Poemas de Alphonsus de Guimarães

Poemas de Alphonsus de Guimarães

Poemas de Alphonsus de GuimarãesPoemas
Alphonsus de Guimarães


        
        OSSA MEA
        II
        Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
        De tons marfíneos, de ossatura rica,
        Pairando no ar, num gesto brando e leve,
        Que parece ordenar, mas que suplica.
        Erguem-se ao longe como se as eleve Alguém que ante os altares sacrifica:
        Mãos que consagram, mãos que partem breve, Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
        Mãos de esperança para as almas loucas, Brumosas mãos que vêm brancas, distantes, Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
        Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
        Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
        Cerrando os olhos das visões defuntas...
        
        PULCHRA UT LUNA
        II
        Celeste... É assim, divina, que te chamas.
        Belo nome tu tens, Dona Celeste...
        Que outro terias entre humanas damas,
        Tu que embora na terra do céu vieste?
        Celeste... E como tu és do céu não amas: Forma imortal que o espírito reveste
        De luz, não temes sol, não temes chamas, Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.
        Incoercível como a melancolia,
        Andas em tudo: o sol no poente vasto
        Pede-te a mágoa do findar do dia.
        E a lua, em meio à noite constelada,
        Pede-te o luar indefinido e casto
        Da tua palidez de hóstia sagrada.
        
        ÁRIAS E CANÇOES
        II
        A suave castelã das horas mortas
        Assoma à torre do castelo. As portas,
        Que o rubro ocaso em onda ensangüentara, Brilham do luar à Luz celeste e clara.
        Como em órbitas de fatais caveiras
        Olhos que fossem de defuntas freiras,
        Os astros morrem pelo céu pressago... São como círios a tombar num lago.
        E o céu, diante de mim, todo escurece... E eu nem sei de cor uma só prece!
        Pobre Alma, que me queres, que me queres? São assim todas, todas as mulheres.
        X
        Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça Numa almofada de cetim bordada em lírios. Ei-la morta afinal como quem adormeça
        Aqui para sofrer Além novos martírios.
        De mãos postas, num sonho ausente, a sombra espessa
        Do seu corpo escurece a luz dos quatro círios:
        Ela faz-me pensar numa ancestral Condessa
        Da Idade Média, morta em sagrados delírios.
        Os poentes sepulcrais do extremo desengano Vão enchendo de luto as paredes vazias, E velam para sempre o seu olhar humano.
        Expira, ao longe, o vento, e o luar, longinquamente, Alveja, embalsamando as brancas agonias
        Na sonolenta paz desta Câmara-ardente...
        TERCEIRA DOR
        VI
        P. Sião que dorme ao luar. Vozes diletas Modulam salmos de visões contritas... E a sombra sacrossanta dos Profetas
        Melancoliza o canto dos levitas.
        As torres brancas, terminando em setas,
        Onde velam, nas noites infinitas,
        Mil guerreiros sombrios como ascetas,
        Erguem ao Céu as cúpulas benditas.
        As virgens de Israel as negras comas
        Aromatizam com os ungüentos brancos
        dos nigromantes de mortais aromas...
        Jerusalém, em meio às Doze Portas,
        Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos Evoca ruínas de cidades mortas.
        
        V
        CISNES BRANCOS
        6 cisnes brancos, cisnes brancos,
        Porque viestes, se era tão tarde?
        O sol não beija mais os flancos
        Da montanha onde morre a tarde.
        O cisnes brancos, dolorida
        Minh’alma sente dores novas. Cheguei à terra prometida:
        É um deserto cheio de covas.
        Voai para outras risonhas plagas,
        Cisnes brancos! Sede felizes...
        Deixai-me só com as minhas chagas,
        E só com as minhas cicatrizes.
        Venham as aves agoireiras,
        De risada que esfria os ossos...
        Minh’alma, cheia de caveiras,
        Está branca de padre-nossos.
        Queimando a carne como brasas,
        Venham as tentações daninhas,
        Que eu lhes porei, bem sob as asas,
        A alma cheia de ladainhas.
        O cisnes brancos, cisnes brancos, Doce afago de alva plumagem!
        Minh’alma morre aos solavancos Nesta medonha carruagem...

                    VIII

        Quando chegaste, os violoncelos
        Que andam no ar cantaram hinos. Estrelaram-se todos os castelos,
        E até nas nuvens repicaram sinos.
        Foram-se as brancas horas sem rumo. Tanto sonhadas! Ainda, ainda
        Hoje os meus pobres versos perfumo Com os beijos santos da tua vinda.
        Quando te foste, estalaram cordas
        Nos violoncelos e nas harpas...
        E anjos disseram : – Não mais acordas,
        Lírio nascido nas escarpas!
        Sinos dobraram no céu e escuto
        Dobres eternos na minha ermida.
        E os pobres versos ainda hoje enluto
        Com os beijos santos da despedida.
        
        
        
        
        

                XXXIII
                ISMÁLIA

        Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar...
        Viu uma lua no céu,
        Viu outra lua no mar.
        No sonho em que se perdeu,
        Banhou-se toda em luar...
        Queria subir ao céu,
        Queria descer ao mar...
        E, no desvario seu,
        Na torre pôs-se a cantar...
        Estava perto do céu,
        Estava longe do mar...
        E como um anjo pendeu
        As asas para voar...
        Queria a lua do céu,
        Queria a lua do mar...
        As asas que Deus lhe deu
        Ruflaram de par em par...
        Sua alma subiu ao céu,
        Seu corpo desceu ao mar...
        OS SONETOS
        IV
        Vagueiam suavemente os teus olhares
        Pelo amplo céu franjado em linho:
        Comprazem-te as visões crepusculares...
        Tu és uma ave que perdeu o ninho.
        Em que nichos doirados, em que altares Repoisas, anjo errante, de mansinho?
        E penso, ao ver-te envolta em véus de luares, Que vês no azul o teu caixão de pinho.
        És a essência de tudo quanto desce
        Do solar das celestes maravilhas...
        – Harpa dos crentes, cítola da prece...
        Lua eterna que não tivesse fases,
        Cintilas branca, imaculada brilhas,
        E poeiras de astros nas sandálias trazes...

                XIX

        Hão de chorar por ela os cinamomos,
        Murchando as flores ao tombar do dia.
        Dos laranjais hão de cair os pomos,
        Lembrando-se daquela que os colhia.
        As estrelas dirão: – "Ai! nada somos, Pois ela se morreu, silente e fria... " E pondo os olhos nela como pomos,
        Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
        A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
        Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
        Entre lírios e pétalas de rosa.
        Os meus sonhos de amor serão defuntos...
        E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
        Pensando em mim: – "Por que não vieram juntos?"
        LXXV
        Como se moço e não bem velho eu fosse
        Uma nova ilusão veio animar-me.
        Na minh’alma floriu um novo carme,
        O meu ser para o céu alcandorou-se.
        Ouvi gritos em mim como um alarme.
        E o meu olhar, outrora suave e doce,
        Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
        Todo em raios que vinham desolar-me.
        Vi-me no cimo eterno da montanha,
        Tentando unir ao peito a luz dos círios
        Que brilhavam na paz da noite estranha.
        Acordei do áureo sonho em sobressalto:
        Do céu tombei aos caos dos meus martírios, Sem saber para que subi tão alto...

                        XLI

        Cantem outros a clara cor virente
        Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
        Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
        Cantem a primavera: eu canto o inverno.
        Para muitos o imoto céu clemente
        É um manto de carinho suave e terno: Cantam a vida, e nenhum deles sente
        Que decantando vai o próprio inferno.
        Cantam esta mansão, onde entre prantos
        Cada um espera o sepulcral punhado
        De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...
        Cada um de nós é a bússola sem norte. Sempre o presente pior do que o passado. Cantem outros a vida: eu canto a morte...

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