Projeto Genoma Humano (PGH)

Projeto Genoma Humano (PGH)

Projeto Genoma Humano (PGH)As primeiras discussões sobre o Projeto Genoma Humano (PGH) remontam à década de 1980 quando o Departamento de Energia dos EUA promoveu um workshop para avaliar os métodos disponíveis para detecção de mutações durante o qual divulgou a ideia de mapear o genoma humano. Neste mesmo período foi criado na França o Centre d’Etude du Polymorsphisme Humaine (CEPH - Centro de Estudos do Polimorfismo Humano). Este centro coleta amostras de sangue e tecidos de famílias extensas e tornou-se o principal fornecedor de material para a elaboração dos mapas de ligação realizados pelo Généthon.

A ideia de mapear o genoma levantou desde o princípio uma série de controvérsias. Para muitos pesquisadores tratava-se na época de um projeto irrealizável. Para outros não havia sentido em mapear o genoma pois as infomações obtidas seriam desencontradas e não valeriam o esforço. Por outro lado, alguns pesquisadores viram naquela oportunidade a chance de transformar a biologia (e mais especificamente a genética) em big science, com direito a financiamentos gigantescos e divulgação ampla. O projeto foi lançado nos EUA quatro anos depois, patrocinado pelo NIH (National Institutue of Health) e pelo DOE (Department of Energy). A proposta era mapear todo o patrimônio genético do homem. Em seguida laboratórios da Europa, do Japão e da Austrália uniram-se ao projeto. Surgiu então um organismo de coordenação internacional chamado HUGO (Human Genome Organization), para sintonizar o trabalho e organizar o conhecimento adquirido em um banco de dados centralizado, o Genome Database. Seu presidente do HUGO, H. Van Ommen, afirmou em 1998 que a missão do HUGO era facilitar e coordenar a iniciativa global de mapear, sequenciar e analisar funcionalmente o genoma humano e promover a aplicação destes conhecimentos ao melhoramento da saúde humana. Na fase final de sua primeira missão o HUGO assume seu próximo papel para a disseminação das análises funcionais do genoma e o fornecimento de diretrizes responsáveis para as aplicações e implicações do genoma.

Desde os seus primeiros anos o projeto se caracterizou por um misto de otimismo exagerado, brigas entre os diferentes grupos participantes e notáveis avanços técnicos e científicos. Segundo Jordan (1993) o verdadeiro objetivo inicial do PGH não era o seqüenciamento, muito complexo, caro e trabalhoso, mas um mapeamento detalhado do genoma humano. No decorrer do processo os progressos tecnológicos foram tão grandes que propiciaram o seqüenciamento mesmo antes do prazo previsto. De qualquer forma mapeamento e não seqüenciamento foi a estratégia francesa. Os alemães foram sempre os mais reticentes quanto ao projeto. A verba destinada ao projeto foi de US$ 53 bilhões e o objetivo era mapear todos os genes e 3,6x109 pares de bases do genoma humano até 2005. Um percentual de 5% da verba foi destinado às questões éticas, sociais e legais, abordadas através do programa ELSI (aspectos éticos, legais e sociais). Atualmente o projeto ocorre em escala mundial, inclusive com participação brasileira, envolvendo mais de 5000 cientistas em 250 laboratórios. Talvez a maior evidência da cooperação internacional seja o mapa de ligação elaborado pelo Généthon, laboratório francês mantido em parte por familiares de pacientes com miopatias.

Nem sempre esta cooperação é fácil. Problemas de financiamento do projeto e outras discussões como conflito de interesse entre os pesquisadores ameaçam constantemente a integração e levantam sempre a possibilidade de centralização da pesquisa. Para Shattuck (1998) uma análise isenta recomendaria revisões de procedimento, prioridades, financiamento e supervisão. Como um exemplo do que ocorre, pode-se citar a competição entre mais de 30 laboratórios durante a descoberta do X-Frágil em 1991. Finalmente, o artigo francês enviado a Science em 25/10/90 foi publicado em 15/02/91 e o artigo inglês enviado a Cell em 15/01/91 foi publicado em 22/02/91. Para Jordan (1995) o projeto devem evitar esse tipo de desperdício que resulta de um distanciamento excessivo dos pesquisadores em relação às consequências de seus trabalhos. Nesse sentido as associações de pacientes desempenham um papel essencial, confrontando os cientistas com a realidade quotidiana da doença bem como com as necessidades do doente e de sua família. É preciso compreender que o desenvolvimento científico também vive de dubiedades, mas como diz Garcia (1994) devemos lutar por meios que impeçam a má utilização do conhecimento e que diminuam a distância entre a bioética e o progresso científico.

Anexados ao PGH existem vários outros projetos genomas de organismos experimentais, como da mosca das frutas (Drosophila melanogaster) - já terminado, do camundongo (Mus musculus) e de um nematoide de vida livre (Caenorhabditis elegans), entre vários outros. Estes projetos servem de auxílio para o mapeamento de genes humanos. Além disso uma série de instrumentos e técnicas, como PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), YAC (Cromossomos Artificiais de Levedura), ABI (Sequenciadores automáticos) CA repeats (repetições de dinucleotídeos utilizadas como marcadores de localização gênica), etc foram desenvolvidos a partir de necessidades do PGH e hoje são disponíveis para laboratórios de pesquisa e diagnóstico não envolvidos diretamente no mapeamento de genes.

O Brasil também tem dado sua cota de contribuição ao projeto. Além de iniciativas isoladas, como os diferentes genes clonados pelo laboratório da pesquisadora Mayana Zatz na USP, uma iniciativa conjunta da FAPESP, Instituto Ludwig, UNICAMP, EPM e Faculdade de Medicina da USP criou o Projeto Genoma Humano do Câncer. Este projeto utiliza o mesmo método de sequenciamento (ORESTES) desenvolvido em São Paulo para o sequenciamento de uma praga de lavouras, Xillela fastidiosa. Esta iniciativa demonstra a importância do projeto, capaz de congregar diferentes instituições, a necessidade de financiamento pesado e a possibilidade de utilização de metodologias desenvolvidas e testadas em organimos menores. Em março de 2000, o Instituto Ludwig solicitou o patenteamento de um oncogene.

Liderados por Luca Cavalli-Sforza um grupo de geneticistas lançou um projeto paralelo ao PGH, o Projeto da Diversidade do Genoma Humano, que pretende estudar e preservar a herança genética de populações humanas. Seus objetivos relacionam-se a estudos sobre as origens humanas e movimento de populações pré-históricas, adaptação a doenças e antropologia forense. Esses geneticistas preocupam-se que o “Genoma Humano” que está sendo decifrado pelo PGH não corresponde ao genoma humano de todos os indivíduos mas de uma parcela que está representada nas amostras. De fato, esse “Genoma Humano” não pertence a uma pessoa identificável mas é proveniente de várias amostras utilizadas principalmente em laboratórios ocidentais. Os defensores do PDGH advogam a favor das diferenças entre grupos humanos e contra o reducionismo do genoma a um tipo único. A importância de estudar grupos humanos específicos é reconhecida também por empresas de biotecnologia como a americana Coriell Cell que em 1996 anunciou na Internet amostras de DNA de índios brasileiros a venda. O fato gerou um debate entre cientistas brasileiros acerca do armazenamento de DNA dos indígenas e suas possíveis repercussões comerciais.

Os objetivos do PGH em saúde envolvem a melhoria e simplificação dos métodos de diagnóstico de doenças genéticas, otimização das terapêuticas para essas doenças e prevenção de doenças multifatoriais. Para Pena (1992) a problemática ELSI vai convergir na interação de três elementos: os pesquisadores que geram o novo conhecimento, a comunidade empresarial que transforma este conhecimento em produtos e a população que vai absorver e incorporar os novos conhecimentos em sua visão de mundo e suas práticas sociais, além de consumir os novos produtos. Nesse sentido Clotet (1995) alerta para a responsabilidade científica, uma vez que os: cientistas devem imaginar as consequências morais da aplicação comercial de testes genéticos.

Os críticos do PGH argumentam que seus objetivos eram tratar, curar ou prevenir doenças. Para eles este é um longo caminho e por enquanto seu principal resultado são as companhias de biotecnologia comercializando kits diagnósticos. Para Zancan (1994) o mapeamento genético para detecção de doenças levanta ainda dúvidas sobre as suas consequências sociais, dada a distância que separa o diagnóstico das técnicas terapêuticas. Para ela é hora da comunidade acadêmica sair da discussão intra-muros e levar à sociedade suas preocupações quanto ao controle social das novas tecnologias biológicas, independentemente das regulamentações. É preciso lembrar que a análise genética não é infalível e seus dados são com frequência mal interpretados em virtude de uma tendência ideológica da qual os pesquisadores, participam mais ou menos inconscientemente: uma deriva que passa muito facilmente e depressa de uma observação centrada no estado de saúde atual de uma pessoa a um diagnóstico fundamentado exclusivamente na análise de seus genes (Jordan, 1995). Para Wilkie (1994) tamanha ênfase na constituição genética da humanidade pode nos levar a esquecer que a vida humana é mais do que a mera expressão de um programa genético escrito na química do DNA.

Todo ser humano tem uma identidade genética própria e, segundo a Declaração da Unesco, o genoma humano é propriedade inalienável de toda a pessoa e por sua vez um componente fundamental de toda a humanidade. Dessa maneira ele deve ser respeitado e protegido como característica individual e específica pois todas as pessoas são iguais no que se refere a seus genes, afinal unicidade e diversidade são propriedades de grande valor da natureza humana (Clotet, 1995). As informações advindas do projeto devem servir para proteger a vida e melhorar a saúde. Isto pode ser verdadeiro nos casos em que há uma antecipação do processo terapêutico pela antecipação da doença, entretanto é preciso tomar cuidado quanto aos aspectos prejudiciais deste processo (Clotet, 1995). Para Annas (19??) desde que os testes sejam voluntários e os resultados divulgados apenas com autorização do indivíduo, os testes baseados no PGH apresentam uma alteração de grau, não de gênero. Isso não é verdadeiro se considerarmos os testes preditivos. Jordan (1995) acredita que "tomamos um caminho perigoso: ao invés de julgar um indivíduo pelo que ele é hoje, vamos indagar sobre seu status de doente em potencial (e quem não é?) para tratá-lo como deficiente antes do tempo e sem ter a certeza de que se tornará". Para ele isso significa definir a afecção pelo genótipo, pelo que está inscrito no DNA e não mais pelo fenótipo, pelo estado presente da pessoa.

Para Khoury (1999) uma rápida transição da descoberta do gene a integração na pratica clinica pode resultar no desenvolvimento e oferecimento prematuro de testes genéticos. Estudos epidemiológicos são necessários para validação de testes genéticos, monitorização de seu uso pela população e determinação da segurança e efetividade dos testes em diferentes populações. Ele propõe a criação de uma nova disciplina, a Epidemiologia do Genoma Humano (HuGE), combinando dados de epidemiologia genética e epidemiologia molecular. De maneira semelhante Pena (1994) sugere a substituição de um paradigma tipológico por um paradigma populacional. No primeiro existem os alelos normais, ideais, perfeitos e os que não o são. Já no segundo a variabilidade é composta por mutantes subótimos e lida com ambientes diversos. O fenótipo, portanto, é dinâmico e emerge da interação do genótipo como um todo (milhares de genes) com o infinitamente complexo ambiente. É a mudança do paradigma monogênico de determinismo genético (atraente e perigoso em sua simplicidade) pelo paradigma interativo epigenético não determinista.

Por outro lado os críticos argumentam que o PGH dissemina a ideia de panaceia com vocabulários expansivos, promessas e termos hiperbólicos, mesmo em documentos oficias - "o Graal da genética humana ...a resposta final do mandamento 'conhece-te a ti mesmo' " (W. Gilbert in Shattuck, 1998).

O PGH traz comparações com o Projeto Manhattan e o Projeto Appollo, e transformou a Biologia em big science, como a física, isto é, a noção de um conhecimento (ou ciência) imparável no sentido de controlar a natureza. A imprensa leiga aproveitou a ideia e diariamente veicula as promessas do projeto, como: "Pensávamos que nosso destino permanecia nos astros. Agora sabemos que, em larga medida, o nosso destino está nos genes." Vários autores alertam para o de uma eugenia mais sutil, promovida pelo PGH ao fornecer instrumentos para testes (Shattuck, 1998; Annas). Alguns participantes do projeto, como James Watson acreditam que há um "potencial extraordinário para o melhoramento humano". A questão do melhoramento e da eugenia refere-se basicamente ao quanto se confere à genética na responsabilidade por condições multifatoriais. Assim mistura-se a identificação e tratamento de doenças genéticas com as outras causas de doença (álcool, drogas, pobreza,...), considerando-as todas de origem genética e divulgando a esperança de que um dia encontremos uma "solução genética" para estas condições de saúde. Supondo que realmente existam genes da inteligência, genes responsáveis por comportamento anti-social, genes alcoólatras e drogados, genes neuróticos, genes de infidelidade. A questão é, como coloca Ztaz (1994), o que se pode fazer com esse conhecimento? Clotet (1995) alerta para o fato de que não se deve utilizar estratégias genéticas para solução de problemas sociais, reconhecendo um risco potencial para o surgimento de um movimento eugênico baseado no conhecimento do genoma.

Ao mesmo tempo não devemos atribuir ao PGH mais importância do que ele realmente pode ter. Tome-se por exemplo a anemia falciforme, uma das doenças genéticas mais se conhecidas e a primeira a ter seu gene identificado. Chama a atenção o atraso das pesquisas e a pouca participação da genética na melhoria da condição de saúde dos pacientes e o PGH não vai mudar essa situação a curto prazo pois o conhecimento de um gene não é uma garantia de avanço terapêutico. Da mesma forma, a discriminação de seus portadores e os abusos que se fizeram no teste desta doença não foram decorrentes dos avaços do PGH (Wilkie, 1994).

De qualquer forma as questões éticas envolvidas continuam sendo motivo de debate, tanto no que diz respeito às informações obtidas quanto ao patenteamento de genes. Em 1991 o Congresso americano iniciou o exame de um projeto de lei dedicado à preservação das informações concernentes ao genoma humano (Human Genome Privacy Act). No ano seguinte a 44ª Assembleia da Associação Médica Mundial reunida na Espanha lançou a Declaração de Marbella, em que se declarou contra o patenteamento do genoma humano, solicitando garantias contra discriminação e diretrizes básicas para prevenir a estigmatização de populações em risco para doenças genéticas. Neste mesmo ano, James Watson pediu demissão do seu cargo de diretor do PGH por ser contra o patenteamento de genes.

A questão do patenteamento só foi resolvida em 1995 quando o HUGO publicou uma declaração condenando o patenteamento de sequências sem função conhecida mas favorável ao patenteamento da descoberta das funções biológicas de novos genes ou suas aplicações. O argumento utilizado foi de que o custo do projeto é muito elevado e sua realização seria impossível sem o concurso de empresas privadas, as quais estão interessadas em obter exclusividade sobre suas descobertas. Essa atitude faz com que pesquisadores tenham que assinar contratos com empresas comprometendo-se a não divulgar seus resultados. Nesse caso a pesquisa científica deixa de ser objeto de discussão entre cientistas para tornar-se uma propriedade industrial, como ocorreu recentemente com o gene da asma. Um grupo de pesquisadores anunciou na revista Science a localização de uma região candidata para o gene da asma porém não deu absolutamente nenhum detalhe a respeito da sua descoberta por motivos contratuais. Esses foram inclusive o motivo que os levou a divulgar a descoberta do locus candidato pois há uma exigência legal de comunicar aos acionistas da empresa que uma descoberta recente pode ter um possível impacto sobre a valorização das suas ações.

A preocupação com o patenteamento é tanta que motivou uma declaração da UNESCO em que é reafirmado que o genoma humano é propriedade inalienável da pessoa e patrimônio comum da humanidade. Segundo este mesmo documento o nosso DNA nos pertence, temos a propriedade e a posse mas desconhecemos o seu significado. Esse é justamente o objetivo do PGH, cujo final parece ter sido antecipado para 2003. Mas provavelmente o conhecimento completo dos 3,6x109 pares de bases do genoma humano não seja o fim, mas sim o início desse processo de compreensão. Que novas perspectivas sobre os seres humanos trará o sequenciamento dos 3 bilhões de pares de bases do genoma humano? A função mais importante do projeto talvez seja a de transcender a si mesmo e nos ensinar, ou lembrar, que os genes e a genética não são a base fundamental da vida humana. O PGH pode redefinir o nosso sentido de nosso próprio valor moral e descobrir um meio de afirmar, em face de todos os detalhes técnicos da genética, que a vida humana é maior do que o DNA de que brotou e que os seres humanos conservam um valor moral que transcende a sequência de 3,5 bilhões de bases contidas no genoma humano (Wilkie, 1994).

Em 14 de março de 2000, o ex-presidente norte-americano, Bill Clinton, e o ex-primeiro ministro do Reino Unido, Tony Blair, apelaram para que tudo que diga respeito a decodificação do genoma humano fosse mantido no âmbito público. Isto significa que todos os cientistas tenham acesso ao sequenciamento bruto do genoma humano. Os mandatários propuseram que os inventos possam ser patenteados e explorados economicamente.

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