Assédio Eletrônico

Entre as vantagens do correio eletrônico – indiscutí- veis –, a pergunta que anda percorrendo todas as bocas visa a apurar se a propagação do e-mail veio ressuscitar a carta. A esta altura, o e-mail lembra mais o deus dos começos, Janus Bifronte, a quem era consagrado o mês de janeiro. No templo de Roma ostentava duas faces, uma voltada para a frente e outra para trás. A divindade presidia simultaneamente à morte e ao ressurgimento do ciclo anual, postada na posição privilegiada de olhar nas duas direções, para o passado e para o futuro. Analogamente, o e-mail tanto pode estar completando a obsolescência da carta como pode dar-lhe alento novo.
Sem dúvida, o golpe certeiro na velha prática da correspondência, de quem algumas pessoas, como eu, andam com saudades, não foi desferido pelo e-mail nem pelo fax. O assassino foi o telefone, cuja difusão, no começo do século XX, quase exterminou a carta, provocando imediatamente enorme diminuição em sua frequência. A falta foi percebida e muita gente, à época, lamentou o fato e o registrou por escrito.
Seria conveniente pensar qual é a lacuna que se interpõe entre a carta e o e-mail. Podem-se relevar três pontos em que a diferença é mais patente. O primeiro é o suporte, que passou do papel para o impulso eletrônico. O segundo é a temporalidade: nada poderia estar mais distante do e-mail do que a concepção de tempo implicada na escritura e envio de uma carta. Costumava-se começar por um rascunho; passava- se a limpo, em letra caprichada, e escolhia-se o envelope elegante – tudo para enfrentar dias, às vezes semanas, de correio. O terceiro aspecto a ponderar é a tremenda invasão da privacidade que a Internet propicia. Na pretensa cumplicidade trazida pelo correio eletrônico, as pessoas dirigem-se a quem não conhecem a propósito de assuntos sem interesse do infeliz destinatário.