Pigmalião | Bernard Shaw

Henrique (para quem as pessoas só têm interesse do ponto de vista da fonética, sem dissimular a decepção grita logo:) — Ora, ora!
Mas é a florista de ontem! Não me serve de nada! Já anotei tudo quanto me poderia fornecer de interessante. Aliás, sobre o Querosene e o Estácio já tenho documentação completa. (À pequena) — Pode ir indo. Não preciso de você.
A florista— Já começou a meter a bronca? E ainda nem sabe por que é que vim aqui! (À Cândida, que ficou à porta esperando ordens)
— Madama não disse a ele que eu vim de automóvel?
D. Cândida— Que tolice, meu Deus! Isso não interessa a uma pessoa como o professor Henrique.
A florista — Olhe a paspalhona, também contra mim! Que turma do contra! Mas não pensem que eu vim aqui para ser desacatada. Se não vão com a minha cara, digam logo, que o meu dinheiro vale tanto quanto outro qualquer.
Henrique — Seu dinheiro? Mas para quê?
A florista — Quero aprender uns troços, taí! E vou pagá, não pense que não.
Henrique (estupefato) — Aaaah!... (segurando a respiração para não estourar de rir) — E o que é que você pensa que eu vou responder?
A florista — Se o senhor fosse um cara alinhado, me convidava pra sentar. Já não disse que venho a negócio?
Henrique — Que acha, coronel Guimarães? Faço-a sentar, ou jogo essa cafajeste pela janela afora?
A florista (revoltada, refugia-se ao piano) — Êh, Êh! (Repentinamente magoada e choramingando) — Não quero que me chamem dessas coisas... Eu vou pagá... Eu vou... (Sem se moverem, os dois olham para ela, perplexos.)
Guimarães (com gentileza) — Vamos, menina, diga aquilo que quer.
A florista— Quero arrumar um emprego nessas lojas de flor, em vez de andar vendendo por aí. Mas ninguém me aceita porque eu não sapeco o verbo em condições. E ele disse que era capaz de me ensinar... Eu pago, não estou pedindo favor, e ele me trata pior que cachorro. Eu pago...
Henrique — Quanto?
A florista (subitamente vitoriosa) — Ah! Falou em gaita a escrita muda, hein? Já está querendo de volta um pouco da granulina que me deu ontem! (Baixando a voz, confidencial) — Ontem tu estava um bocado escabrio, ahn?
Henrique (imperiosamente) — Sente-se.
A florista — Isso é cantada?
Henrique (berrando) — Sente-se!
D. Cândida (com severidade) — Senta, minha filha. Vai fazendo o que te disserem. (Puxa uma cadeira para ela.)
A florista — Eu vou pirar. (Fica de pé, intimidada e cheia de raiva.)
Guimarães (cortesmente) — Tenha a bondade de sentar-se.
A florista — Obrigada, seu general. (Senta-se e olha para o coronel com gratidão.) "