Moby Dick | Herman Melville


Moby Dick | Herman Melville

Moby Dick | Herman Melville
"Por vários dias, depois que deixamos Nantucket, acima das escotilhas não se viu o menor indício do Capitão Acab. Os pilotos rendiam-se regularmente nas vigias e, sem que nada indicasse o contrário, pareciam ser os únicos comandantes do navio. Apenas, notava-se que às vezes saiam da cabina tão súbita e peremptòriamente que, afinal de contas, era claro que comandavam apenas como substitutos. Sim, o seu supremo senhor e ditador ali estava, conquanto até então oculto aos olhos de todos os que não tivessem permissão para penetrar no sagrado recinto do camarote.

Todas as vezes que eu subia ao convés, depois das minhas vigias embaixo, olhava imediatamente para a popa, a fim de ver se descobria algum rosto estranho. Porque a minha primeira e vaga inquietação acerca do desconhecido comandante tornara-se agora, na solidão do mar, quase que uma perturbação. Essa perturbação aumentava às vezes de modo estranho, pois as diabólicas incoerências do esfarrapado profeta Elias voltavam-me à memória, contra a minha vontade, com uma energia sutil que eu não havia concebido antes. Mas dificilmente podia eu resistir-lhes, conquanto, em outras disposições de espírito, estivesse decerto pronto para rir das solenes fantasias do estranho profeta do cais. Mas, fosse apreensão ou inquietude – chamemos assim o que eu sentia – sempre que olhava em torno de mim, no navio, parecia de todo descabido nutrir tais emoções. Porque os arpoadores, como todo o corpo da tripulação, formavam um grupo mais bárbaro, mais selvagem e mesclado do que todos os que já havia encontrado em qualquer navio mercante conhecido nas minhas experiências anteriores; eu atribuía isso – e com razão – à singularidade terrível da própria natureza dessa selvagem profissão escandinava na qual havia embarcado tão descuidadamente. Porém era especialmente o aspecto dos três oficiais do anvio, os pilotos, o que parecia mais adequado para reprimir esses receios indecisos e inspirar confiança em todas as peripécias da viagem. Na verdade, dificilmente se poderiam encontrar melhores tripulantes e oficiais, cada qual à sua maneira, e todos os três eram americanos: um natural de Nantucket, outro de Vineyard e o terceiro do Cabo.

Ora, como o navio tivesse saído do porto pelo Natal, reinou durante algum tempo um cortante frio polar; mas logo, fugindo dele em direção ao sul, iamos deixando atrás de nós, a cada grau e minuto de latitude que navegávamos, esse implacável inverno e a sua intolerável temperatura. Foi numa dessas manhãs de transição, menos encoberta, mas ainda bastante cinzenta e triste, que, ao subir ao convés, ao apelo da guarda do meio-dia, enquanto o navio cortava as águas com um vento fresco e com uma espécie de rapidez vingativa, saltitante e melancólica, dirigi o olhar para a amurada e senti um calafrio. À realidade ia além da apreensão: o Capitão Acab estava no convés. Não havia nele indício algum de qualquer enfermidade corporal, nem também de convalescença. Parecia um homem que tivesse sido retirado de um poste, depois de ter o fogo corrido em vão todos os seus membros, sem os consumir ou levar uma partícula sequer da sua compacta robustez anosa. O seu corpo alto e forte parecia feito de sólido bronze e fundido num molde inalterável, como o Perseu de Celini. Abrindo caminho entre os cabelos grisalhos e descendo por uma das faces curtidas de sol, e pelos pescoço, até desaparecer sob a roupa, via-se uma marca delgada e de uma brancura lívida, como feita por uma vara. 

Lembrava essa marca perpendicular que às vezes perdura nos troncos direitos e altos, quando o raio projeta de cima sobre eles, os seus dardos, e, sem tocar contudo num único dos seus ramos, descasca-o de alto abaixo, correndo até ao solo, deixando a árvore ainda viva, porém marcada. Não se poderia dizer se aquela marca era de nascença ou se era a cicatriz de algum ferimento cruel. Por uma espécie de acordo tácito, pouco ou nenhuma alusão se fazia a isso, especialmente entre os oficiais. Porém uma vez Tashtego (pai), um índio velho de Gay Head, que fazia parte da tripulação, assegurou que suspeitava de que Acab não tinha ainda quarenta anos quando fora marcado dessa maneira e que a ferida havia sido produzida não durante a fúria de algum violento combate mortal, e sim numa luta contra os elementos no mar. Contudo, essa sugestão extravagante parecia poder ser negada por inferência à luz do que insuava um homem do Manx, um velho sepulcral que nunca tendo saído de Nantucket, jamais havia posto os olhos no desequilibrado Acab. Seja como for, as antigas tradições do mar, as suas credulidades imemoriais e uma popularidade conferiam a esse homem de Manx poderes sobrenaturais de discernimento. Assim, nenhum marinheiro lhe opôs qualquer objeção, ouvindo-o afirmar que, quando Acab tivesse de ser amortalhado – o que dificilmente poderia acontecer, resmungou – aquele que fosse prestar o último serviço ao morto, encontraria nele um sinal de nascença, desde a coroa da cabeça até à planta dos pés."

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