Linguística Geral e Linguística Românica | Fusão e Confusão Entre Objetos e Métodos da Linguística e da Filologia


Linguística Geral e Linguística Românica | Fusão e Confusão Entre Objetos e Métodos da Linguística e da Filologia

Linguística Geral e Linguística Românica | Fusão e Confusão Entre Objetos e Métodos da Linguística e da Filologia Pretendemos, aqui, levantar as diversas conceituações, em diversos autores, das ciências que se ocupam da Linguagem Humana, nos diversos aspectos:

Sincrônico e Diacrônico;

Textual, Contextual e Intertextual:

Descritivo, Prescritivo / Proscritivo e Produtivo.

Estando as tarefas dos filólogos e lingüistas em regime de interseção e de interdepêndencia, torna-se interessante observar como autores em diferentes épocas e em diferentes escolas as delimitaram, ou procuraram delimitar. Sendo esse um aspecto dos mais controvertidos em nossos tempos, cumpre-se fazer levantamento, ao menos sumário, da abrangência dos termos Filologia Românica e Lingüística Românica.

O título desse artigo fez-me lembrar texto apresentado pelo Prof. Celso Cunha, em 1973, em CONGRESSO INTERNACIONAL DE FILOLOGIA PORTUGUESA. Por diversas razões, só recentemente esse texto chegou-me às mãos, em forma mimeografada.

Logo no primeiro parágrafo, manifestou o prof. Cunha sua estranheza, pelo título do Congresso, pois já estava se habituando à diminuição do prestígio, no País, dos termos filologia e filólogo, diminuição por ele atribuída (lembremo-nos, em 1973) “à influência da lingüística monocrônica americana, de técnica descritiva e não explicativa.”

Ressalta, ainda, o prezado mestre, estar, mesmo na França, “o campo semântico de filologia restrito aos estudos dos textos literários e à sua transmissão, revestido, até certo ponto, de caráter pejorativo, pela rudeza com que alguns semiólogos ou formalistas da nova crítica, ridicularizavam os métodos de alguns de seus cultores”.

Também em outros países, onde o termo filologia já gozou de grande prestígio, (que em parte ainda conserva ) como Itália, Espanha, Alemanha, o aspecto tradicionalista da disciplina tem dado ocasião a críticas de lingüistas erroneamente fixados apenas à hora presente e que, por sua vez, acusam os filólogos de não se utilizarem de conquistas recentes, mantendo uma anacrônica fidelidade a métodos superados. No mesmo texto, o Prof. Cunha cita Hammarström, 1959: “A bem dizer, há um abismo entre a descrição dos filólogos e dos lingüistas. A primeira não faz progressos há cincoenta anos. Ela é, ainda, pré-saussuriana. Quanto tempo os filólogos, eruditos, e competentes em domínios distintos da descrição lingüística, prosseguirão nas maneiras de proceder que hoje pertencem ao diletantismo? Já não seria tempo de escolher: ou a renovação, ou o silêncio?”

Como não é situação para se provocar brigas, muito pelo contrário, sou levada a pensar que Hammarström via na filologia apenas a conservação e transmissão de textos medievais de línguas européias, com o registro de formas fonéticas arcaizadas e o seu possível étimo, latino ou não, o que já não seria pouco trabalho, pois incluiria o levantamento, dos documentos, sua autenticação, o desdobramento de abreviaturas etc. São operações delicadas que exigem domínio dos grafemas em relação aos fonemas, nem sempre fácil de ser obtido. “Deve o filólogo reconstituir a língua de seu autor, como um sistema em si, a um tempo sincrônico, sintópico, sinstrático e sinfásico e, por outro lado, deve estar em condições de observá-lo dentro do diassistema, ou seja, de um panorama que se desenrola em sua amplitude diacrônica, diatópica, diastrática e diafásica.”

A uma filologia atomística, linear, amesquinhadora, opõem-se, também, os bons filólogos, como, da mesma forma, os bons lingüistas. Façamos todos o exame da língua oral, no seu dia-a-dia, no seu sobreviver e renovar-se, assim como também da língua escrita, conservada nos textos mais ou menos antigos, como comprovantes de diversidades, de supostas “modernidades”, de formas regionais, tidas como desaparecidas. Se não os explicarmos, na totalidade, teremos, ao menos, a sua saborosa fruição como recompensa.

Situando a questão nos dias de hoje ( lingüística x filologia ), consultamos algumas obras, aleatoriamente, a ver como os diversos autores dividem, se é que dividem, as tarefas que competem ao lingüista e as tarefas que competem ao filólogo.

Segue-se, logo nesse ponto, por razões práticas, a bibliografia consultada, a qual será codificada para melhor manuseio:

CAMARA Jr, J. Mattoso. Princípios de lingüística geral.Rio: Acadêmica, 1964. (CAM)
FARACO, Carlos Alberto. Lingüística histórica. S. Paulo: Ática, 1991. (FAR)
IORDAN, Iorgu. Introdução à lingüística românica. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1962. (IOR)
MELO, Gladstone C. de. Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio: Acadêmica, 1971. (MEL)
MIAZZI, Maria Luísa Fernandez. Introdução à lingüística românica. S. Paulo: Cultrix, 1976 .(MIA)
SILVA NETO, Serafim, Manual de filologia portuguesa: história, problemas, métodos. Rio: Presença / Brasília: INL, 1988. (SIL)

Excetuando-se a obra de Mattoso Câmara, que se propõe e, de fato é, uma lingüística geral, nos demais só temos o título filologia, nas obras dos mestres Gladstone e Silva Neto, sendo que, com exclusividade, apenas nesse último.

Faremos, comparativamente, o traçado das definições e tarefas, atribuídas, por esses vários autores às disciplinas em questão:

FILOLOGIA GERAL / ROMÂNICA
LINGÜÍSTICA GERAL / ROMÂNICA
CAM

A lingüística propõe-se a estudar a língua e não o discurso, a fala, (a parole);nos discursos individuais, só devem interessar os elementos vocais coletivos e a sua organização normal. Se os discursos, que a cada passo, se nos apresentam à observação são atos mentais individuais, o indivíduo não cria a sua linguagem, apenas faz aplicação daquela que lhe foi passada e, até mesmo imposta no interior de uma sociedade . É, portanto a língua o objeto de estudo da lingüística. Ressalte-se a hipótese de depreender do ato lingüístico, o que há nele de individual, isto é, o esforço do falante em expressar-se da maneira mais adequada à situação em que se encontra, fugindo a automatização. A língua será, então, de maneira geral, coletiva; terá peculiaridades, ou, ao menos, preferências, constituindo assim, de certo modo, múltiplas línguas individuais, ou idioletos, mais adequadamente estudados pela estilística . O estilo é, em princípio, individual, mas os traços estilísticos coincidem, em grande parte, nos indivíduos pertencentes a uma sociedade. Em resumo, cada ato de linguagem se fundamenta num sistema lingüístico, que é, propriamente, a língua , e também sistematiza os recursos lingüísticos usados nas peculiaridades individuais e coletivas dos membros de uma comunidade. (p 12 e seguintes)
FAR

A lingüística histórica lida com o fato de que as línguas mudam com o passar do tempo: não são estáticas, pelo contrario, sua configuração se altera continuamente, no tempo e, também, no espaço. Essa dinâmica é o objeto de estudo da lingüística histórica. A maioria dos falantes, ou não tem consciência das mudanças, ou as têm como erros , com base num padrão , que deveria ser permanente, uma vez que não sofre variações uniformes, num mesmo ritmo. Culturas que possuem língua escrita tendem a desejar para essa uma uniformidade, cuja rutura só é observada e “perdoada” em textos muito antigos ou “regionalistas” O autor faz, ainda, distinção entre historia da lingüística e lingüística histórica, ressaltando ser a tarefa dessa última estudar as mudanças que ocorrem na língua à medida em que o tempo passa. (p. 7 e seguintes) .
IOR
Embora só há algumas décadas se fale de filologia românica, como uma ciência histórica, necessária ao estudo da língua românica escrita e falada, o certo é que ela não é descoberta das últimas gerações. Já na Idade Média se tinha desenvolvido o seu estudo, com fins práticos e teóricos, à maneira do que se fazia em Grécia e Roma com a língua e a literatura gregas e latinas. A partir do século XVIII, os estudos sobre as línguas e as literaturas românicas apoiaram-se nas ciências aparentadas, tidas como exatas, na época, compartimentada e enfileirada, alimentada e delimitada como o determinismo, o evolucionismo, o naturalismo, etc. Por outro lado, enquanto o nacionalismo favorecia o estudo dos falares locais, não deixando de opô-los aos falares padrão, o imperialismo tomava em consideração as línguas ditas selvagens. Também o estudo da história do país e das ciências jurídicas obrigava à coleta e à determinação do significado de palavras arcaicas existentes nas obras da história e do direito. A filologia passou a trabalhar sobre textos já existentes e ter a tarefa de separar a palavra dialetal da expressão equivalente da língua culta. Já, no século XIX, graças aos irmãos Grimm, Friedrich Diez e Franz Bopp, formou-se uma visão histórica da língua, com método e objetos próprios ( p. 8 e seguintes ).
Considerando Friedrich Diez como o pai da lingüística românica, o autor afirma ter sido esse estudioso o primeiro a dedicar-se ao estudo sistemático das línguas românicas, analisando e comparando, pela primeira vez, seu patrimônio, sua evolução fonética, seu sistema de flexão, de derivação e de sintaxe, servindo o método histórico-comparativo de elemento de confirmação de fatos já evidentes a muitos estudiosos do assunto. (p.7 e seguintes)
MEL
A filologia, confundida com a pior deformação da gramática, andou .entregue a indivíduos corregedores de erros. A conseqüência é que se foi filtrando entre os leigos um conceito bem pouco lisonjeiro de ser a filologia especulação de desocupados. Se ninguém pergunta a um matemático qual sua opinião sobre determinado ponto de sua matéria, não falta quem pergunte ao filólogo o que ele acha disso ou daquilo . O objeto da filologia é nitidamente estabelecido, com seus métodos próprios, seguros e apurados, com suas conclusões definitivas. Esse objeto é a forma de língua atestada por documentos escritos. Trata-se de uma ciência muito antiga e pode abranger um tipo de língua ou uma família de línguas. É, sem dúvida, uma ciência aplicada, onde se pode, ainda, incluir a história da literatura , já que, quem estuda cientificamente a língua culta portuguesa, tem que conhecer, muito bem seus monumentos literários. (p. 20 a 23)
Se a filologia stricto-sensu é o estudo científico de uma língua, atestada em seus documentos escritos, logo se deduz que, onde não há documentos escritos, não pode haver filologia. Não é, portanto, possível, uma filologia carajá . Cumpre ressaltar ser a filologia uma ciência aplicada, seu papel é fixar, interpretar e comentar os textos.
A lingüística, porém, ou glotologia, é ciência especulativa.
O seu objeto é a língua em si mesma, a língua como fato social. Não a língua A ou B, mas o fenômeno-língua, sua estrutura, seu conteúdo, sua essência, seus processos, suas relações com o pensamento, com o sentimento, com a vontade, com a sociedade, com a cultura, sua desagregação, causas de estabilidade e fatores de diferenciação, interação lingüística, etc. Onde houver atividade lingüística, haverá matéria para a curiosidade científica do lingüista: línguas de minorias, gírias , falar de crianças, jargões técnicos, etc. ( p. 20 a 23)
MIA
Costuma-se chamar filologia românica o estudo das línguas românicas, desde os tempos mais remotos até às fases atuais. A rigor, deve-se estabelecer diferença entre filologia e lingüística românica, ou seja, estudo de textos neolatinos (não apenas literários, como de ordem pragmática) e o das várias línguas oriundas do latim, tanto sincrônica como diacronicamente. Do ponto de vista filológico, portanto, cabe ao romanista a pesquisa e publicação de textos. ( p. 15 a 17) (A autora cita ainda o Prof. Sílvio Elia, que considera a filologia um aspecto da lingüística histórica, do plano diacrônico, em oposição ao plano sincrônico que seria a gramática) - (parênteses meus)
No plano lingüístico estudam-se os vários aspectos da história das línguas neolatinas, sua evolução a partir do latim vulgar, as influências externas que receberam, os contatos que mantiveram entre si, a sua fragmentação dialetal, enfim todos os fenômenos concernentes ao léxico, à fonêmica, à morfo-sintaxe, considerados dentro do conjunto neolatino. ( p. 15 a 17)
SIL
Não é absoluta e impermeável a distinção entre sincronia e diacronia . Cada estado de língua é continuação de um anterior e, por sua vez, encerra os germens que o tornarão um novo estado lingüístico . Se a filologia encerra os estudos possíveis sobre uma língua ou grupo de línguas, para tanto vai necessitar, muitas vezes, do fio condutor constituído por sólida base lingüística. Nas atividades filológicas há Marta e há Maria. Há o trabalho de campo, os estudos dialetológicos, a geografia lingüística, como há concentração na análise de antigo texto da língua, ou nas várias fases evolutivas dela. ( p. 15 a 18)
A lingüística é uma ciência de princípios gerais, aplicáveis a quaisquer línguas. Desse modo, não podemos falar em lingüística francesa, lingüística inglesa, etc.; lingüística será sempre geral. Por sua vez, o lingüista tem que conhecer os fatos da história de várias línguas, para poder alcançar seus princípios gerais. (p. 15 a 18)
Fizemos, aqui, transcrições não aspeadas dos autores citados, pois vimo-nos na necessidade de resumí-las, na esperança de não ter faltado à fidelidade ao que foi dito.

Podemos observar, assim diversos pontos de vista, ou diversas colocações, como se diz mais modernamente. Podemos escolher entre elas, ou somar umas com as outras, no todo ou em parte, ou ficarmos numa atitude, tão conciliatória como ávida de trabalho, com todas elas.

Espero que os senhores linguistas/filólogos, assim como os senhores filólogos/linguistas tenham material que nos leve a meditar e a unir cada vez mais nossos esforços.

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