O Calvinismo e a Segunda Reforma Protestante

O Calvinismo e a Segunda Reforma Protestante

O Calvinismo e a Segunda Reforma ProtestanteJoão Calvino realizou uma "segunda Reforma". Seus esforços tiveram o objetivo de reunificar as diversas correntes protestantes e conseguiu atrair os seguidores de Huldrych Zwingli no Consensus tigurinus (1549); no entanto, na verdade ele consumou uma ruptura com o luteranismo, formando, ao lado deste e do anglicanismo, o terceiro grande grupo dentro do protestantismo. Na Europa, as igrejas calvinistas recebem geralmente o nome de reformadas, enquanto no resto do mundo são chamadas presbiterianas.

No campo geral do protestantismo, o ramo calvinista distingue-se por levar às últimas consequências lógicas a soberania absoluta de Deus e por ter instituído um grau prudente, mas rigoroso de organização humana nas igrejas que o compõem.

Organização das igrejas locais

Rechaçado durante sua primeira estada em Genebra, na Suíça, devido à rigidez da disciplina imposta, Calvino foi chamado de volta pelo conselho municipal em 1541. Com a autoridade que lhe foi outorgada, publicou as Ordenações eclesiásticas, que posteriormente serviram de base para a fundação de outras igrejas locais. As ordenações confiavam a atividade eclesiástica a quatro grupos: os pastores, que, eleitos pelo povo e encarregados de pregar a palavra de Deus, reuniam-se semanalmente em congregação e mensalmente em sínodo; os doutores, que se dedicavam ao ensino; os presbíteros, "anciãos" leigos que mantinham a disciplina; e os diáconos, que cuidavam das tarefas assistenciais. O consistório -- que em Genebra tinha caráter de conselho municipal -- era formado por seis pastores e 12 anciãos. Tinha competência para punir deslizes disciplinares ou passar a acusação para os tribunais civis.

A denominação igreja presbiteriana procede  precisamente da instituição do presbitério de "anciãos" leigos dotados de autoridade disciplinar, mas que se distingue da autoridade que outras igrejas concedem ao bispo.

A supremacia do poder religioso sobre o civil valeu a Genebra a denominação de "cidade-igreja". O fortalecimento da igreja deveu-se ao zelo da constante pregação de Calvino, à prestigiosa academia teológica que ele fundou -- baseada nas humanidades greco-latinas e na exegese (interpretação) bíblica -- e à rigidez da disciplina, com penas que incluíam o exílio e até a morte. Tratava-se de uma organização democraticamente eleita, mas de princípios de extremo rigor. Em quatro anos, Calvino fez exilar de Genebra 76 descontentes e ordenou a execução de 58 pessoas.

Expansão

Calvino acolheu refugiados franceses de fé protestante e entre eles escolheu missionários que voltaram para fundar outras igrejas locais. De acordo com o princípio da autonomia, estas foram estabelecendo suas próprias bases doutrinárias e institucionais: a confissão galicana (1559), a escocesa (1560) e a belga (1561), até que se redigiu de comum acordo a confissão helvética (1566).

Calvino serviu-se do poder civil para a expansão de sua doutrina e das igrejas, mas quando esse poder se mostrou hostil, ele se aliou à oposição. Para Calvino, um príncipe que combatia a igreja perdia automaticamente seus direitos e era lícito fazer-lhe oposição, até mesmo armada. Na França, os calvinistas, conhecidos como huguenotes, tiveram de enfrentar os Guises, poderosa família católica que controlava o fraco rei Francisco II. As resultantes guerras religiosas deixaram na história um marco trágico: a noite de são Bartolomeu (1572), na qual morreram milhares de huguenotes. Essas guerras só chegaram a termo com o edito de Nantes (1598).

Nos Países Baixos (Holanda), os calvinistas apoiaram a rebelião contra Filipe II da Espanha. Na Escócia, o calvinismo -- também conhecido como puritanismo, devido a seu rigor doutrinal -- teve desde o início muitos seguidores, graças ao esforço reformador de John Knox, que fez do presbiterianismo a religião oficial. Na Inglaterra, depois do período da revolução puritana de Oliver Cromwell, a igreja presbiteriana foi proibida pelo anglicanismo oficial e só em 1686 foi novamente liberada.

Os puritanos ingleses exilados levaram a igreja presbiteriana à Nova Inglaterra, colônia da costa atlântica da América do Norte. Os próprios ingleses e os holandeses propagaram o calvinismo por diversos países de seu império colonial, sobretudo na futura África do Sul.

Doutrina teológica

O homem sob o peso de Deus. A doutrina de Calvino se polariza na soberania de Deus: "Toda glória a Deus." A justificação e a santificação do homem são obras exclusivas de Deus, que predestina alguns para a salvação "antes de levar em conta seus méritos" futuros e o faz concedendo-lhes graças eficazes e irresistíveis que lhes permitem perseverar até o fim. Qualquer contribuição humana diminuiria a soberania absoluta de Deus. Assim, Calvino também teve de admitir que os pecadores, os condenados, não haviam escapado à eficaz vontade divina: Deus os havia predestinado à destruição, antes de prever seus pecados e, no calvinismo mais rígido, antes mesmo de prever o pecado original de Adão no Paraíso. Pela doutrina calvinista, só se admitem dois sacramentos: o batismo e a eucaristia, mas seu caráter é meramente simbólico e não proporciona a graça.

O conhecimento do homem nada mais é que as ideias infundidas nele por Deus, que é a "única fonte da verdade" e princípio real das ações humanas. O homem é um tão-somente um instrumento dos desígnios divinos.

A palavra de Deus

A fonte da verdade é a Sagrada Escritura, a palavra de Deus, iluminada pelo Espírito Santo e ilustrada pela pregação. Calvino aceitava os primeiros concílios e a doutrina de santo Agostinho contra o herege Pelágio -- que negava a necessidade da graça divina em favor do livre arbítrio --, mas rechaçava o magistério da Igreja Católica e acusava de idolatria a hierarquia de Roma.

Igreja e sociedade

A igreja tem "poder supremo para submeter todos os cristãos à obediência de Deus e colocá-los a seu serviço, coibindo e corrigindo os escândalos". O cristianismo santificado está nas mãos de Deus e não teme nenhum poder civil. Seu valor é um sinal de sua justificação, da mesma forma que a prosperidade exterior e a riqueza. Essas ideias levaram-no à chamada "ética da economia": "O ouro e a prata são boas criaturas, às quais se pode dar bom uso". O juro, que era então considerado usura, só podia chegar a cinco por cento.

A pequena burguesia da Europa protestante aceitou bem esse arquétipo calvinista do cidadão laborioso e parcimonioso, predestinado por Deus, e sociólogos como o alemão Max Weber analisaram essa circunstância como uma das fontes do capitalismo. No campo político, a doutrina da predestinação levou em certos casos à segregação dos que não eram tidos como "predestinados". Por outro lado, a adoção do sistema de eleições pelos calvinistas favoreceu a instauração de governos democráticos.
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