As Horas Nuas | Lygia Fagundes Telles

Agora estava descalço. A cabeça encaracolada tombava para o peito da mãe, uma cabeça tão desvalida que cheguei a pensar em ampará-la como se corresse o risco de rolar por ali. Mãe e filho quietos na casa quieta. O silêncio escuro, com uma leve aragem que entrava pela fresta das cortinas e que fazia esvoaçar os cabelos de tia Lucinda, ela estava desarmada, eles podiam esvoaçar. Tia, eu posso ajudar? perguntei baixinho. Ela voltou para mim o olhar que parecia não me ver, ia além. Além. Não respondeu, continuou no seu brando movimento de cadeira de balanço, as pontas dos dedos de Miguel roçando o tapete. Recuei com o sentimento de que estava apenas diante de um quadro, a cena não era real, aquilo era um quadro muito antigo, antiquíssimo com a Virgem e o Cristo morto. Ele fora despregado e a Virgem o recebera sem gestos e sem lágrimas, o recebera nos braços simplesmente. Mas ele era grande demais e por isso pendia do regaço da mãe assim num desamparo cor de cera, as pontas das mãos e dos pés ligeiramente arroxeadas."
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