Direito Canônico | Processo histórico de formação do Direito Canônico

À medida que crescem e se tornam mais complexas,
todas as sociedades precisam fixar por escrito as normas e costumes que
as regem. O mesmo ocorre na diversas igrejas.
Igreja primitiva - Não se pode dizer que a
igreja primitiva tivesse um direito, como um conjunto coerente de leis,
mas sim de mandamentos de Cristo, de disposições deixadas pelos
apóstolos e de usos estabelecidos por estes, transmitidos oralmente ou
em suas cartas. O chamado Concílio de Jerusalém, de que fala o capítulo
15 do livro dos Atos dos Apóstolos, após analisar a experiência
religiosa de pagãos convertidos e batizados pelos apóstolos, autorizou o
batismo sem a prévia circuncisão ou a prática da lei de Moisés. Desse
modo, chegou ao fim uma das primeiras controvérsias entre as diversas
comunidades cristãs. Houve muitas outras divergências e algumas foram
dirimidas pouco a pouco, mediante visitas mútuas, intercâmbio epistolar
ou o prevalecimento do prestígio de alguma comunidade. As divergências
que se afiguravam como fundamentais exigiram a realização de um concílio
de bispos de uma ou de todas as regiões, isto é, ecumênico.
Coleções gregas - Os primeiros concílios fixaram normas universalmente
válidas. Só no século IV surgiu no Oriente a primeira coleção desses
decretos. Dois séculos depois, surgiu a chamada coleção grega que,
traduzida para o latim, foi adotada no Ocidente. Separando-se de Roma,
as diversas igrejas orientais elaboraram sua própria legislação. As que
retornaram a Roma foram objeto de uma legislação em parte semelhante à
latina e até certo ponto aberta às particularidades de cada uma; essas
leis receberiam nova codificação a partir de 1935.
Coleções latinas - Nos séculos VIII e IX formaram-se nas igrejas
ocidentais algumas coleções, como a hispânica e a de Dionísio o Pequeno,
que acolhiam os cânones dos concílios africanos. Tratava-se, todavia,
de uma mera justaposição de decretos e não de um código propriamente
dito. A primeira sistematização foi feita no século XII e é conhecida
como Decretum Gratiani. Graciano, monge camaldulense, se propôs a
harmonizar as discrepâncias entre os decretos, que, redigidos em várias
épocas e lugares, apresentavam enormes disparidades (ele chegou a
recolher cerca de 3.500 textos). Pretendia apresentar uma visão mais
homogênea e, com esse fito, preencheu os vazios com normas de direito
romano e com textos dos pais da igreja. É lícito dizer que foi esse o
primeiro tratado de direito canônico. A coleção, completada com novas
disposições dos pontífices romanos, foi a base do chamado Corpus Iuris
Canonici, publicado em Paris, em 1500. A progressiva centralização que
sucedeu ao Concílio de Trento (1545-1563) e o trabalho normativo das
congregações romanas tornaram necessária uma nova sistematização. Esta
foi promulgada pelo papa Bento XV, em 1917, sob o título de Codex Iuris
Canonici (Código de Direito Canônico). Esse código vigorou até João
Paulo II. Este, na trilha de João XXIII e dentro da orientação do
Concílio Vaticano II, promulgou, em 25 de janeiro de 1983, um novo
Código de Direito Canônico.
Teor do novo código - O aparelho legislativo da igreja, como o da
sociedade civil, estabelece sua própria estrutura, sua organização
administrativa, suas funções específicas, além das relações entre os
diversos membros e as possíveis sanções e respectivas normas
processuais. O Código de Direito Canônico compreende sete partes ou
livros. O livro I refere-se às regras gerais. O livro II trata do povo
de Deus, isto é, dos diversos membros que compõem a igreja; dos direitos
dos fiéis, tanto clérigos (membros com função oficial), como leigos; da
constituição hierárquica universal (papal, congregações romanas) ou
local (dioceses, conferências episcopais); e das instituições
religiosas. O livro III refere-se ao magistério da igreja e seu
exercício. O livro IV trata da missão santificadora mediante a
administração dos sacramentos aos fiéis. O livro V ocupa-se da
administração dos bens temporais. O livro VI abarca o direito penal com
as sanções aplicadas à prevaricação nos ofícios encomendados e nos
deveres fundamentais. O livro VII fixa as normas a serem seguidas que
devem ser pautadas nos diversos processos.
Características do direito canônico - Raiz dogmática. O direito canônico
não é uma legislação meramente humana. Alguns rituais, como o batismo,
provêm diretamente de Cristo, enquanto outros traduzem a estrutura que
Cristo e os apóstolos criaram para a igreja. Essa estrutura é, ao mesmo
tempo, sobrenatural (mística) e humana (sociológica), e por isso não
pode ser traduzida adequadamente nos termos aplicados às instituições
políticas.
Finalidade espiritual e pastoral - De acordo com o código canônico, "a
lei suprema é a salvação de todos os homens". Suas normas expressam as
condições mínimas permanentes, universais e objetivas para a salvação
dos fiéis. As penas impostas orientam-se no sentido de corrigir os
culpados e preservar os demais fiéis. É comum ser facultada ao juiz ou à
autoridade imediata uma grande flexibilidade na aplicação da norma,
visando o maior bem espiritual das pessoas afetadas.
Relação com outras normas - O código canônico não é a única fonte de
direito eclesiástico, mas a principal, a base geral que deve ser
complementada pelas normas e procedimentos das congregações romanas ou
pelo direito local. Em certos casos, toma como ponto de referência o
direito civil de cada país. Outras fontes são os costumes, a
jurisprudência dos tribunais eclesiásticos e as concordatas firmadas
entre a Santa Sé e este ou aquele estado. No fundo de tudo isso, acha-se
sempre presente a raiz dogmática, a doutrina da igreja.
Adaptação aos tempos - Toda legislação humana deve corresponder às
necessidades sociais de cada época. A vertente humana da igreja vai-se
adaptando, por meio da evolução jurídica. O Código de Direito Canônico
de 1983 suprimiu, por exemplo, alguns privilégios sacerdotais; acolheu
ensinamentos da psicologia moderna ao conceder mais importância à
imaturidade pessoal como causa de anulações de casamento; e assumiu a
descentralização, ao valorizar as igrejas locais e as conferências
episcopais.
Em suma, o equilíbrio entre o respeito aos fundamentos dogmáticos da fé e a adaptação às sucessivas circunstâncias históricas tem constituído o objeto principal das legislações de direito canônico, e por sua inerente dificuldade o esforço nunca deixou de suscitar muitas polêmicas.
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