Ideias para a Sociologia da Música | Theodor Adorno

A resposta exige também a resposta à pergunta contrária: como pode a música transcender a circulação do meramente vigente, à qual, por outro lado, ela deve a possibilidade da própria existência? A bipartição rígida da música, em séria e leve, hoje institucionalizada e administrativamente utilizada, precisa ser socialmente interpretada em seus vários níveis. Corresponde à ruptura entre arte alta e baixa, estabelecida desde a Antiguidade, que testemunha nada menos do que o insucesso de toda a cultura até nossos dias. No final, a indústria da cultura de massas se apresta a administrar a música globalmente. Mesmo a música divergente só subsiste economicamente e assim socialmente através da proteção da indústria cultural, à qual se opõe — uma das contradições mais flagrantes da situação social da música.
É verdade que a direção centralizada irá pôr a música baixa em dia com a técnica — como nos procedimentos mais refinados do jazz — à maneira do que se passa, aliás, com os aspectos mais bárbaros do cinema. Ao mesmo tempo, entretanto, a música é administrativamente nivelada ao tipo de produção de mercadorias que se justifica com a vontade dos consumidores, vontade naturalmente já manipulada e reproduzida, que converge com a tendência da administração. A música, como setor do lazer organizado, iguala-se àquilo de que, por seu sentido, deveria divergir: este é o seu prognóstico sociológico. A contradição consigo mesma, em que se emaranha, mostra que é ilusória a integração de produção, reprodução e consumo que se está esboçando. A unidade da cultura musical contemporânea, como parte da indústria cultural, é a auto-alienação completa. Tolera somente o que traga a sua chancela, a tal ponto que os consumidores nem o percebem mais. Alcançou-se a falsa conciliação. O que estaria perto, a ‘consciência das necessidades’, torna-se insuportavelmente estranho. E o mais alheio, entretanto, que não contém mais nada dos homens, é metido neles a força de repetição pela maquinaria, achegando-se ao seu corpo e ao seu espírito: é o que está indiscutivelmente mais próximo."
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