Estratificação Social

Estratificação Social

Estratificação Social

Denomina-se estratificação social ao fenômeno da existência, na sociedade, de estratos ou camadas que se superpõem, constituindo hierarquia. Nesse caso, "estrato" significa um conjunto de pessoas que detêm o mesmo status ou posição social. O conceito tem sido motivo de controvérsias, pela quantidade de significados que apresenta na literatura sociológica. "Estratificação" tem-se referido a estados, ordens, corporações, honra social, prestígio, estima, distribuição de renda e de deferência, características raciais, pureza de sangue ou social, grau de educação, tipos de bens consumidos, tipos de restrição ao consumo, religião, ideologia e materialidade.

Nas sociedades divididas em castas, o status de cada pessoa é predeterminado por sua origem social. Ao contrário, nas sociedades industriais modernas o status de cada indivíduo depende em grande parte de atributos que podem ser conquistados, como educação e capacidade profissional.

Para organizar o campo dos significados, pode-se partir do princípio de que as estratificações dizem respeito tanto à repartição de pessoas na sociedade, de acordo com a divisão do trabalho, quanto às avaliações sobre a posição que as pessoas detêm nessa mesma sociedade, e que lhes são socialmente conferidas. Leva-se em consideração a distribuição de pessoas segundo sua atividade produtiva e a apresentação que é feita de suas atividades.

As avaliações elaboradas com relação às pessoas podem ir além do papel que elas exercem no sistema de produção, pois, como demonstra Louis Dumont em Homo hierarchicus, essai sur le système des castes  (1967; Homo hierarchicus, ensaio sobre o sistema de castas), a classificação de pessoas em hierarquias no sistema de castas na Índia, por exemplo, provém do sistema de crenças religiosas. A divisão do trabalho interage com a hierarquia religiosa, reforçando-a.

A relação com a divisão do trabalho é importante, mesmo que as avaliações sobre a posição social das pessoas sejam mais amplas. Em primeiro lugar, porque essas relações não são redutíveis umas às outras. Com tal afirmação, aproveita-se a contribuição estruturalista, ressaltando-se, igualmente, a relação entre a morfologia social, isto é, a forma de repartição das pessoas - tomando a divisão do trabalho como sistema distribuidor - e a classificação que as pessoas elaboram entre si, de acordo com essa distribuição. Parte-se, portanto, da homologia entre classificação e forma, caminho palmilhado por Claude Lévi-Strauss, nas pegadas de Marcel Mauss e Émile Durkheim.

Classes e estratos

Tratar a estratificação social como sistema classificatório relacionado com a divisão do trabalho gera o risco da utilização de dois termos diferentes -- classes sociais e estratificação social -- para significar o mesmo fenômeno. Dentro de uma classe é possível coexistirem vários estratos, cada qual com uma imagem diferente da sociedade.

A divisão de uma classe em várias categorias ordenadas de especialização é descrita por Karl Marx em Das Kapital (1867; O capital). Quando surgiu a manufatura, diz Marx, apareceu uma forma de divisão do trabalho na qual vários artesãos colaboravam para a confecção de dado produto. As tarefas realizadas por essa coletividade eram ao mesmo tempo simples e complexas, exigindo graus diversos de especialização e adestramento. Marx observa que se desenvolveu, então, uma hierarquia de trabalho, de acordo com as habilidades inatas e adquiridas dos trabalhadores. A ela correspondia uma hierarquia salarial; e estava associada à separação dos trabalhadores em especializados e não-especializados.

Ao mesmo tempo que a divisão do trabalho favorece a criação de hierarquias, a classe dominante oferece recompensas materiais ou simbólicas que reforçam essas hierarquias. É possível acentuar o aspecto econômico ou o aspecto simbólico, quando se estudam as classificações das pessoas. A ordem econômica é relativamente autônoma com relação à ordem simbólica, mas esta última opera dentro de limites estabelecidos pela ordem econômica, embora os possa dissimular. Assim, a autonomia dos níveis nunca é completa. O estudo da estratificação social deve procurar estabelecer a relação entre os vários níveis.

Segundo o sociólogo Rodolfo Stavenhagen, a estratificação social tem um caráter essencialmente simbólico e se constitui em fenômeno social cuja função ideológica é consolidar determinada estrutura sócio-econômica. Ao contrário das classes sociais, que representariam valores em conflito, a estratificação representaria valores universais.

Relação com a história

Alguns autores, como Georges Gurvitch e também Stavenhagen, seguindo a tradição de Max Weber, relegam ao passado o estudo da estratificação social. Stavenhagen generaliza essa relação entre estratificação por status e por classes sociais, proposta por Weber e Gurvitch. Conceitua estratificação social como fixações de certas relações de produção. Essas fixações libertam-se de suas ligações econômicas e se mantêm graças a fatores secundários e acessórios, como a religião e a etnia, que são preservados, muito embora tenha mudado a base econômica. Para Stavenhagen, os estratos são fósseis de relações de classe nas quais anteriormente se basearam, deixando de corresponder a elas e até contradizendo tais relações.

Estados e estratificação social

Estado é o termo utilizado como sinônimo de estamento ou de status. Significa também, segundo Oliver C. Cox, grau, posição no mundo, propriedade e, antes de mais nada, ordem social ou estrato da sociedade. O estado é, politicamente, uma das ordens do corpo político e, socialmente, uma das divisões sociais, tida como superior ou inferior às outras divisões da sociedade.

A estratificação em ordem, ou estados, é localizada por alguns (como Roland Mousnier, por exemplo) na sociedade ocidental, especificamente na Europa do século XIV ao XVIII. Outros, como Oliver C. Cox, a situam entre os séculos IX e XIII, durante a época do feudalismo. Esse autor relaciona o sistema estamental com a propriedade da terra, mostrando que esta era possuída por minoria de proprietários leigos e eclesiásticos, abaixo dos quais se situava a grande massa de despossuídos ou servos, que moravam na terra dos proprietários.

Estados e estratificação social
Outra base de organização da sociedade em hierarquias sociais era constituída pela profissão de grupos que se reuniam em corporações ou guildas. Durkheim mostra a importância desses agrupamentos ocupacionais pelo tipo de solidariedade que os unia em torno de uma moral profissional. Da inter-relação entre as funções surge uma representação coletiva de suas necessidades mútuas, ou solidariedade orgânica. Além desta, existem outros símbolos sociais vinculados à profissão, tais como o estilo de vida, a dignidade e a honra social. Esses símbolos são usados como princípios classificatórios, pelos quais as profissões se ordenam de acordo com o grau de proximidade com a profissão dominante.

Weber mostra que os privilégios de status que se demonstram por meio do estilo de vida também se baseiam no princípio do monopólio. Grupos de status asseguram para si o modo de consumir certas mercadorias, como clientes exclusivos das guildas. Esse estilo de vida é ainda reforçado pelo sistema de heranças, que impede a circulação livre de determinados bens.

O caráter comunitário dos grupos de status é ressaltado por Weber e por Ferdinand Tönnies, ao observarem que seus membros partilham de um conjunto de normas, padrões e estilo de comportamento que são tomados como base para atribuições de distinções. Os padrões éticos da comunidade dizem respeito a deferências e honrarias que são devidas aos membros que detêm a mesma posição no sistema de estratificação social.

Os estilos de vida, ou as maneiras de usar bens de consumo como evidência de distinção e posição social, são tomados por Pierre Bourdieu como mensagens simbólicas significativamente expressas por grupos sociais, possuidoras de lógica própria. O estilo é visto como uma linguagem, prestando-se, portanto, a uma análise formal que possa desvendar-lhe a estrutura. O estilo de vida restringe a associação dos grupos com estratos amplos. Por exemplo, lugares residenciais são exclusivos de determinados estratos e favorecem a interação entre as famílias que a eles pertencem. A exclusividade desses grupos também propicia a endogamia do estrato, fazendo com que apenas as pessoas que detêm determinado estilo e que conhecem as regras que orientam o código social possam comunicar-se e estabelecer trocas simbólicas.

O código de etiqueta não se expressa exclusivamente pelo estilo de vida. Refere-se a noções mais amplas, que também denotam a posição social de grupos, como as noções de dignidade e honra. Weber denominou de situação de status a todo componente típico do destino dos homens, determinado por estimativa social específica (positiva ou negativa) de honra.

Honra, diz Augustus Henry Pitt-Rivers, é o valor de uma pessoa perante si mesma e diante da sociedade. É estimativa de valor, demanda de orgulho, reconhecimento de outros sobre a validade da demanda, excelência reconhecida pela sociedade, direito ao orgulho. A honra estabelece a posição social, mas não é sinônimo dela. Pode ser prescrita a partir da posição social da família, mas pode, também, ser derivada da reputação do indivíduo.

Outras noções envolvidas com o conceito de estratificação social, como a de prestígio, também derivam da noção de honra. Contudo, essa categoria não diz respeito apenas a sociedades do tipo descrito, denominadas tradicionais. Prestígio é sentimento pelo qual algumas pessoas são admiradas, apreciadas, encaradas com inveja, em oposição a outras, tidas como ninguém. Tal ordenação das pessoas em superiores e inferiores expressa-se por meio da interação social.

Estratificação social nas sociedades capitalistas

Talcott Parsons afirma que o status de um indivíduo em um sistema de estratificação social é o resultado das avaliações comuns que permeiam as atribuições de status de acordo com as seguintes dimensões: família, qualidades pessoais, realizações, posses, autoridade. Procura postular teoricamente um conjunto de valores universais, dos quais alguns seriam mais importantes que outros, segundo cada sociedade. Diz Parsons que a estratificação social é a ordenação de indivíduos que compõem dado sistema social, e o seu tratamento como superiores e inferiores em relação a alguns aspectos socialmente importantes.

Na sociedade americana, por exemplo, os critérios de realizações ocupacionais são muito importantes. Como as ocupações mais valorizadas são também as mais bem pagas, a renda tornou-se critério avaliativo intimamente correlacionado com a realização profissional. O padrão de vida acha-se ligado ao dinheiro, porque este é despendido como símbolo de status. No entanto, como nem todos os meios de obter dinheiro são moralmente sancionados, e como também um sistema de heranças afeta a distribuição da renda, Parsons aponta esses fatores como intervenientes na correlação entre renda e prestígio ocupacional, podendo baixar a relação entre as variáveis.

Devem-se levar em conta as proposições de Bourdieu, quando sublinha a estrutura de relações em um sistema de estratificação e as propriedades de posição das ocupações, que são relativamente independentes das propriedades intrínsecas de determinada prática profissional. Desse modo, é possível comparar estratos sociais em situações históricas diferentes e em sociedades diferentes, apontando para suas homologias e diferenças.

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