A Morte de Virgílio | Herman Broch
Devo resguardar o poema e devo resguardar a ti daquelas medidas precipitadas que tens em mente. Bem pode ser que, por meio de teu comentário, consigas convencer a mim, a nós todos do acerto de teus propósitos, mas também nesse caso vale o provérbio:
"Quem corre cansa, quem anda alcança." Primeiramente queremos ouvir teu comentário. Se achares que não tens suficiente força de vontade para dar-me a promessa que te pedi, disponho-me com o maior prazer a tomar a mala em seguríssima custódia, a fim de que a encontres na hora da tua chegada.
– Octaviano... não posso entregar o manuscrito!
– Realmente me dói, meu Virgílio, ver-te tão perturbado, e todavia posso afiançar-te que somente se trata de uma idéia fixa da tua parte.
Não há nenhum motivo para tamanha consternação, e não há nenhum que te deva induzir a destruir tua obra...A essa altura, o César se avizinhara da cama, e sua exortação era branda.
– Ó Octaviano... estou morrendo, e nada sei da morte.
De muito longe falava Plócia: – Para o solitário, a morte fica inacessível; o conhecimento da morte provém da união de dois seres.
A mão do Augusto estendia-se e agarrava a do poeta:
– Pensamentos sombrios e desnecessários, meu Virgílio.
– Eles não se deixam afugentar, e não tenho o direito de afugentá-los.
– Tens ainda bastante tempo à sua frente, para fazer com que teu conhecimento da morte aumente com a ajuda dos deuses...Muita coisa oscilava ao redor deles, muita coisa se confundia; a mão do Augusto mantinha seus cinco dedos na do poeta. Um eu inclinava-se sobre outro eu, e no entanto a mão não era de Plócia. Antes da morte não há nem muito nem pouco tempo, mas o derradeiro momento, para trazer a percepção, deveria ter maior duração que toda a vida precedente, e Plócia disse:
– Sem tempo é nossa união, sem tempo nosso saber.
– O poema...
– Pois então, meu virgílio... – Era ainda a mesma exortação branda.
– O poema... Preciso chegar ao saber... O poema me encobre o saber, me barra o caminho.
O Augusto retirou a mão. Sua fisionomia tornou-se dura:
– Isso não tem importância."
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