Tragédia no Amazonas | Raul Pompéia

Tragédia no Amazonas | Raul Pompéia

Tragédia no Amazonas | Raul PompéiaTítulo: Tragédia no Amazonas
Autor: Raul Pompéia
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Algumas léguas ao sul do Monte Puracê, emanam do solo as águas do Iapurá, que, de campina em campina, de bosque em bosque, passam o Equador e entram no grande Império americano, para aí, espumando, confundir-se com as ondas do soberano dos rios, o Amazonas.

O viajor que subir a sua margem esquerda encontrará a modesta povoação de S. João do Príncipe, e se continuar a subir, ver-se-á logo em uma espaçosa várzea matizada de transparente verdura, que, de um lado, se estende a perder de vista, de outro, metamorfoseia-se em floresta, correndo por entre o Iapurá e montanhas tapetadas de um esverdeado sombrio, que corcoveando qual monstruosos golfinhos vão ao longe desmaiar em azul o seu colorido suave.

O povoado e essa extensa planície comunicam-se por uma estreita picada.

É um desses caminhos de poesia selvática que se insinuam sob as abóbadas do arvoredo, parecendo destinados somente ao encanto do olhar.

A sua direita ostenta-se com toda a opulência, a mata virgem do Brasil, enredada de cipós que descrevem as mais caprichosas curvas, entre os idosos troncos guirlandados de parasitas, onde mil macaquinhos ligeiros soltam inquietos gritos, suspensos pela cauda, ou voando de ramo em ramo.

Do meio das moitas de arbustos, saem, às vezes, cobrinhas, que atravessam a picada avançando prudentemente para o outro lado.

À esquerda desliza o afluente do Amazonas, murmurando ao entrar nas criptas formadas pelas rochas alcantiladas, que se empinam sobre as águas, ora calvas, ora cobertas de vegetação.

No lugar em que esta estrada desemboca da floresta, erguia-se, há alguns anos, uma habitação de aparência alegre, caiada de branco e edificada de maneira que causaria pasmo a quem não esperasse encontrar o civilizado em lugares onde a natureza é a rainha.

Quase mergulhada em um magnífico roseiral, tinha essa morada por única trincheira uma cerca de varas retorcidas, que ia terminar junto à palissada do redil do gado.

Aí residia Eustáquio de..., subdelegado de polícia, na freguesia que abrange S. João do Príncipe, entre outras povoações, em companhia de sua esposa, Branca e uma linda orfãzinha de nome Rosalina, servidos por dois escravos, Ruperto e Silvano.

Natural de Pernambuco era Eustáquio um homem enérgico, inteligente e talvez ilustrado; quanto ao físico era, como se usa dizer, nem alto nem baixo, musculoso e forte possuindo uma constituição moldada aos mais ardentes climas.

O seu rosto moreno velava, em parte, uma barba negra e cerrada como os supercílios que sombreavam dois olhos brilhantes.

Tinha alguma fortuna, o que era por todos ignorado.

Branca, sua consorte, havia pouco mais de dois anos, nascera em Manaus e tendo ido completar a educação em Pernambuco de lá voltara com Eustáquio, que a desposara, levado pelos seus dotes físicos e morais.

Desembarcando na cidade do seu nascimento soubera Branca que daí partira o seu pai para S. João do Príncipe, o que motivou a viagem que fez ela para essa povoação.

Achava-se o velho sogro de Eustáquio habitando uma casinhola, que foi a moradia deste, até findar-se a construção dessa casa mais confortável de que acima falamos.

Poucos meses sobreviveu o velho à sua nova instalação, lançando o seu falecimento o luto no domicílio de Eustáquio.

Havia o limiar de Branca sido franqueado a um entezinho nascido na penúria e para quem muito cruel se mostrara a Providência. Era Rosalina, que assim viera adicionar um membro á pequena família do subdelegado.

Formosa como a flor, essa criança mostrou-se grata aos seus protetores, revelando em todos os movimentos uma alegria que fazia esquecer quanto a sua almazinha fora malhada pelo sofrimento e dilacerada pelo destino.

Ruperto e Silvano eram simplesmente dois negros, mas devemos acrescentar, dois crioulos briosos e amigos devotados do seu senhor.

Na época a que nos referimos no começo desta narração, o luto pelo pai de Branca já desaparecera, sufocado pelo prazer que reassumia o seu lugar no lar de Eustáquio.

Quase todos os dias, apenas os alvores matutinos principiavam a branquear no oriente, Branca e a menina saíam de casa e, com as vestes em desalinho, iam, à beira do rio, ver surgir o astro da luz.

Com divertimentos semelhantes, levavam uma existência feliz, inda que monótona, quando começaram a dar-se incidentes que trouxeram a inquietação ao ânimo de todos.

Desapareciam animais, outros amanheciam degolados e agonizantes, plantações devastadas e porteiras lançadas por terra.

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