Ateísmo | Conceito Filosófico e Religioso
A definição de ateísmo como toda postura teórica ou de vida
que negue a existência de Deus parece ter significado preciso. O certo,
porém, é que a própria diversidade das concepções humanas sobre Deus
envolve sua negação em um manto de inevitável ambiguidade.
Ao longo da história, o qualificativo "ateu" foi com frequência empregado de modo pejorativo contra pessoas ou comunidades que em nada correspondiam ao conceito moderno de ateísmo. Assim, Sócrates, cujas concepções influenciaram decisivamente o desenvolvimento da espiritualidade ocidental, foi acusado de ateu por não acreditar nas divindades atenienses. Sob outra perspectiva, o fato de uma pessoa que não admite a existência de um Deus único, livre e pessoal afirmar sua crença em alguma outra realidade transcendente, Deus ou Ser Supremo, muito possivelmente não abalará, no crente de uma fé monoteísta, a convicção de que essa pessoa é ateia. Portanto, a compreensão do ateísmo exige uma análise do significado histórico do termo, de suas relações com outras posturas - filosóficas ou religiosas - com as quais se identificou ou a que se opôs e, em indissolúvel ligação com isso, das diferentes formas de ateísmo.
Ateísmo na filosofia ocidental
Antiguidade. A dificuldade de se aplicar
o conceito atual de ateísmo a pensadores de outras épocas se patenteia
já no caso do primeiro filósofo grego conhecido, Tales de Mileto, que
identificava o princípio vital com a água; a depender de onde se põe a
ênfase - se na noção de princípio ou na da água como entidade física -, tal afirmação pode ser entendida como transcendente ou como
meramente materialista. Entre os sofistas, Crítias denunciou as
religiões como invenções dos políticos para controlarem o povo e, no
século III a.C., Evêmero esboçou uma interpretação racionalista da
religião, considerando os deuses como antigos heróis divinizados.
Platão achava que a pior forma de ateísmo é a das pessoas más, que
esperam poder propiciar a divindade mediante doações e oferendas que
lhes justifiquem os descaminhos. Entre os ateus materialistas da
antiguidade, foram particularmente radicais os gregos Demócrito e
Epicuro, assim como o romano Lucrécio. De Epicuro é o célebre argumento:
se Deus quer suprimir o mal e não pode, é impotente; se pode mas não
quer, é invejoso; se não quer nem pode, é invejoso e impotente; se quer e
pode, por que não o faz? Para os estoicos, Deus, Razão, Destino e
Natureza constituem uma mesma coisa; mas seu panteísmo fundamenta uma
calorosa e profunda religiosidade.
Renascimento e racionalismo
Na Idade Média esboçaram-se indícios de
algumas posições ateias, mas a organização política e social impediu que
ganhassem formulação explícita. Foram as novas concepções do
Renascimento, com seus interesses antropocêntricos, sua volta à
avaliação de todas as coisas segundo a medida do homem, seu paganismo
cultural, sua descoberta da natureza e do método científico, que
diluíram a concepção teológica medieval e orientaram numerosos
pensadores para o materialismo, o panteísmo ou o deísmo -- e da relação
das duas últimas doutrinas com o ateísmo trataremos adiante.
Assim, entre os séculos XV e XVI, o italiano Pietro Pomponazzi negou a imortalidade da alma e, veladamente, a existência de Deus. Seu compatriota Maquiavel separou a política da religião e considerou esta última um instrumento do poder: Roma deve mais a Numa Pompílio, que lhe deu os primeiros regulamentos religiosos, do que a seu próprio fundador, Rômulo. Outro italiano, Giordano Bruno, foi queimado na fogueira em 1600, acusado de ateu por suas teses panteístas, nas quais identificava Deus com a unicidade infinita. No século seguinte, o judeu holandês Baruch de Spinoza foi acusado de ateísmo por assemelhar Deus à substância.
Iluminismo
O movimento cultural do século XVIII conhecido como
Iluminismo apresentava-se como continuação do Renascimento em seu
racionalismo e antropocentrismo, embora a medida humana já não fosse a
do sábio ou a do artista, mas a de todo cidadão, a quem se dirigia a
Enciclopédia. Os ingleses adotaram o deísmo -- o Deus da razão meramente
humana; David Hume, como empirista, rejeitou toda metafísica e,
portanto, as provas racionais da existência de Deus, mas declarou
aceitar, como homem, a irracionalidade da fé, gerada pelo medo do
desconhecido. Os franceses seguiram duas correntes distintas: a mais
radical, a do materialismo ateu, era representada por Denis Diderot,
entre outros, e a corrente deísta foi significativamente exposta por
Voltaire, para quem Deus era o "Geômetra Eterno". Na Alemanha, Kant
negou a possibilidade da prova metafísica da existência de Deus. A
religião de Hegel era pura intelectualidade, tendo sido interpretada
como teísta, como panteísta e como ateia.
Ateísmo moderno
A partir de meados do século XIX, o ateísmo se tornou
mais explícito e militante. O alemão Ludwig Feuerbach subverteu a
dialética hegeliana, concedendo primazia à sensação frente à razão.
Paralelamente, inverteu a relação Deus-homem. Não foi Deus que criou o
homem a sua imagem e semelhança; foi o homem que projetou suas melhores
qualidades sobre a tela do conceito de Deus.
Em suas teses sobre Feuerbach, Marx criticou o fato de que a filosofia se tivesse limitado a interpretar o mundo, em vez de tratar de modificá-lo. O estudo da história levou Marx à conclusão de que as estruturas sociais vão sendo construídas como muros protetores para evitar a mudança das relações de produção: a religião é o ópio, o consolo adormecedor do povo.
Nietzsche, sob uma postura mais existencialista, não proclamou a inexistência de Deus, mas sua morte nas mãos dos homens, o que provocaria uma mudança de valores que prepararia a chegada do super-homem.
Já no século XX, o ateísmo seria expressado das mais diversas formas. Para Freud, a religião é uma projeção simbólica do inconsciente, na qual Deus ocupa a imagem paterna. Para o positivismo lógico do círculo de Viena, as proposições "Deus existe" ou "Deus não existe" carecem de sentido e sobre elas não é possível emitir juízo algum. Para Jean-Paul Sartre, o ateísmo é um pressuposto existencial, necessário para preservar a liberdade humana.
Conceito filosófico e religioso
Tipos de ateísmo. Muito concisamente,
pode-se dizer que o ateísmo é constituído por todas as doutrinas ou
atitudes que negam a existência de Deus. Quando se trata apenas de
atitudes, temos um ateísmo prático. Quando se prescinde totalmente de
Deus para elaborar uma teoria sobre o homem e o universo, temos um
ateísmo teórico negativo. Quando se nega explicitamente sua existência,
como fazem os materialistas, trata-se de um ateísmo teórico positivo.
Esta última concepção, que nega não só a existência de Deus, mas a de
qualquer realidade que não seja a meramente física, é aquela que em
geral se associa ao conceito de ateísmo, e portanto constitui a melhor
referência para assinalar as diferenças entre essa e outras doutrinas
filosóficas.
Ateísmo e outras posturas filosóficas e religiosas
Em primeiro lugar, é
preciso distinguir o ateísmo de outras duas doutrinas que
frequentemente se confundem com ele: o agnosticismo e o ceticismo.
Alguns pensadores não negam nem afirmam a existência de Deus, mas
consideram que não é possível chegar a nenhuma conclusão sobre o tema.
Esses pensadores são denominados agnósticos, e entre eles se podem
incluir os positivistas, que só afirmam aquilo que é objeto da
experiência. Outros -- os céticos -- negam a possibilidade de se
conhecer qualquer verdade e, por conseguinte, a possibilidade de se
conhecer a existência de Deus. Desta forma, o ateu se diferencia do
agnóstico no sentido de que não admite sequer a mera possibilidade da
existência de Deus, e do cético pelo fato de admitir a possibilidade de
conhecimento, embora negue Deus.
Por outro lado, as doutrinas que afirmam a existência de Deus originaram três posturas básicas: o teísmo, característico das religiões monoteístas, afirma a existência de um Deus único, pessoal e transcendente; o panteísmo identifica Deus com o universo; o deísmo crê em um Deus que criou o mundo e lhe deu leis, mas que não intervém nos acontecimentos posteriores à criação, e do qual não é possível conhecer coisa alguma. Panteístas e deístas, contudo, foram frequentemente acusados de ateísmo pelos teístas.
Ateísmo e panteísmo, é certo, compartilham a ideia da inexistência de um Deus transcendente. Mas o panteísmo, em sua variante mais comum, não tende a definir a natureza do universo, nem considera que sua natureza última tenha que ser necessariamente material, e até frequentemente lhe atribui um caráter espiritual. Nesse sentido, portanto, o ateísmo e o panteísmo diferem; mas não é menos certo que, do ponto de vista teísta, a assimilação dos dois se justifica, uma vez que ambos rejeitam a noção de um Deus pessoal criador do mundo. Parece muito menos lógico que possam ser considerados ateus os deístas, que admitem explicitamente a existência de um Deus supremo conhecido pela razão, embora prescindam de qualquer elemento sobrenatural e neguem sua comunicação com os homens.
Possibilidade de um ateísmo religioso
Logo depois da segunda guerra
mundial surgiu entre os protestantes um movimento religioso denominado
"teólogos da morte de Deus" - ou ainda cristãos ateus - que pretendeu
depurar a ideia de Deus daquilo que consideravam aderências culturais
espúrias, dos temores que turvavam a busca do verdadeiro Deus. Para
esses pensadores, como o suíço Karl Barth, o teísmo corre o risco de
crer que apreendeu o infinito, que expressou o inefável; isto é, por
pouco deixa de converter Deus em um ídolo. Ao precisar com
inflexibilidade lógica sua linguagem sobre Deus, destrói seu mistério,
coisifica Deus. O ateísmo, ao contrário, quando rejeita como
incompreensível o conceito de infinito, devolve-lhe sua carga de
mistério. Dessa forma, seria preciso destruir o Deus metafísico para
facilitar a busca do Deus vivo: as atitudes de autêntico amor --
descobertas por alguns deles nos campos de concentração -- são um
veículo de comunicação melhor do que os conceitos.
O conceito de ateísmo, em suma, só adquire significado cabal na medida em que é confrontado com uma determinada doutrina e um conceito específico de divindade. Finalmente, ante a impossibilidade de se precisar um conceito da divindade comum a todas as religiões, as posturas não relacionadas estritamente com a existência ou inexistência de uma realidade superior - por exemplo, a descrença na imortalidade pessoal - costumam levar à qualificação de uma pessoa como ateia.
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