O Jogo da Amarelinha | Julio Cortázar

O Jogo da Amarelinha | Julio Cortázar

O Jogo da Amarelinha | Julio Cortázar"Há uma coisa que se chama tempo, Rocamadour, é como um bicho que anda e anda. Não te posso explicar porque ainda és muito pequeno, mas quero dizer que Horácio vai chegar dentro de momentos. Achas que devo deixar ele ler esta carta, para que também te escreva qualquer coisa? Não, eu também não desejaria que outra pessoa lesse uma carta que fosse somente para mim. Um grande segredo entre os dois, Rocamadour. Já não choro mais, estou contente, mas é tão difícil entender as coisas, preciso de tanto tempo para entender um pouco tudo aquilo que Horácio e os outros compreendem tão depressa; mas eles, que tudo compreendem tão bem, não podem compreender nem a ti nem a mim, não compreendem que eu não posso te ter comigo, te dar de comer e mudar-te as fraldas, fazer-te dormir ou brincar, não compreendem e, na realidade, pouco se importam. Só eu, que tanto me importo, sei que não posso te ter comigo, sei que isso é muito ruim para nós dois, sei que tenho de estar sozinha com Horácio, viver com Horácio, quem sabe até quando, ajudando-o a procurar o que ele procura e que tu também procurarás, Rocamadour, porque serás um homem e também procurarás como um grande tolo. É assim, Rocamadour: Em Paris, somos como cogumelos, crescemos nos corrimões das escadas, em quartos escuros onde cheira a gordura, onde a gente faz o amor todo o tempo e, depois, frita ovos e põe discos de Vivaldi, acende cigarros e fala como Horácio e Gregorovius e Wong e eu, Rocamadour, e como Perico, e Ronald e Babs, todos nós fazemos o amor e fritamos ovos e fumamos, ah!, nem podes imaginar tudo o que fumamos, o tanto que fazemos o amor, parados, deitados, de joelhos, com as mãos, com as bocas, chorando ou cantando, e lá fora existe de tudo, as janelas dão para o ar e isso começa com um pardal ou uma goteira, aqui chove muitíssimo, Rocamadour, muito mais do que no campo, e as coisas enferrujam, os canos, as patas dos pombos, os arames com que Horácio fabrica esculturas. Quase não temos roupa, precisamos de tão pouco, um bom casaco, uns sapatos nos quais não entre água, somos muito sujos, todo o mundo é muito sujo e bonito em Paris."

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