O Estrangeiro | Albert Camus

Os meus olhos ficaram cegos, por detrás desta cortina de lágrimas e de sal. Sentia apenas as pancadas do sol na testa e, indistintamente, a espada de fogo brotou da navalha, sempre diante de mim. Esta espada a arder corroía-me as pestanas e penetrava-me nos olhos doridos. Foi então que tudo vacilou. O mar enviou-me um sopro espesso e fervente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando tombar uma chuva de fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão que segurava o revólver. O gatilho cedeu, toquei na superfície lisa da coronha e foi aí, com um barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo principiou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Voltei então a disparar mais quatro vezes contra um corpo inerte, onde as balas se enterravam sem se dar por isso. E era como se batesse quatro breves pancadas, à porta da desgraça."
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