Literatura Belga

Literatura Belga

Literatura Belga

A existência, na Bélgica, de dois grupos populacionais diferentes - flamengos e valões - determina uma realidade cultural dupla: existe uma literatura belga em holandês - ou flamengo - e uma literatura belga em francês. Embora até 1830 a Bélgica não constituísse uma nação em sentido estrito, é necessária uma visão histórica da literatura belga a partir dos dois lados da "fronteira".

Literatura belga em holandêsAté 1579, quando se formaram as Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda), sem a participação das áreas flamengas católicas, ambos os grupos formavam um núcleo linguístico e cultural comum. Na zona de Flandres se desenvolveram algumas das primeiras tentativas de fixação do idioma holandês, como o Van den vos Reinaerde (Da raposa Renart) do abade Willem, versão do Roman de Renart francês, ou os poemas de Jacob van Maerlant. Já no fim do século XVI, as lutas religiosas se revela nos poemas satíricos da católica Anna Bijns e do protestante Philips van Marnix, autor de Biencorf der H. Roomsche Kercke (Colméia da santa igreja romana). Mais tarde ocorreu uma forte decadência cultural, que só terminaria quando já ia bem avançado o século XIX.

Em 1830 o francês foi declarado, por decreto, a língua oficial do novo estado, pelo que o holandês ficou em franca desvantagem. Um movimento romântico de intelectuais, encabeçado por Jan Frans Willems, pretendeu então, sem muito êxito, ressuscitar o passado medieval. Tal esforço só foi recompensado em 1838, quando Hendrik Conscience publicou De leeuw van Vlaanderen (O leão de Flandres), popularíssimo romance histórico de exaltação patriótica.

Na segunda metade do século XIX revalorizou-se o holandês, graças a sua introdução no ensino oficial e à publicação de jornais nessa língua. A renovação realista do romance foi liderada por Anton Bergmann, autor de Ernest Staes (1874). O grande renovador da lírica seria Guido Gezelle, pároco e professor, que combinou o sentimento intimista e idealizado da natureza com o amor às tradições populares em obras como Tijdkrans (1893; Guirlanda do tempo).

Fato decisivo na vida literária de Flandres foi a publicação da revista Van Nu en Straks (Agora e já), lançada em 1892, com a proposta de combinar o rigor estético aos problemas cotidianos. Entre seus mentores estiveram desde simbolistas, como August Vermeylen, autor de De wandelende Jood (O judeu errante), até os naturalistas Reimond Stijns e principalmente Cyriel Buysse, que descreveu com crueza a vida dos operários e camponeses flamengos em De biezenker (O ceifador de juncos).

A virada radical para o lirismo bucólico e para a sensualidade indolente e individualista produziu-se respectivamente com as obras de Stijn Streuvels e Karel van de Woestijne. Do primeiro cabe assinalar o romance De vlaschaard (1907; A terra de linho), de surpreendentes efeitos plásticos; e, do segundo, a coletânea de poemas De modderen man (O homem feito de lama), um dos bons resultados do simbolismo europeu.

No decorrer da primeira guerra mundial Felix Timmermans escreveu seu Pallieter (1916), romance cheio de otimismo vital que era uma convocação à esperança.

A fundação em 1920 da revista Ruimte (Espaço), de tendência expressionista, revolucionou a literatura flamenga, graças sobretudo ao dramaturgo Herman Teirlinck. A renovação se consolidou quando, em 1930, o holandês foi declarado língua oficial da zona flamenga e o francês, da valã. Forjou-se então uma nova concepção do romance, que excluiu os regionalismos, e cujo maior representante foi o cáustico Willem Elsschot (pseudônimo de Alfons de Ridder), autor de Kaas (Queijo).

A linha experimental teve prosseguimento no pós-guerra com o versátil Hugo Claus, os romancistas Jan Walravens e Marnix Gijsen e muitos outros que integraram a literatura flamenga nas correntes de vanguarda.

Literatura belga em francês A dependência cultural dos países valões em relação à França faz com que só se possa falar de uma literatura belga em língua francesa a partir do século XIX. Durante os séculos anteriores, contudo, surgiram diversos autores que, mesmo dentro da tradição gaulesa, deram mostra da vitalidade cultural dessa zona.

O primeiro marco literário localizado em solo belga foi Aucassin et Nicolette, do início do século XIII, sutil paródia das canções de gesta. Durante os dois séculos seguintes, o poeta Jean Lemaire de Belges e os cronistas Jean Froissart e Philippe de Commynes foram nomes de relevo na cultura francesa.

Sobreveio depois um período decadente do qual só cabe destacar, no século XVIII, Charles de Ligne, espírito esclarecido e cosmopolita que escreveu as Lettres à la marquise de Coigny (Cartas à marquesa de Coigny), de sabor voltairiano.

Com a transformação do país, em 1830, em estado independente, o orgulho nacional belga exigiu uma literatura genuína, orientada já não para a França mas para as brumas do norte e sua mitologia. O poeta André van Hasselt tem o mérito de haver preparado o caminho para Émile Verhaeren. Com a reivindicação do realismo por parte da revista Ulenspiegel  (1856), manifestou-se uma nova vitalidade literária. O fundador da publicação, Charles de Coster, criou para suas Légendes flamandes (Lendas flamengas) uma nova língua que amalgamava o léxico de sua terra e o dos clássicos franceses; e soube satisfazer o orgulho nacional com La Légende et les aventures d'Ulenspiegel et de Lamme Goedzack au pays de Flandres et ailleurs (Lenda e aventuras de Ulenspiegel e de Lamme Goedzack no país de Flandres e em outros).

A partir de 1880, teve especial ressonância a revista La Jeune Belgique (1881; A jovem Bélgica), de aspirações formais e credo naturalista, impulsionada por Camille Lemonnier, que, como muitos outros autores de origem flamenga, escreveu em francês. Seu romance Un mâle (Um macho) sacudiu a paralisia moral da sociedade de então, fielmente retratada em La Fin des bourgeois (1892; O fim dos burgueses), Georges Eekhoud, autor de Kermesses flamandes (Quermesses flamengas), mostrou um naturalismo mais plástico, porém igualmente rude.

Próximo aos simbolistas franceses, o poeta Georges Rodenbach triunfou em Paris com Bruges-la-morte (1892; Bruges-a-morta), cuja linha intimista e sonhadora foi seguida por Charles van Lerberghe, autor de La Chanson d'Eve (Canção de Eva), e Max Elskamp.

As duas figuras mais internacionais das letras belgas do fim do século XIX e começo do XX foram Verhaeren e Maurice Maeterlinck. O primeiro construiu poemas de um simbolismo social em que se reuniam claridade latina e panteísmo germânico, com obras de estilo renovador como Les Villages illusoires (1895; As aldeias ilusórias).

De filiação simbolista foi também Maeterlinck, que, em obras como La Sagesse et la destinée (1896; A sabedoria e o destino) e L'Oiseau bleu (1908; O pássaro azul), criou o modelo do drama simbolista, centrado nos temas da liberdade, do mistério e da vida interior. Também escreveu ensaios filosóficos sobre a vida e o instinto dos animais. Dramaturgos célebres foram Fernand Crommelynck e sobretudo Michel de Ghelderode, cujos alucinados dramas -- Mademoiselle Jaire, Sire Halewyn --, baseados nos quadros de Brueghel e Bosch, foram elogiados pela crítica internacional e anteciparam a temática do teatro do absurdo.

A partir de 1920 o romance belga em francês bifurcou-se num realismo de análise social, de um lado, e numa prosa onírica, de evasão da realidade, de outro. Franz Hellens representou o realismo mágico e explorou o mundo dos sonhos em obras como Le Naïf (O ingênuo). Na corrente realista incluíram-se Marie Gevers e Charles Plisnier, que recebeu o Prêmio Goncourt em 1937. No que se refere à poesia, a influência do surrealismo foi patente em Marcel Lecomte e no personalíssimo Henri Michaux, que analisou os conflitos entre o mundo interior e as convenções sociais em Un certain Plume (1930) e Passages (1950).

O romance teria, na segunda metade do século XX, um florescimento excepcional com autores como Françoise Mallet-Joris, Georges Simenon, que deu estatura literária ao gênero policial, e Marguerite Yourcenar, que, depois de se nacionalizar francesa, foi a primeira mulher admitida na Academia Francesa.

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