Sob o Vulcão | Malcolm Lowry

Sob o Vulcão | Malcolm Lowry

Sob o Vulcão | Malcolm LowryDuas cadeias de montanhas atravessam a república irregularmente de norte a sul, formando entre elas inúmeros vales e planaltos. Elevada num destes vales, que é dominado por dois vulcões, fica, a dois mil metros acima do nível do mar, a cidade de Quauhnáhuac. Localiza-se bem ao sul do Trópico de Câncer, ou, para ser exato, no paralelo 19, quase na mesma latitude, a oeste, no Pacífico, das ilhas Revillagigedo, ou muito mais a oeste, da ponta mais meridional do Havaí – e, a leste, do porto de Tzucox, na costa atlântica do Yucatán, perto da fronteira das Honduras Britânicas, ou muito mais a leste, da cidade de Juggernaut, na baía de Bengala, Índia. Os muros da cidade, construída numa colina, são altos, as ruas e becos tortuosos e acidentados, os caminhos sinuosos. Uma bela estrada de estilo norte-americano penetra a cidade pelo norte, mas se perde nas suas ruas estreitas, de onde sai como trilha de cabras. Quauhnáhuac possui 18 igrejas e 57 cantinas. Orgulha-se também do seu campo de golfe, de nada menos que 400 piscinas, públicas e particulares, cuja água flui incessantemente das montanhas e de vários hotéis magníficos. O Hotel Casino de la Selva ergue-se numa colina ligeiramente mais elevada, logo na periferia da cidade, perto da estação ferroviária. Construído distante da estrada principal, é circundado por jardins e terraços que dominam, em todas as direções, um amplo panorama. Suntuoso, um certo ar de desolado esplendor por ele se espalha. Pois não é mais um Casino. 

Não se pode nem mesmo jogar nos dados uma bebida no bar. Fantasmas de jogadores arruinados rondam o local. Ninguém parece jamais nadar na magnífica piscina olímpica. Os trampolins permanecem vazios e lúgubres. Os campos de pelota basca estão desertos e invadidos pela grama. Apenas duas quadras de tênis são mantidas durante a temporada. Por volta do crepúsculo, no Dia dos Mortos de novembro de 1939, dois homens vestidos de flanela branca estavam sentados no terraço principal do Casino, bebendo anís. Havia jogado tênis, depois bilhar, e suas raquetes de capa impermeável, apertadas em suas prensas – a do doutor triangular, a do outro quadrangular – repousavam no parapeito frente a eles. À medida que as procissões vindas do cemitério se aproximavam, e desciam serpenteando a encosta atrás do hotel, os sons plangentes de seus cânticos eram percebidos com maior força pelos dois homens; voltaram-se para observar os carpidores, logo depois visíveis somente como melancólicas luzes de seus círios, circulando por entre os distantes feixes de milho. O Dr. Arturo Diaz Vigil empurrou a garrafa de Anís del Mono na direção de M. Jacques Laruelle, que agora se inclinava para a frente, atento. Ligeiramente para a direita e sob eles, sob o gigantesco entardecer vermelho cujo reflexo sangrava nas piscinas desertas espalhadas por todo lado como inúmeras miragens, repousava a paz e doçura da cidade. De onde estavam sentados, parecia bastante pacífica. Só escutando atentamente, como M. Laruelle fazia agora, seria possível distinguir um remoto e confuso som – diferente mas de qualquer modo inseparável do murmúrio miúdo, do tintinar dos carpidores – como um canto, subindo e descendo, e um constante sapatear – as detonações e gritos da fiesta, que durara todo o dia. M. Laruelle serviu-se de outro anís. Bebia anís, porque lhe recordava o absinto. Um sombrio rubor tingiu sua face, e sua mão tremia levemente junto à garrafa, em cujo rótulo um demônio escarlate brandia um tridente na sua direção."... Eu pretendia persuadi-lo a ir embora e se déakcihikuser", dizia o Dr. Vigil. 

Ele tropeçou na palavra francesa e continuou em mau inglês. "Mas eu mesmo estava tã doente naquele dia após o baile que eu sofro, físico, realmente. Isto é muito ruim, pois nós médicos devemos nos comportar como apóstolos. Você se lembra, nós também jogamos tênis naquele dia. Bem, depois de ver o cônsul em seu jardim, eu mandei lá um garoto para saber se ele viria por alguns minutos bater à minha porta. Eu lo agradeceria, se não, que me escrevera um bilhete por favor, se beber já não o tivesse matado."M. Laruelle sorriu."Mas eles partiram", continuou o outro, "e sim, eu penso te perguntar também naquele dia se você o havia visto em sua casa."Ele estava na minha casa quando você telefonou, Arturo."Oh, eu sei, mas nós pegamos uma bebedeira tão horrível naquela noite anterior, tão perfectamente borracho, que me parece, o cônsul está tão doente quanto eu." O Dr. Vigil balançou a cabeça. "A doença não está só no corpo, mas naquela parte geralmente chamada: alma. Pobre do seu amigo, gastar o dinheiro dele na terra em tão contínuas tragédias."M. Laruelle esvaziou o copo. Levantou-se e foi até o parapeito; descansando as mãos, uma em cada raquete, olhou para baixo e à sua volta; os campos abandonados de pelota basca, seus frontões cobertos de grama, as quadras de tênis mortas, a fonte, bem pr´xima no centro da avenida do hotel, onde um plantador de cacto havia parado seu cavalo para lhe dar de beber. Dois jovens americanos, um rapaz e uma moça, haviam começado uma tardia partida de pingue-pongue na varando do anexo abaixo. 

O que acontecera há exatamente um ano parecia hoje já pertencer a uma outra era. Poder-se-ia pensar que tudo fora engolido pelos horrores do presente como simples gota d’água. Não era assim. Embora a tragédia estivesse se transformando em algo irreal e sem sentido, parecia ser ainda permitido lembrar os dias em que uma vida humana possuía algum valor e não era um simples erro de impressão num relatório. Acendeu um cigarro. Longe, à sua esquerda, a nordeste, além do vale e dos contrafortes em terraço da Sierra Madre Oriental, os dois vulcões, Popocatepeti e Iztaccihuati, erguiam-se grandiosos e nítidos no por do sol, Mais perto, distante talvez 15 quilômetros, num nível mais baixo que o do vale principal, distinguiu a aldeia de Tomalin, aninhada atrás da selva, de onde subia uma tênue faixa azul de fumaça ilícita, alguém queimando madeira para fazer carvão. À sua frente, no outro lado da estrada norte-americana, estendiam-se campos e bosques, através do quais vagueavam um rio e o caminho de Alcapancingo. A torre de vigia de uma prisão emergia de um bosque entre o rio e o caminho, que se perdia adiante, onde as púrpuras colinas de um Paraíso a Doré desapareciam na distância. Lá na cidade, as luzes do único cinema de Quauhnáuhuac, construído num declive e destacando-se com nitidez, repentinamente se acenderam, vacilaram, reacenderam. "No se puede vivir sin amar", disse M. Laruelle... "Como aquele estúpido havia inscrito na minha casa.

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