Meu Último Suspiro | Luis Buñuel

Os tambores de Calanda tocam sem interrupção, ou quase assim, do meio-dia da sexta-feira santa até o dia seguinte, sábado de aleluia, à mesma hora. Eles comemoram as trevas que se estenderam sobre a terra no instante da morte de Cristo, bem como os tremores do solo, as rochas precipitadas, o véu do templo rasgado de alto a baixo. Cerimônia coletiva impressionante, estranhamente comovente, que ouvi pela primeira vez de meu berço, com a idade de dois meses. A seguir, dela participei muitas vezes, até esses últimos anos, mostrando esses tambores a inúmeros amigos, que ficaram todos tão impressionado quanto eu. Em 1980, durante minha última viagem à Espanha, reuniu-se um determinado número de convidados num castelo medieval, a pouca distância de Madri. Ali lhes foi proporcionada a surpresa de uma alvorada de tambores vindos especialmente de Calanda. Entre esses convidados encontravam-se excelentes amigos, Julio Alejandro, Fernando Rey, José-Luis Barros. Todos se declararam emocionados, sem motivo particular. Cinco deles confessaram haver até chorado. Ignoro o que é que provoca essa emoção, bastante comparável à que às vezes nasce da música. Deve-se certamente às pulsações de um ritmo secreto, que nos atinge do exterior e nos transmite uma espécie de arrepio físico, irracional. Meu filho Jean-Louis fez um curta-metragem. Les tambours de Calanda , e eu mesmo utilizei esses toques profundos e inesquecíveis em vários filmes, especialmente em L'âge d'or e em Nazarín."
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