Cantos de Maldoror | Conde de Lautréamont
"Proponho-me declamar, sem comoção, a estrofe séria e fria que ides ouvir. Quanto a vós, tomai atenção ao que ela contém, e evitai a penosa impressão que ela não deixará de causar, como uma afronta, nas vossas imaginações perturbadas. Não julgueis que estou a morrer, pois não sou ainda um esqueleto, e a velhice não está colada à minha fronte. Afastemos, por conseqüência, toda a idéia de comparação com o cisne, no momento em que a existência lhe foge, e não vejais diante de vós mais do que um monstro, cujo rosto, felizmente para mim, não conseguis distinguir; e isto ainda que o rosto seja menos horrível do que a alma. Não sou, porém, um criminoso... Basta deste assunto.
Ainda não há muito vi o mar e pisei a ponte dos barcos, e as minhas recordações são vivazes como se o tivesse abandonado ontem. Se puderdes, porém, sede tão calmos como eu, nesta leitura que me arrependo já de vos oferecer, e não coreis perante o pensamento do que é o coração humano. Ó polvo de olhar de seda: tu, cuja alma é inseparável da minha; tu, o mais belo dos habitantes do globo terrestre e que comandas um serralho de quatrocentas ventosas; tu, em quem residem nobremente, como em sua habitação natural, por comum acordo de indestrutível laço, a doce virtude comunicativa e as graças divinas – porque não estás tu comigo, com o teu ventre de mercúrio encostado ao meu peito de alumínio, sentados os dois nalgum rochedo da costa, para contemplarmos este espetáculo que eu adoro!"
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