Romance | Evolução Histórica do Romance Como Gênero Literário

Romance | Evolução  Histórica do Romance Como Gênero Literário

#Romance, Evolução  Histórica do Romance Como Gênero Literário
Romance é um gênero da literatura que transpõe para a ficção a experiência humana, em geral por meio de uma sequência de eventos que envolvem um grupo de pessoas em um cenário específico. A diferença entre romance e novela é flutuante; uma das distinções possíveis seria definir o romance como uma narração extensa em prosa, e a novela como uma mais breve, intermediária entre o romance e o conto. Pode-se ainda distinguir o romance da novela definindo esta como exposição de uma situação conflituosa, em que causas e efeitos são apresentados resumidamente, ao passo que no romance inclui a evolução e o desfecho de todos os acontecimentos, com o panorama social ou histórico.

Um romancista clássico, como Charles Dickens, não deixava fios soltos na trama. Prestava contas ao fim de todos os personagens, mesmo os mais obscuros. Já o romancista moderno acompanha mais de perto o curso da vida, que é muitas vezes gratuita, sem sentido e inacabada.

Os elementos fundamentais do romance são o enredo, a caracterização dos personagens e o narrador. O enredo só foi posto de lado a partir da segunda metade do século XIX, por escritores que desejavam transformar o romance em obra de arte verbal. Nessa época, a crítica literária enfatizou a importância dos caracteres bem definidos dos personagens. Exigia-se coerência do caráter do personagem principal, chamado então de "herói", numa visão do romance que foi minada pelo surgimento de heróis fracos, indecisos ou medíocres, como em Madame Bovary, de Gustave Flaubert. No século XX, apareceu até o anti-herói, com o primeiro plano da narrativa ocupado por forças sociais ou outras que o dominam.

O terceiro elemento constitutivo do romance é o narrador. O romance moderno prefere a narração na terceira pessoa. Mas enquanto em grande parte dos romances oitocentistas o narrador intervém na ação - o exemplo clássico é o Narrador do Proust -, os autores modernos preferem o narrador invisível e imparcial. Henry James e Joseph Conrad chegaram a destruir a noção de um narrador a par do enredo, substituído por narradores intermediários, que se perdem, ou só contam aquilo que sabem, ou interpretam os fatos a sua maneira. Em Climats, de André Maurois, o marido conta metade da história e a mulher a outra metade: é a história de seu casamento, malogrado por uma série de equívocos. Em Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell, cada um dos quatro narradores conhece apenas uma faceta particular do drama, o que dá ao leitor uma visão fascinante e calidoscópica do enredo. Em The Murder of Roger Ackroyd (1926; O assassinato de Roger Ackroyd), Agatha Christie inovou o romance policial: o assassino é o narrador.

Subgêneros A importância relativa do enredo e  dos personagens e o papel do narrador determinam a forma do romance, da qual depende a maior ou menor importância do diálogo na narração. Mas para classificar os vários subgêneros do romance é necessário considerar não apenas a forma de tratamento dos materiais, mas os próprios materiais do enredo.

Romance de cavalariaO romance de cavalaria surgiu por volta do século XV, caracterizado pelo enredo bastante complicado, quase fantástico, pseudo-romântico e de estilo enfático. Os típicos romances de cavalaria pertencem ao ciclo arturiano, como Amadís de Gaula (1508), na versão espanhola de Garcí Rodríguez de Montalbo, Palmerín de Oliva (1511) e Palmerín de Inglaterra (1547). Muito lidos até o início do século XVII, os romances de cavalaria foram precursores do romance de aventuras do século XIX, entre os quais se destaca Treasure Island          (1883; A ilha do tesouro), de Robert Louis Stevenson.

Romance galante No século XVII surgiu o romance galante, uma forma de evasão aristocratizante cujo modelo é o romance pastoril, criado em fins do século XV por Iacopo Sannazzaro. O romance galante teve como contrapartida o romance picaresco, gênero criado na Espanha do século XVI. Precursor do romance naturalista, contrapunha à vida dos aristocratas aquela do povo faminto, com autobiografias reais ou fictícias de um personagem de baixa extração social que tenta sobreviver por meio de expedientes. Entre os autores do gênero destaca-se Mateo Alemán, autor de Guzmán de Alfarache (1599) e Francisco Gómez de Quevedo y Villegas, com Historia de la vida del Buscón llamado D. Pablos, ejemplo de vagamundos y espejo de tacaños (1626; História da vida do gatuno chamado D. Pablos, exemplo de vagabundos e espelho de trapaceiros).

Romance sentimental O romance sentimental teve como precursora a grande obra do abbé Prévost, Manon Lescaut (1731). Com o avanço do século, o sentimentalismo entrou em conflito com as convenções sociais, que a paixão erótica pretendia derrubar. O criador do gênero, Samuel Richardson, contribuiu com uma dose de hipocrisia puritana para encobrir a licenciosidade íntima de obras como Pamela (1740) e Clarissa (1747-1748). Na Alemanha, o romance sentimental adquiriu caráter de romance de educação, que perdurou até o final do século XIX. Já não tratava da inadaptação do indivíduo à sociedade, mas de sua educação para adaptar-se ao meio. Uma das mais importantes obras desse subgênero é Wilhelm Meisters Lehrjahre (1795-1796; Anos de aprendizagem de Wilhelm Meister) de Goethe.

Romance góticoO romance gótico, típico do pré-romantismo do século XVIII, constituiu uma reação ao racionalismo iluminista e, ao mesmo tempo, ao aristocracismo. Foi cultivado sobretudo na Inglaterra e caracterizou-se pelo vivo interesse pela Idade Média, a beleza da arquitetura gótica, as sociedades secretas, a Inquisição, e os monges. Abordou toda série de horrores nos conventos, em castelos assombrados, mistérios terrificantes, torturas, quadros de antepassados que começam a falar etc. A Alemanha produziu um dos mais conhecidos romances góticos, Elixiren des Teufels (1815-1816; As drogas do diabo), de E. T. A. Hoffmann. Nos Estados Unidos, o gênero foi representado por Charles Brockden Brown, que influenciou os contos de horror de Edgar Allan Poe. Na Inglaterra, destacaram-se o irlandês Charles Robert Naturin, autor de Melmoth the Wanderer (1820; Melmoth, o errante), e Mary Shelley, que escreveu Frankenstein (1818), em que aparecem elementos de ficção científica.

Romance históricoO romance histórico surgiu no início do século XIX, caracterizado pela reconstrução, com enredo fictício, dos costumes, fala e instituições do passado, com uma mistura de  personagens históricos e de ficção. O primeiro romance histórico da literatura universal foi Waverley (1814), de Sir Walter Scott, mas o modelo de todos os romances históricos e do romance realista foi The Heart of Midlothian (1818; O coração de Midlothian) do mesmo autor, que se tornou mais conhecido com a publicação de Ivanhoé (1818), Kenilworth (1821) e Quentin Durward (1823), os livros mais lidos na Europa e nas Américas até meados do século XIX. O maior de todos os romances históricos foi Voina i mir (1862-1869; Guerra e paz), em que Lev Tolstoi relata as aventuras de duas famílias aristocráticas durante as guerras napoleônicas, no início do século XIX, tendo como fundo as complexas relações entre as diferentes camadas da sociedade russa da época. Do romance histórico derivou o sub-gênero chamado "de capa e espada", popular e cujo mestre foi o francês Alexandre Dumas pai, autor de Les Trois mousquetaires (1844; Os três mosqueteiros).

Romance urbano O romance urbano é, historicamente, sinônimo de romance realista, especialmente no século XIX. A evolução deste tipo de romance na França passou por Honoré de Balzac e Gustave Flaubert até chegar ao naturalismo de Émile Zola. Na Inglaterra, Charles Dickens, deformou o realismo pelo elemento humorístico e caricatural. Seus principais representantes foram George Eliot, com Middlemarch (1872) e Thomas Hardy, autor de Jude the Obscure (1896; Judas, o obscuro). A fórmula do romance realista francês conquistou adeptos importantes em todas as literaturas e é nesse estilo que se costuma escrever a maioria dos romances.

O romance realista politicamente crítico também é chamado de romance político. Nesse gênero foram escritas importantes obras como: Le Rouge et le noir (1830; O vermelho e o negro) e La Chartreuse de Parme (1839; A cartuxa de Parma) de Stendhal, Otci i deti (1861; Pais e filhos) de Turgueniev, Besi (1871-1872; Os demônios) de  Dostoievski, Nostromo (1904) de Joseph Conrad, e La Condition humaine (1933; A condição humana), de André Malraux. Um dos romances políticos mais influentes do século XX foi Mat (1906; A mãe) de Maksim Gorki, de que descende o neo-realismo italiano.

Romance psicológicoEm comparação com o romance realista, o romance psicológico dirige sua atenção menos para as forças determinantes, exteriores da sociedade; prefere prescrutar e analisar os motivos íntimos das decisões e indecisões humanas. O primeiro exemplo perfeito do gênero foi Les Liaisons dangereuses (1782; As ligações perigosas) de Choderlos de Laclos. Entretanto, o prestígio do romance psicológico só chegou ao auge por volta de 1880, quando Stendhal foi redescoberto e Dostoievski traduzido. Deste último, Prestuplenie i nakazanie (1866; Crime e castigo) é uma das obras-primas do gênero.

Romance policial O romance policial trata de esclarecimento de um crime pela habilidade e coragem de um detetive. Em geral, são características do romance policial a falta de interesse pela vítima e pela psicologia do criminoso. O gótico e o folhetim foram precursores imediatos deste subgênero. As primeiras narrativas policiais se devem a Edgar Allan Poe. Um precursor do romance policial, com elementos góticos, foi The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886; O médico e o monstro), de Robert Louis Stevenson.) Mas a dedução lógica de Poe só reapareceu nos contos de Conan Doyle, autor de The Hound of the Baskervilles (1902; O cão dos Baskervilles) e criador do detetive Sherlock Holmes. Doyle criou o esquema que dominou o romance policial até cerca de 1930.

Entre os mais famosos autores do policial destaca-se Aghata Christie, criadora do detetive Hercule Poirot. O belga Georges Simenon, que se tornou famoso com a criação do comissário Maigret, escreveu nada menos que 125 romances policiais entre 1931 e 1952. Maigret não procede pela dedução lógica, como Poirot ou Holmes, e soluciona os crimes com base na atmosfera social e na psicologia dos criminosos.

Romance de ficção científica O subgênero ficção científica surgiu em 1920 e se firmou a partir de 1937, com as obras de Hugo Gernsback, John Wood Campbell e Edward Ernest Smith. Os temas são em geral invenções ou descobertas secretas, autômatos dotados de inteligência, monstros espaciais ou de laboratório, guerras intergalácticas etc. Os precursores deste subgênero foram Júlio Verne, H. G. Wells e Olaf Stapledon. As antecipações técnicas de Júlio Verne se realizaram com grande precisão, mas é a H. G. Wells, autor de War of the Worlds (1898; A guerra dos mundos), que cabe o título de criador da ficção científica.

A chamada grande geração da ficção científica nos Estados Unidos se formou a partir de 1937, quando surgiram Eric Frank Russel e Lyon Sprague De Camp. Entre as décadas de 1940 e 1950 a ficção científica registrou grande expansão. Surgiu então o primeiro escritor do subgênero a obter o reconhecimento literário junto à crítica, Ray Bradbury, autor de The Martian Chronicles (1950; As crônicas marcianas).

Nouveau romanA precursora e fundadora do nouveau roman foi Nathalie Sarraut, com o seu Portrait d'un inconnu (1947; Retrato de um desconhecido), chamado por Jean-Paul Sartre de anti-romance. Nos fundamentos do noveau roman está a rejeição do romance psicológico e a defesa de uma antipsicologia no romance. Nessas obras o homem foi descrito como coisa entre as coisas, com o predomínio de uma descrição dos objetos. As análises psicológicas dos personagens pelo romancista deram lugar à representação direta e fragmentada das ações e pensamentos dos personagens. A ordenação geométrica do universo foi levada ao extremo rigor em Dans le labyrinthe (1959; No labirinto) de Alain Robbe-Grillet. Este notabilizou-se ainda com La Jalousie (1957; O ciúme) e pelo roteiro do filme L'Année dernière à Marienbad (1961; O ano passado em Marienbad).

O fim do romance já foi proclamado várias vezes, sobretudo na década de 1970. Ulisses (1922), de James Joyce, teria sido o último romance e seria impossível prosseguir a linha alegórico-metafísica, de Franz Kafka. O gênero teria como única saída viável o romance-documento, baseado em fatos. Entretanto, a produção de romances, em estilo tradicional ou em estilo vanguardista, jamais cessou.

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