso.
CLARA - Essa é, pelo menos, a opinião geral. Se eu lá fosse, estou certa de que seria a minha.
LUIZ - Pois eu lá fui e não é essa a minha opinião.
CLARA - É difícil de contentar nesse caso.
LUIZ - Oh! não.
CLARA - Então as suas palavras são um verdadeiro enigma.
LUIZ - Enigma de fácil decifração.
CLARA - Nem tanto.
LUIZ - Quando se dá preferência a uma flor, à violeta, por exemplo, todo o jardim onde ela não apareça, embora esplendido, é sempre incompleto.
CLARA - Faltava então uma violeta nesse jardim.
LUIZ - Faltava. Compreende agora?
CLARA - Um pouco.
LUIZ - Ainda bem!
CLARA - Venha sentar-se neste banco de relva, à sombra desta árvore copada. Nada lhe falta para compor um idílio, já que é dado a esse gênero de poesia. Tinha então muito interesse em ver lá essa flor?
LUIZ - Tinha. Com a mão na consciência, falo-lhe a verdade; essa flor não e uma predileção do espírito, é uma escolha do coração.
CLARA - Vejo que se trata de uma paixão. Agora compreendo a razão por que não lhe agradou o baile, e o que era enigma, para a ser a coisa mais natural do mundo. Está absolvido do seu delito.
LUIZ - Bem vê que tenho circunstâncias atenuantes a meu favor.
CLARA - Então o senhor ama?
LUIZ - Loucamente, e como se pode amar aos vinte e dois anos, com todo o ardor de um coração cheio de vida. Na minha idade o amor é uma preocupação exclusiva que se apodera do coração e da cabeça. Experimentar outro sentimento, que não seja esse, pensar em outra coisa, que não seja o objeto escolhido pelo coração, é impossível. Desculpe se lhe falo assim...
CLARA - Pode continuar. Fala com um entusiasmo tal, que me faz parecer estar ouvindo algumas das estrofes do nosso apaixonado Gonzaga.
LUIZ - O entusiasmo do amor é por ventura o mais vivo e ardente.
CLARA - E por isso o menos duradouro. E como a palha que se inflama com intensidade, mas que se apaga logo depois.
LUIZ - Não aceito a comparação. Pois Deus havia de inspirar ao homem esse sentimento, tão suscetível de morrer assim? Demais, a prática mostra o contrário.
CLARA - Já sei. Vem falar-me de Heloisa e Abeillard, Pyramo e Tysbe, e quanto exemplo a história e a fábula nos dão. Esses não provam. Mesmo porque são exemplos raros, é que a história os aponta. Fogo de palha, fogo de palha e nada mais.
LUIZ - Pesa-me que de seus lábios saiam essas palavras.
CLARA - Por que?
LUIZ - Porque eu não posso admitir a mulher sem os grandes entusiasmos do coração. Chamou-me há pouco de poeta; com efeito eu assemelho-me por esse lado aos filhos queridos das musas. Esses imaginam a mulher um ente intermediário que separa os homens dos anjos e querem-na participante das boas qualidades de uns e de outros. Dir-me-á que se eu fosse agiota não pensaria assim; eu responderei que não são os agiotas os que têm razão neste mundo.
CLARA - Isso é que é ver as coisas através de um vidro de cor. Diga-me: sente deveras o que diz a respeito do amor, ou está fazendo uma profissão de fé de homem político?
LUIZ - Penso e sinto assim.
CLARA - Dentro de pouco tempo verá que tenho razão.
LUIZ - Razão de que?
CLARA - Razão de chamar fogo de palha ao fogo que lhe devora o coração.
LUIZ - Espero em Deus que não.
CLARA - Creio que sim.
LUIZ - Falou-me há pouco em fazer um idílio, e eu estou com desejos de compor uma ode sáfica.
CLARA - A que respeito?
LUIZ - Respeito à crueldade das violetas.
CLARA - E depois ia atirar-se à torrente do Itamarati? Ah! como anda atrasado do seu século!
LUIZ - Ou adiantado...
CLARA - Adiantado, não creio. Voltaremos nós à simplicidade antiga?
LUIZ - Oh! tinha razão aquela pobre poetiza de Lesbos em atirar-se às ondas. Encontrou na morte o esquecimento das suas dores íntimas. De que lhe servia viver amando sem esperança?
CLARA - Dou-lhe de conselho que perca esse entusiasmo pela antiguidade. A poetiza de Lesbos quis figurar na história com uma face melancólica; atirou-se de Leucate. Foi cálculo e não virtude.
LUIZ - Está pecando, minha senhora.
CLARA - Por blasfemar do seu ídolo?
LUIZ - Por blasfemar de si. Uma mulher nas condições da décima musa nunca obra por cálculo. E V. Excia., por mais que queira, deve estar nas mesmas condições de sensibilidade, que a poetiza antiga, bem como esta nas de beleza.
www.klimanaturali.org
LUIZ - É verdade.
CLARA - Dizem entretanto que esteve animado...
LUIZ - Esplêndido!
CLARA - Esplêndido, sim!
LUIZ - Maravilhoso.
CLARA - Essa é, pelo menos, a opinião geral. Se eu lá fosse, estou certa de que seria a minha.
LUIZ - Pois eu lá fui e não é essa a minha opinião.
CLARA - É difícil de contentar nesse caso.
LUIZ - Oh! não.
CLARA - Então as suas palavras são um verdadeiro enigma.
LUIZ - Enigma de fácil decifração.
CLARA - Nem tanto.
LUIZ - Quando se dá preferência a uma flor, à violeta, por exemplo, todo o jardim onde ela não apareça, embora esplendido, é sempre incompleto.
CLARA - Faltava então uma violeta nesse jardim.
LUIZ - Faltava. Compreende agora?
CLARA - Um pouco.
LUIZ - Ainda bem!
CLARA - Venha sentar-se neste banco de relva, à sombra desta árvore copada. Nada lhe falta para compor um idílio, já que é dado a esse gênero de poesia. Tinha então muito interesse em ver lá essa flor?
LUIZ - Tinha. Com a mão na consciência, falo-lhe a verdade; essa flor não e uma predileção do espírito, é uma escolha do coração.
CLARA - Vejo que se trata de uma paixão. Agora compreendo a razão por que não lhe agradou o baile, e o que era enigma, para a ser a coisa mais natural do mundo. Está absolvido do seu delito.
LUIZ - Bem vê que tenho circunstâncias atenuantes a meu favor.
CLARA - Então o senhor ama?
LUIZ - Loucamente, e como se pode amar aos vinte e dois anos, com todo o ardor de um coração cheio de vida. Na minha idade o amor é uma preocupação exclusiva que se apodera do coração e da cabeça. Experimentar outro sentimento, que não seja esse, pensar em outra coisa, que não seja o objeto escolhido pelo coração, é impossível. Desculpe se lhe falo assim...
CLARA - Pode continuar. Fala com um entusiasmo tal, que me faz parecer estar ouvindo algumas das estrofes do nosso apaixonado Gonzaga.
LUIZ - O entusiasmo do amor é por ventura o mais vivo e ardente.
CLARA - E por isso o menos duradouro. E como a palha que se inflama com intensidade, mas que se apaga logo depois.
LUIZ - Não aceito a comparação. Pois Deus havia de inspirar ao homem esse sentimento, tão suscetível de morrer assim? Demais, a prática mostra o contrário.
CLARA - Já sei. Vem falar-me de Heloisa e Abeillard, Pyramo e Tysbe, e quanto exemplo a história e a fábula nos dão. Esses não provam. Mesmo porque são exemplos raros, é que a história os aponta. Fogo de palha, fogo de palha e nada mais.
LUIZ - Pesa-me que de seus lábios saiam essas palavras.
CLARA - Por que?
LUIZ - Porque eu não posso admitir a mulher sem os grandes entusiasmos do coração. Chamou-me há pouco de poeta; com efeito eu assemelho-me por esse lado aos filhos queridos das musas. Esses imaginam a mulher um ente intermediário que separa os homens dos anjos e querem-na participante das boas qualidades de uns e de outros. Dir-me-á que se eu fosse agiota não pensaria assim; eu responderei que não são os agiotas os que têm razão neste mundo.
CLARA - Isso é que é ver as coisas através de um vidro de cor. Diga-me: sente deveras o que diz a respeito do amor, ou está fazendo uma profissão de fé de homem político?
LUIZ - Penso e sinto assim.
CLARA - Dentro de pouco tempo verá que tenho razão.
LUIZ - Razão de que?
CLARA - Razão de chamar fogo de palha ao fogo que lhe devora o coração.
LUIZ - Espero em Deus que não.
CLARA - Creio que sim.
LUIZ - Falou-me há pouco em fazer um idílio, e eu estou com desejos de compor uma ode sáfica.
CLARA - A que respeito?
LUIZ - Respeito à crueldade das violetas.
CLARA - E depois ia atirar-se à torrente do Itamarati? Ah! como anda atrasado do seu século!
LUIZ - Ou adiantado...
CLARA - Adiantado, não creio. Voltaremos nós à simplicidade antiga?
LUIZ - Oh! tinha razão aquela pobre poetiza de Lesbos em atirar-se às ondas. Encontrou na morte o esquecimento das suas dores íntimas. De que lhe servia viver amando sem esperança?
CLARA - Dou-lhe de conselho que perca esse entusiasmo pela antiguidade. A poetiza de Lesbos quis figurar na história com uma face melancólica; atirou-se de Leucate. Foi cálculo e não virtude.
LUIZ - Está pecando, minha senhora.
CLARA - Por blasfemar do seu ídolo?
LUIZ - Por blasfemar de si. Uma mulher nas condições da décima musa nunca obra por cálculo. E V. Excia., por mais que queira, deve estar nas mesmas condições de sensibilidade, que a poetiza antiga, bem como esta nas de beleza.
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