Burocracia é Poder

Burocracia é Poder

Burocracia é PoderPara entendermos o real sentido da burocracia, temos que recorrer à história, pois este processo de burocratização é antigo, e começou em tempos onde ainda não existia o sistema capitalista tradicional. Voltemos na história até as civilizações muito antigas, como o Egito. Lá se produzia mais do que se consumia, e esse excedente de produção era apropriada por uma minoria de indivíduos que faziam a coordenação do trabalho. Eles planejavam a produção e contratavam a mão-de-obra, que era abundante. Além disso cuidavam também de traçar os planos de guerra. Esse modo de produção também foi usado em outras civilizações antigas como a China, Mesopotâmia, México e Peru. A burocracia se firma justamente onde há um sistema antagônico, onde alguns o possuem os meios de produção e outros não.

A burocracia se caracteriza pela divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a parte que pensa e a parte que executa. Esse sistema tem como característica a cooperação, que nada mais é do que um ajuntamento de indivíduos trabalhando em prol de uma objetivo. Existem três tipos de cooperação: a cooperação simples, praticada na China e no Egito, e consiste em um trabalho de muitas pessoas para realizar algo, mas que não pode ser fragmentado, tem que ser simultâneo. A cooperação manufaturaria se caracteriza pela divisão metódica do trabalho, onde cada trabalhador fica responsável por uma pequena parcela do trabalho, e também são separadas as funções de direção e execução. E tem que se deixar bem claro, que a produção, nesse sistema de cooperação se baseia no trabalhador coletivo, e só chega a um objetivo, com a soma dos esforços de cada um. E ainda para se chegar a esse objetivo existe a coordenação e supervisão, e com isso a criação da estrutura burocrática. O outro tipo de cooperação, é o da indústria. É nesse tipo que fica mais evidente a subordinação do trabalhador, pois ele não tem controle nem sobre o seu próprio trabalho, que é transferido para as máquinas. Além disso, surge outras várias funções técnicas e administrativas e a partir daí a criação da famosa pirâmide hierárquica.

Max Weber foi o estudioso que cuidou de se aprofundar sobre a organização burocrática e teorizar o estudo da burocracia. Ele analisa o Estado como uma instituição burocrática, pois o Estado é uma parte da sociedade que está acima dos demais fundamentado numa relação de direito. A criação do Estado é necessário, segundo ele, a partir do conflito de classes, e que o Estado veio para assegurar à classe dominante economicamente, uma dominação política, a fim de garantir a apropriação do excedente econômico. Para garantir a sua dominação, o Estado dispõe de instituições para transmitir a sua ideologia, de instituições de repressão para garantir que as leis que são criadas, sejam cumpridas, e de instituições econômicas para poder intervir na economia. Para se entender melhor a forma de dominação no Estado, é preciso analisar a teoria da dominação de Weber. Segundo ele, existem três tipos de dominação: tradicional, carismática e legal.

A dominação tradicional se caracteriza por uma legitimação que se baseia na crença na justiça e qualidade do dominador. O governante tem liberdade para emitir ordens, ficando restrito apenas aos costumes e hábitos da sua sociedade. A dominação carismática, consiste na crença em qualidades excepcionais de um indivíduo para governar outros. Quando atinge uma complexidade maior, ele é assessorado pelos seus discípulos mais próximos. Se trata de uma dominação instável e inconstante. Já a dominação legal se baseia num aparato de regras que legitimam o seu poder. Os assessores administrativos são chamados burocratas e também tem seu poder regulamentado legalmente, não podendo vendê-lo ou transferi-lo. Esses três tipos de dominação, porém, nunca acontecem de forma pura, tendo sempre características misturadas mas prevalecendo um desses tipos.

A partir do Estado moderno, que fez valer a burocracia, as outras instituições cada vez mais vão adquirindo aspectos burocráticos. Exército, igreja e universidades já tem sua organização burocrática, mas é na grane empresa moderna onde ela é mais perfeitamente aplicada, através de relações que leva o trabalhador sempre a desvalorização de sentimentos e conceitos éticos. Com a eliminação de todos esses valores, a burocracia ainda não conseguiu repor esse espaço deixado deixando cada vez mais as pessoas ao completo vazio.

Burocracia é Controle - Para se compreender o processo de controle na sociedade burocrática, é preciso se analisar primeiramente o contexto histórico de como a empresa reagiu e criou métodos de controle a medida que iam surgindo os obstáculos. No período pré-capitalista quem controlava tanto o produto como processo de trabalho, era o produtor, que comercializava diretamente com o mercado. O capitalismo teve seu início no sistema domiciliar, que consistia em distribuir matéria-prima para os artesãos, que vendia ao capitalista, o produto final. Com essa divisão parcelar do trabalho, o capitalista tinha o controle sobre o processo de produção, garantindo a ele, a comercialização do produto final. Mas no sistema domiciliar, o trabalhador ainda podia exercer controle sobre o ritmo da produção, além de poder desviar matéria-prima. Surge então a fábrica, onde o capitalista podia impor disciplina através da vigilância e garantir a submissão dos operários. Para exercer esse controle precisava-se de outros funcionários para vigiar, montando assim a hierarquia burocrática.

Percebe-se a característica expansionista do capitalismo, que vai criando soluções para os obstáculos que impedem o controle social a fim e garantir o acúmulo de capital. As empresas foram passando por um processo de complexidade na organização a medida que foram crescendo. Até o final do século XX, quase todas as empresas eram de propriedade de um grupo familiar. Mas aí se passou a fazer fusões que aumentaram essas empresas e exigiram um mecanismo racional de tomar decisões. Cria-se divisões baseada nas diversas funções exercidas na empresa. Paralelamente a esse comportamento, as empresas começam a se preocupar mais com o mercado, dividindo suas unidades de acordo com cada produto. Foi se tornando necessário então a criação de escritórios centrais de planejamento, aumentando ainda mais a hierarquia burocrática das empresas. As empresas passaram também a se preocupar com o mercado de capital, desenvolvendo mecanismos para atrair investimentos. Uma das formas de conseguir capital está na emissão de ações, mas essa forma é limitada pelo risco de se perder o poder na organização por parte da minoria. Mas sempre foram se desenvolvendo métodos de reprodução do capital, que é o verdadeiro objetivo da empresa.

Para que o capital conseguisse superar todas esses obstáculos, era necessário uma divisão bem nítida de quem planeja e quem executa. Essa minoria que detém o controle, precisava criar mecanismos de acobertamento da realidade para conseguir que os operários se identificassem com a organização e trazer sempre o retorno desejado. É esse um dos papéis da organização burocrática, o de exercer um controle social, que só é possível pela relação desigual de poder em relação à maioria dominada. É importante ressaltar que a aceitação dos dominados a essa dominação acontece num processo de total alienação, pois é visto como natural e necessária. A organização burocrática pode conseguir esse controle pois detém o poder, e pode punir ou recompensar. Porém nunca se consegue eliminar totalmente os comportamentos nocivos à organização e estabelecer o consenso, surgindo o conflito de classes que a empresa vai sempre tentar abafar utilizando de vários mecanismos econômicos, políticos, ideológicos e psicológicos para neutralização do conflito, podendo até a chegar a instaurar a censura e a violência para conseguir a repressão. Esses mecanismos são sempre usados sutilmente pela empresa para alienar o trabalhador ao interesse da empresa. Procuram sempre o trabalhador individualmente como forma de prevenir que ele se organize socialmente. Oferecem vantagens materiais como forma de satisfazer as contradições econômicas. Para “domesticar” o trabalhador, se inculca na cabeça da empresa a ideologia da empresa e ele passa se identificar com a organização e perder a sua própria identidade.

A empresa é a organização onde a burocracia se infiltrou de modo mais eficaz como forma de atender ao interesse do capital, mas outras instituições também tem um papel na sociedade burocrática e desempenham algumas funções estratégicas para o sistema capitalista. A escola tem a missão de inculcar a cultura e os valores da sociedade capitalista. Ela exerce um papel de seleção social ao aplicar exames, onde o saber é medido de acordo com o conteúdo dessa cultura que é imposta aos alunos, e qualifica-se os alunos de acordo com esse critério. A parte burocrática de aplicar valores e aplicar controles pelos diários escolares é supervalorizado em detrimento do conteúdo. Porém, onde fica ainda mais claro a organização burocrática, é nas instituições totais, que são as prisões e os hospitais. Nelas convivem permanentemente indivíduos, que de acordo com a cultura existente, tem comportamentos nocivos ao processo normal de convivência, precisando passar por um tratamento, seja ele médico ou psicológico, para se adequar novamente, ao processo normal. Mostrando aí, um controle total da organização burocrática sobre os indivíduos.

Burocracia é Alienação - Na análise da burocracia como alienação, deve-se contar com os estudos de Max Weber, que foi o maior estudioso da burocracia. Na caracterização que ele faz da burocracia,, ele enumera várias itens que são a base do sistema, e chega à conclusão que a burocracia é ao mesmo tempo poder, administração e organização. Ele percebe também que fonte da constante ampliação intensiva e qualitativa da burocracia, está na necessidade crescente das empresas, das funções de planejamento, organização e controle para a manutenção do poder. Foi com essa superioridade técnica, desenvolvida através da retenção de segredos, que a burocracia se fundamentou como sistema utilizado pelo capital, em relação a outros sistemas. Para o capitalismo, essa impessoalizadão e desumanização, eram essenciais ao seu desenvolvimento.

Mas a teorização sobre a alienação no processo de trabalho, foi concebida por Karl Marx, embora esta não partisse da burocracia. Ele chega à conclusão que o operário fica mais pobre quando produz mais riqueza, numa relação inversa de valorização das coisas em detrimento do ser humano. Para o trabalhador o produto do seu trabalho lhe é estranho, ele não se identifica com aquilo. A relação do operário com sua atividade é de alienação, pois ele não se realiza naquilo, que não é fruto da sua vontade e sim da vontade de outros.

Já na burocracia, este processo é semelhante. No nível de cargo do trabalho, há uma divisão técnica tida como indispensável ao funcionamento satisfatório da burocracia. Essa divisão técnica traz consigo outras separações: o homem e os instrumentos de produção, o homem e o produto do seu trabalho, o homem e os outros membros da organização. As outras dizem respeito ao nível da sua atividade,, que o trabalhador não pode defini-la, porque ela já vem descrita segundo normas pré estabelecidas, e há ainda a separação no tempo de atividade. Finalmente há a palavra fragmentária, onde só pode se pronunciar sobre problemas relativos à sua atividade, e ainda essas palavras resultam em memorandos, relatórios, atas, etc. É a transformação também da palavra em coisa, a palavra livre é visa com desconfiança na burocracia.

Essa separação e divisão de todo o processo produtivo produz a não visualização do trabalho como um todo, consequentemente o não entendimento dos objetivos da organização, não podendo os trabalhadores comparar então esses objetivos com seus reais anseios. A alienação é exatamente isso, uma situação em que as pessoas não respondem por si mesmas, não tem poder sobre o próprio destino, não participam do processo de produção, são faladas pelos dominantes. A burocracia implica que as pessoas não se insiram na sociedade de acordo com suas necessidades e o seu bem-estar pessoal. Essa que é a relação entre burocracia e alienação.

A Sociedade Burocrática - A organização burocrática ,é o sistema social mais formalizado que existe. Dentro da sociedade burocrática, são exigidos comportamentos e condutas padronizadas, seguindo um significado lógico nas organizações. A empresa é a instituição principal nesse processo, pois ela trata de reproduzir comportamentos. Já as escolas preparam as pessoas para assumir funções específicas na organização, separando as diferentes camadas sociais na aprendizagem de sua função específica.. A organização molda o indivíduo de acordo com seus interesses, e o indivíduo também tenta exercer influência na busca de satisfação pessoal. Mas embora esses indivíduos já cheguem na organização preparados para assumir um papel, nunca o indivíduo se serve totalmente da organização, nem a organização deste, pois sempre haverá surpresas nas expectativas de ambos os lados sobre relações sociais não pré definidas. Aí começa o processo de socialização.

A socialização consiste num processo no qual o indivíduo, com um potencial muito amplo de desenvolvimento de comportamentos, é levado pela organização a desenvolver comportamentos específicos padronizados de acordo com cada organização. Na verdade esse processo começa antes do indivíduo entrar na organização, pois desde seu nascimento ele já recebe dos outros sistemas, valores e comportamentos que serão aceitáveis dentro da organização burocrática. Esse processo porém , não se dá num passe mágica, pois essa transmissão da ideologia pela organização ao indivíduo, apresenta algumas fases até que o indivíduo esteja adaptado de forma a se identificar com essa organização: a fase inicial, quando o indivíduo chega na organização já trazendo consigo determinados valores, a fase de confronto, quando o indivíduo vai passar por um processo de confirmação e negação dos seus valores para ser moldado de acordo com a organização, e por último, a aquisição, quando o indivíduo começa a desenvolver esses comportamentos modificados. Quanto à aquisição de comportamentos, existem três tipos de comportamento a serem distinguidos. Os comportamentos pivotais, que são considerados essenciais, os relevantes, que são considerados desejáveis, e os periféricos, que são permitidos e podem vir a se tornar relevantes para a organização.

Existem vários métodos de promover a socialização. A seleção de candidatos é um método muito usado, onde quem não tem comportamentos que podem ser moldados pela organização são deixados de lado. Outro método é o treinamento, que desenvolve habilidades técnicas ligadas à área específica, e age também no desenvolvimento de habilidades adaptativas, que termina na mudança da auto-imagem.. O aprendizado, que é diferente do treinamento, é um método no qual um membro da organização é designado para passar instruções de forma de comportamento a um grupo que esteja chegando na organização. Outro método pelo qual passam os iniciantes na organização, é a experiência carismática, onde seus valores e sua auto-imagem são substituídos por um estado mais humilde, que favorece a assimilação das influências da organização. E ainda uma outra maneira de socialização, é a antecipação, onde o indivíduo adquire comportamentos de um grupo que ele ainda não pertencia.

Um aspecto importante na socialização, é o processo de controle social exercido pela administração. Esse processo acontece pela preocupação que a administração têm com o que está acontecendo nos níveis mais baixos. Para isso é criado um sistema de controle mensurável, que possa medir o desempenho individual da função, e se ela atende ao interesse da organização. É evidente que esse controle mensurável muitas vezes não atinge o seu ideal, pois passa a medir o processo de trabalho, e não a sua contribuição para o sistema. Porém para se entender todo o processo de controle social, é preciso analisar o clima organizacional, que é específico de cada organização e consiste no conjunto de valores, comportamentos, conduta e sentimentos que estão presentes na organização.

Concluindo, a burocratização atinge todos os setores da sociedade, e leva a pessoa à perda de sua relação com os semelhantes e com ele próprio, como indivíduo. Ele passa a agir de acordo com formas racionais e destanizadas de acordo com comportamentos que lhe foram passados pela organização, respondendo sempre como membro da organização. É o homem organizacional, que foi indispensável para o crescimento e superação do capitalismo.

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