Verso e Prosa


Verso e Prosa

Verso e Prosa

Está plenamente demonstrado que o verso é mais antigo do que a prosa, a qual não deve confundir-se, como freqüentemente se faz, com a linguagem falada. Esta, por sua finalidade e características, difere muito tanto da linguagem literária da poesia como da prosa. A oposição entre prosa e verso parte do fato de que a prosa se concentra no conteúdo e, portanto, busca basicamente a clareza expositiva, enquanto na poesia a forma predomina sobre o conteúdo, e seu principal objetivo é a busca da beleza para a produção de prazer estético. A prosa preocupa-se antes de tudo com a ideia, embora não com sua reflexão. Sua essência é a análise, ou seja, a decomposição da ideia em todos os seus elementos. Em conseqüência, a linguagem da prosa procura ser lógica, coerente, e distinguir o que se sabe do que se imagina. A poesia, ao contrário, atua por meio de sínteses intuitivas e pretende comover o leitor ou ouvinte. Outro princípio de diferenciação observa-se na utilização dos adjetivos. Na poesia são freqüentíssimos os adjetivos "não pertinentes" -- como na expressão "palácios cariados" (João Cabral de Melo Neto), ou que em seu significado não qualifiquem os substantivos -- como em "dúbios caminhantes" e "linhos matinais" (Cesário Verde) --, que a prosa, em geral, rejeita. Também serve de exemplo o uso da coordenação, que na poesia pode ser aparentemente inconsequente, como nos versos de Drummond: "Pensando com unha, plasma, / fúria, gilete, desânimo." A inconsequência não só se dá na coordenação, mas, em geral, na própria sucessão das idéias. Na prosa, ao contrário, espera-se que cada ideia apresentada se articule com as necessidades do discurso.

GÊNEROS POÉTICOS
A poesia pode apresentar-se em composições muito variadas. Os antigos retóricos gregos dividiram-na em épica, lírica e dramática, divisão que, embora um tanto rígida, ainda é aceitável. A poesia épica, muito antiga, canta as façanhas de um herói ou de uma coletividade. As baladas ou cantos populares agrupam-se normalmente em círculos temáticos e, em muitas ocasiões, unificam-se na forma de um longo poema narrativo em que se simbolizam as aspirações e conquistas de uma raça ou povo. Esse tipo de poema recebe o nome de epopeia e exemplifica-se em obras como a Ilíada e a Odisséia, de Homero, ou o Mahabharata, da literatura hindu. Uma espécie muito importante de poema épico é a das canções de gesta medievais, voltadas para a figura de um herói nacional. À épica culta pertencem os poemas criados por um autor individual e que se acham desvinculados da tradição popular, como a Eneida, de Virgílio, ou Os lusíadas, de Camões.

A lírica, que em suas origens era cantada, é o gênero mais subjetivo e o que reúne com maior freqüência as peculiaridades da poesia. Em geral, os poemas líricos são breves. Em seus versos o poeta quase sempre procura expressar emoções e o cerne de sua experiência pessoal. Inclui-se na lírica a mais típica "poesia popular", talvez a manifestação literária mais antiga. A poesia dramática é a das peças teatrais, que, durante muito tempo, foram escritas em verso. As paixões humanas constituem sua fonte de inspiração e costumam ser expressas na forma de diálogos e monólogos. Podem distinguir-se outros gêneros poéticos, dentre os quais um dos mais importantes é o da poesia didática, que apareceu como uma derivação da épica nos tempos clássicos. Nesse gênero, a poesia é utilizada como meio para expor com beleza temas científicos, técnicos, ou doutrinas filosóficas e religiosas. Aqui se encontram obras como De natura deorum (Sobre a natureza dos deuses), de Lucrécio, poeta romano do século I a.C., que o emprega para expor a doutrina do epicurismo. Cabe incluir também na poesia didática as fábulas ou as formas populares, como os refrães e adivinhações.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Na evolução cultural das civilizações grega e latina, que formam a base da cultura ocidental, a poesia, no princípio essencialmente narrativa, assumiu características definidas. Foi nesses períodos clássicos que surgiram as primeiras formas fixas de poesia, em seus gêneros épico, lírico, dramático e didático. Na poesia épica (do grego épos, "canto", "narrativa" ), o tom eloquente dos versos (hexâmetros) e a duração das vogais são notórios e parecem indicar suas raízes primitivas, como se tivessem sido criados para serem ditos em voz alta. O estudo de textos e fatos da época levou os historiadores a concluírem que esse poema só poderia ser uma suma popular transmitida oralmente de geração a geração, num processo de que participaram sucessivos poetas. Com a escrita, a tradição pôde passar a ser reunida por um autor, numa obra. A poesia lírica nasceu da fusão do poema épico com o instrumento que o acompanhava, a lira. As formas foram diversificando-se a seguir. Surgiram outras variedades, como a ode, a elegia, os epitáfios, as canções, as baladas e outras desenvolvidas posteriormente, como o madrigal e o soneto.

Safo, poetisa do século VI a.C., inspirou-se nas musas para escrever elegias, hinos e epitalâmios (cantos nupciais). Píndaro foi o primeiro grande criador de odes, forma poética que ainda conservava a narrativa heróica, embora já admitisse uma voz pessoal, subjetiva, que retratava as experiências do próprio autor. Simônides de Ceos foi grande criador de epitáfios, poesia em memória dos heróis mortos. Outra forma lírica derivada é a poesia bucólica, de que Teócrito, no século III a.C., foi grande cultor. 0O traço primordial da poesia lírica, na época, era a maior liberdade quanto ao número de sílabas dos versos. Essa forma foi mais trabalhada pelos poetas latinos, inspirados nos gregos.

A poesia dramática é mais um desdobramento da narrativa épica que, no entanto, transfigurava os narradores nos personagens da ação teatral. O sabor lírico aparecia na exposição dos estados emotivos dos personagens. As peças de Sófocles, Ésquilo e Eurípides, os três grandes poetas dramáticos da antiguidade, até hoje são representadas em todas as partes do mundo. Nos tempos atuais, o teatro poético ainda é uma forma utilizada por escritores como Paul Claudel e T. S. Eliot. José de Anchieta, em sua campanha de catequese no Brasil do século XVI, usou um subgênero dramático, o auto sacramental, como forma de difusão do cristianismo entre os indígenas.

Há vestígios da cultura latina, muito influenciada pela literatura grega, em todo o Ocidente. Virgílio, autor do poema Eneida, é o épico por excelência dessa tradição, embora apresente também uma veia lírica, assim como as Metamorfoses de Ovídio. Plauto e Terêncio adaptaram os dramas gregos, enquanto Horácio, Pérsio e Juvenal adotaram a sátira, uma nova modalidade de expressão que também fundia as técnicas épicas e líricas.

OUTRAS FORMAS FIXAS
Com o encerramento do ciclo histórico greco-romano, o mundo passou por acentuadas transformações sociais. Por um processo natural resultante do surgimento de novas nacionalidades, surgiu, na Idade Média, a necessidade de exprimir a alma popular, enquanto a poesia culta se refugiou nos mosteiros. As canções populares que surgiram então, entre as quais a narrativa em versos, desenvolveram-se até aparecer a poesia trovadoresca, constituída de poemas de amor que não escondiam sua origem popular, mesclada à herança das formas eruditas. Entre os séculos XII e XIV, a Europa foi invadida por subgêneros poéticos de feição popular, que derivavam diretamente das muitas formas de poesia lírica greco-romana. A poesia mantinha seu substrato narrativo, em poemas longos ou curtos. A partir do século XIV, porém, os homens de letras passaram a buscar a revitalização da antiguidade clássica, e escreveram poemas épicos, líricos e satíricos. Nessa época, erroneamente considerada obscura, surgiu Dante Alighieri. Escreveu numa língua que não era o latim e que marchava para estratificar-se: o italiano. O poeta aproveitou certa modalidade de poesia nascente, entre muitas outras surgidas nessa fase, para criar La vita nuova (A vida nova), obra em que trabalha o soneto, ao lado de passagens em prosa, para falar de amor. O soneto, porém, só veio a ser sistematizado e difundido em toda a Europa por Petrarca, que exerceu forte influência no renascimento literário, entre os séculos XVI e XVII. Os dois grandes poemas épicos posteriores aos tempos de Grécia e Roma foram A divina comédia (c. 1307-1321) de Dante, e Os lusíadas (1572), de Camões, poeta que também usou o soneto, a partir do modelo petrarquiano. Outros poetas tentaram a epopeia, de inspiração homérica ou camoniana, como o francês Ronsard, no século XVI, e o inglês Milton, no século XVIII. Os italianos Ariosto e Tasso são autores de outros grandes poemas épicos, respectivamente Orlando furioso e Gerusalemme liberata (Jerusalém libertada). Outras formas renascentistas são as gestas A canção de Rolando, na França, El cantar de mio Cid, na Espanha, e Canção dos nibelungos, na Alemanha. Ainda como sintoma de revitalização da poesia clássica surgiu Shakespeare, poeta dramático que transfigurou e engrandeceu a tragédia com seu gênio. Seus personagens situam-se numa dimensão humana e social de aguda verossimilhança, embora haja uma constante evocação do sobrenatural, inspirada mais nas crendices europeias que na mitologia greco-romana. Shakespeare também usou com mestria o soneto, imprimindo-lhe qualidades inconfundivelmente suas.

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