O Planeta Superpovoado | Uma Falha no Planejamento Familiar

O Planeta Superpovoado | Uma Falha no Planejamento Familiar

O Planeta Superpovoado | Uma Falha no Planejamento Familiar

Novas projeções da ONU preveem que a população mundial chegará perto dos 11 bilhões de pessoas em 2100, uma perspectiva perturbadora que reflete uma falha coletiva de fornecimento às mulheres de todo o mundo de formas seguras e eficazes de prevenir gravidezes que não foram planejadas ou desejadas.

por Robert Engelman
Até há algumas semanas, o maior desafio alimentar mundial era como alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050. Mas já não é mais esse. O número de bocas em meados do século aumentou. Agora se prevê que sejam 9,6 bilhões, próximo dos bilhões com dois dígitos. E vamos esquecer as expectativas de que a população mundial estabilizará neste século: Em 2100, de acordo com as últimas projeções, o número de pessoas no planeta atingirá os 10,9 bilhões e continuará a aumentar em 10 milhões por ano.

Essas centenas de milhões de futuros seres humanos inesperados surgem de cálculos de “fertilidade média” ou “melhor palpite” dos demógrafos das Nações Unidas que este mês lançaram suas projeções bianuais da população mundial futura. E que surpresa que são seus cálculos, frustrando as esperanças dos otimistas que vêm assumindo que a fertilidade humana está diminuindo em todo o lado e que o crescimento da população iria terminar “por si próprio” dentro de algumas décadas.

Porém, o que é interessante sobre as novas projeções não é o que elas dizem sobre as populações futuras. Afinal de contas, nem mesmo os demógrafos sabem quantas pessoas estarão vivas daqui a 50 anos. O que é interessante é o que os números dizem sobre os 7,2 bilhões de seres humanos de agora. Porque o que as novas projeções afirmam de uma forma bastante veemente, baseadas em grande parte nos censos de 2010, é que as mulheres na maior parte dos países mais pobres e mais vulneráveis a conflitos do mundo estão tendo cada vez mais crianças do que se previa, em especial porque os governos já não estão conferindo uma elevada prioridade ao planejamento familiar.

Somente há 10 anos, com base nas tendências de gravidezes do momento, a Divisão da População da ONU projetava que não existiriam mais de 8,9 bilhões de pessoas vivas em 2050. Esse número aumentou em 700 milhões de pessoas, um aumento quase tão grande como a população da Europa.

Estima-se que a taxa de fertilidade atual no Afeganistão – o número médio de crianças que cada mulher tem durante sua vida – esteja em 6,3, em comparação com 5,1 anteriormente. As mulheres do Sudão do Sul têm em média 5,4 crianças, acima da estimativa anterior de 3,8. Em Timor-Leste é de 6,5, subindo de 5,7. Na Somália, 7,1 em comparação com 6,7. Na Etiópia, 5,3 em comparação com 4,8. E a lista de estimativas de fertilidade aumentada continua, algumas refletindo verdadeiros aumentos de fertilidade, outras somente melhorias nas estimativas anteriores. A Divisão da População da ONU aumentou em 5% suas avaliações de fertilidade em 15 países subsaarianos nos quais a maioria das mulheres dá à luz muitas vezes.

Em um mundo de alterações climáticas, áreas agrícolas cada vez menores, abastecimentos de água potável reduzidos e estresse social crescente, estas grandes avaliações de tamanhos de famílias em países com rápido crescimento e baixos rendimentos dificilmente podem ser consideradas boas notícias. O que as novas estimativas de fertilidade refletem não são somente os erros de contagem, mas também uma falha coletiva em fornecer às mulheres de todo o mundo algo que precisam e que os homens não necessitam de pedir: formas seguras e eficazes de prevenir gravidezes que não foram planejadas ou desejadas, além de educação e autonomia para colocarem em prática suas decisões de procriação.

Cerca de duas em cada cinco gravidezes em todo o mundo não foram planejadas, de acordo com o Guttmacher Institute, um respeitado grupo de reflexão sobre saúde reprodutiva. Curiosamente, a proporção é em média tão elevada no mundo desenvolvido de elevado consumo, apesar de nossos sofisticados sistemas de saúde, como no mundo em desenvolvimento. Estima-se que 222 milhões de mulheres em países em desenvolvimento sejam sexualmente ativas e não desejem ficar grávidas e, porém, não usam contracepção eficaz, como mostram os inquéritos de saúde. Custaria cerca de 8,1 bilhões de dólares americanos – um erro de arredondamento na economia global de 80 trilhões de dólares americanos atualmente – para fornecer serviços de planejamento familiar que poderiam colocar este número perto do zero, estima o Guttmacher Institute. Mas o mundo gasta menos de metade disso.

Igreja Católica tem evitado durante anos que o governo das Filipinas (taxa de fertilidade: 3,3 crianças por mulher, a segunda mais elevada na Ásia Oriental) forneça serviços de planejamento familiar gratuitos a todas as mulheres que os procuram. Apesar de o Presidente Benigno Aquino ter assinado recentemente uma lei para fazer isso mesmo, a Igreja levou este assunto ao Supremo Tribunal do país. O tribunal paralisou a implementação da lei antes de sua revisão e a maioria dos juízes estão solidários com a oposição dos bispos em relação à contracepção moderna.

Os subgrupos mais seculares e afluentes da população mundial dificilmente podem ser presunçosos em relação a estes assuntos. A verdade é que poucos de nós se sentem à vontade para abordar a necessidade de melhorar os serviços de planejamento familiar e a educação sexual ou o crescimento da população mundial. A população tem estado fora dos discursos públicos e governamentais durante duas décadas. Por meio de um acordo implícito, os líderes mundiais começaram a ver o problema como sendo demasiado sensível para ser abordado. A preocupação parece ser o fato de ofender a posição da Igreja Católica contra os contraceptivos, bem como alguns defensores dos direitos das mulheres e os líderes de países com elevada fertilidade que argumentam que o consumo das classes mais ricas é uma ameaça ainda maior para a humanidade do que um crescimento contínuo da população.

As novas projeções da ONU relativamente à população são um aviso sincero no que respeita as consequências de nosso silêncio. Não está à vista um fim para o crescimento da população mundial. Nem existirá um fim até que decidamos agir relativamente à autonomia das mulheres, à dignidade do sexo sem reprodução e à importância de uma população não crescente para a sustentabilidade ambiental.

Defensores de políticas proativas para a população, com base nos Direitos humanos e na intenção individual em vez de em um controle coercivo da população, têm considerado um ponto essencial durante décadas: sem um fim eventual do crescimento da população, nosso mundo físico de recursos naturais finitos presenciará sem dúvida aumentos nas taxas de mortalidade devido a doença, fome e conflitos violentos. Os demógrafos das Nações Unidas parecem estar de relações cortadas com seus colegas cientistas que estudam as mudanças de clima e os ecossistemas e recursos naturais do planeta. Pelo menos, os demógrafos não estão entendendo o que os cientistas estão projetando para a humanidade com base em suas próprias experiências.

Para sermos justos, os próprios demógrafos reconhecem que as projeções são, na melhor das hipóteses, suposições com base nos dados do passado e do presente relativos a seres humanos. John Wilmoth, o Ddiretor da Divisão da População da ONU, afirmou à Associated Press que “existem grandes incertezas em relação a tendências demográficas”. O impacto de epidemias potencialmente devastadoras é uma dessas incertezas: o mundo já presencia o aparecimento de mais de cinco novas doenças infecciosas por ano, de acordo com um estudo realizado pelo parasitologista Peter Daszak e seus colegas. Todavia, os eruditos, a imprensa e o público assumem que os peritos em demografia estão prevendo com confiança e competência o futuro da população humana. E este futuro pressupõe que nenhum nível de presença humana no planeta enfraquecerá sua capacidade de suportar a vida humana.

Por isso, as projeções apresentam-nos a suposição otimista de que, em 2100, a esperança de vida humana em todo o mundo será, em média, de 82 anos, superior aos 70 de atualmente, apesar do aumento da escassez de recursos e dos aumentos da temperatura que provavelmente terão ultrapassado o limite de 2 graus Celsius que os cientistas climáticos e os governos concordaram que é perigoso exceder. Prevê-se que a população da Nigéria se torne cinco vezes maior, aumentando de 184 milhões atualmente para 914 milhões em 2100. O desenvolvimento do país já está sendo travado por conflitos violentos, corrupção no governo, resíduos não tratados e derramamentos de petróleo em excesso, sem mencionar uma suficiência econômica injusta em petróleo que é pouco provável que continue a jorrar às taxas atuais durante os próximos 87 anos. É difícil imaginar a Nigéria a aproximar-se de 1 bilhão de seres humanos, visto que os recursos naturais nada abundantes de água potável renovável e solo arável do país diminuem em cerca de 80% em uma base per capita.

O Egito e a Etiópia estão fazendo ameaças ainda hoje sobre sua dependência comum das águas do Nilo, enquanto a Etiópia tira partido de seu caudal para energia hidráulica. Os países verão sua população combinada mais do que duplicar, de 176 milhões para 379 milhões. A Jordânia já foi convidada a compartilhar seu escasso fornecimento de água com refugiados sírios que aumentaram sua população de 7,3 milhões em 500.000. Prevê-se que somente a população nativa da Jordânia aumente esse valor em somente três anos e 78% em 2100.

As pessoas em todos estes países são inovadoras e engenhosas. Sem dúvida que avanços tecnológicos que nem sequer conseguimos imaginar atualmente contribuirão para a saúde e uma vida longa. Talvez em breve façamos progressos na abordagem em relação às alterações climáticas e à escassez de água. Mas exprimam as suas convicções todos aqueles que acreditam que essas grandes populações irão viver nesses países, com esperanças de vida até aos 82 anos, no final deste século ecologicamente desafiante. Os restantes têm de começar a dar mais importância aos direitos e potencial das mulheres, à importância do sexo por si só e ao impacto dos números demográficos no ambiente do que dão hoje em dia.

www.megatimes.com.br
www.klimanaturali.org

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