Passaporte sem Carimbo | Antônio Callado


Passaporte sem Carimbo | Antônio Callado


Passaporte sem Carimbo | Antônio Callado"O longo dia da chegada – feito de neve, em Nova York, de sol feroz e sobretudo cansado e nojo, no Rio – não me levou, enquanto durou, a pensar em nada particularmente. Mas me distraí, ao longo das esperas em delegacias, com umas fantasias, vagamente rabiscadas, em termos sumários, nas beiradas de uma passagem de avião. Dão mais ou menos o seguinte:

Pois é, Seu Delegado, não se trata de desrespeito nem subversão não, que bobagem. Eu mesmo, já que estou aqui no Galeão, era capaz de jurar que tinha feito uma viagem. Sim. Por que não? Talvez lá pra cima do Equador como diz o senhor, pro Norte. Mas como o senhor vê, não fiz, foi sonho. Comprove o senhor mesmo. Não tem nenhum carimbo no meu passaporte.

Puro sonho. Esse meu diário, que era privado, pessoa, mas que o senhor, escravo do dever, pegou e leu como se fosse um jornal, esse diário fala num país imaginário. Não é diário de subversão e sim de ficção. Repare bem: existe um país desse jeito, céu de anil, praia branca, tropical, tudo isso sem miséria, sem esquadrão? Existe? O escambau!

Ah, sim Seu Entrevistador. Como? Pois é o que eu já disse ao Delegado. Um país onde ninguém passa fome? Aqui, ó. Não está no mapa e não tem nome. O senhor insiste? Rima com quê? Com uba? Uma ilha? Vai ver que é Aruba. Não é não? Será então Ubatuba? Caraguatatuba? Ou uma aldeia de pesca, a Jurujuba? Ou a praia baiana da Pituba?

Ah, o senhor é um gozador, Senhor Entrevistador. Penteado de leão é juba, missa do Congo é luba, bala de goma é jujuba. Memórias de Brás quem? Minhas? Póstumas? Acho a ideia, se me permite, forte, já que não tem nenhum carimbo no meu passaporte."

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