Direito, Evolução Histórica e Conceitos Gerais do Direito

Direito, Evolução Histórica e Conceitos Gerais do Direito

Direito, Evolução Histórica e Conceitos Gerais do DireitoDireito é o conjunto de normas obrigatórias que disciplinam as relações humanas e também a ciência que estuda essas normas. A ciência jurídica tem por objeto discernir, dentre as normas que regem a conduta humana, as que são especificamente jurídicas. Caracterizam-se estas pelo caráter coercitivo, pela existência de sanção no caso de não observância e pela autoridade a elas conferida pelo estado, que as consagra.

Deveres e obrigações se impõem à conduta de todas as pessoas no convívio familiar, nas relações de trabalho e nos vínculos religiosos. A solução dos conflitos, com base no direito e mediação do estado, torna possível a vida em sociedade.

Evolução histórica

Grécia. A maior contribuição do pensamento grego para o direito foi a formação de um corpo de ideias filosóficas e cosmológicas sobre a justiça, mais adequado para apelações nas assembleias populares do que para estabelecer normas jurídicas aplicáveis a situações gerais. As primitivas cosmologias gregas consideravam o indivíduo dentro da transcendental harmonia do universo, emanada da lei divina (logos) e expressa, em relação à vida diária, na lei (nomos) da cidade (polis).

No século V a.C. os sofistas, atacados mais tarde por Sócrates e Platão, examinaram criticamente todas as afirmações relativas à vida na cidade-estado, destacando as amplas disparidades entre a lei humana e a moral, rejeitando a ideia de que a primeira obedecia necessariamente a uma ordem universal. O objeto de estudo dos sofistas era o homem, "a medida de todas as coisas", segundo Protágoras, o sujeito, capaz de conhecer, projetar e construir. Eles negavam que a lei e a justiça tivessem valor absoluto, pois eram criadas pelos homens, de acordo com determinadas circunstâncias, e por isso mesmo relativas e sujeitas a transformações.

Platão criticou esse conceito e contrapôs ao que considerava como subjetivismo sofista a eternidade das formas arquetípicas, de que a lei da cidade-estado seria um reflexo. Na utopia descrita em sua República, Platão afirma que a justiça prevalece quando o estado se encontra ordenado de acordo com as formas ideais asseguradas pelos sábios encarregados do governo. Não há necessidade de leis humanas, mas unicamente de conhecimentos transcendentais.

Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha em comum com ele a ideia de uma realidade que transcende a aparência das coisas tais como são percebidas pelos sentidos humanos, defendia a validade da lei como resultado da vida prática: o homem, por natureza, é moral, racional e social e a lei facilita o desenvolvimento dessas qualidades inatas.

A concepção do direito natural como emanação do direito da razão universal foi obra da filosofia estoica. O ideal ético dessa doutrina, iniciada na Grécia e de grande influência no pensamento romano, foi sintetizado no século III de nossa era por Diógenes Laércio: a virtude do homem feliz e de uma vida bem orientada consiste em fundamentar todas as ações no princípio de harmonia entre seu próprio espírito e a vontade do universo.

Direito romano. Os criadores da civilização romana, cujo espírito prático, senso da realidade e tendência para o individualismo se equilibravam com um raro discernimento da conveniência e da necessidade política, edificaram o mais grandioso e perfeito sistema jurídico da idade antiga, que sobrevive num sem-número de concepções, instituições e princípios vigentes no mundo contemporâneo. O direito romano influiu poderosamente sobre a ordem jurídica do Ocidente e constituiu um dos principais elementos da civilização moderna.

A expressão direito romano, em sentido amplo, indica o conjunto de normas e princípios jurídicos fixados pela civilização romana. Sua história abrange cerca de 13 séculos, iniciada com as origens lendárias da cidade de Roma, em meados do século VIII a.C., e se convencionou considerar encerrada na data da morte do imperador Justiniano, no ano 565.

Os mestres e expositores do direito romano costumam dividir sua longa história em períodos, adotando critérios diversos para distingui-los. O direito romano antigo, também denominado ius quiritium ou ius civile (quirites ou cives eram os cidadãos romanos), era o direito vigente desde a formação da cidade até a codificação da célebre Lei das Doze Tábuas, aproximadamente em 450 a.C. Coincidiu esse período, em grande parte, com o período régio, já que a expulsão dos reis se deu no ano de 510 a.C. Todavia, o advento da república não teve, em si mesmo, repercussões consideráveis em relação ao direito privado, isto é, ao direito concernente às relações dos cidadãos romanos entre si. Isso porque esse direito não era, senão em diminuta proporção, expresso em leis. O direito era essencialmente costumeiro, rudimentar como a própria organização da sociedade, extremamente formalista e impregnado de elementos mágico-religiosos. Confundiam-se o direito divino e o direito humano.

O segundo período, denominado ius gentium, iniciou-se com a codificação da Lei das Doze Tábuas (450 a.C.) e perdurou até a data da morte do imperador Alexandre Severo (235 d.C.). Verificou-se, durante esse período, a crise da constituição republicana e a instauração do principado, com Augusto (27 a.C.). Estenderam-se aos poucos as relações e as conquistas de Roma, primeiramente na península e depois em todo o mundo mediterrâneo, o que teve como consequência o desenvolvimento econômico.

O direito refletiu essa evolução. Configurou novas relações, perdeu o rígido formalismo, mudou seu caráter estritamente citadino e nacional e passou a reger relações entre romanos e estrangeiros. Na fase de maior expansão imperial, tornou-se o direito comum dos povos, ou direito universal, e passou a denominar-se ius gentium ou direito das gentes. Importantes transformações se processaram durante esse período no sistema e na própria concepção do direito. Na fase inicial, predominava o tradicional direito quiritário, de origem costumeira, pois a Lei das Doze Tábuas não fizera mais que reduzi-lo à forma escrita. Entretanto, o direito foi se desligando das fontes e influências primitivas, como o costume e a religião. Adquiriram crescente importância, em sua formulação e aplicação, a equidade e a boa-fé.

A criação do direito tornou-se função do poder público. Ao lado do antigo direito romano já codificado surgiram, conforme o caso, as leis, os plebiscitos, os senatus-consultos, as constituições imperiais e, com particular importância no desenvolvimento do direito privado, os editos dos pretores e magistrados incumbidos de administrar a justiça.

Iniciou-se em meados do século I a.C. a época mais brilhante e fecunda do direito romano, que perdurou até o fim do regime imperial em 235 d.C. e caracterizou a fase do direito romano clássico. Os editos dos pretores foram codificados e grandes jurisconsultos como Gaio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino desenvolveram, por exposição sistemática de comentários, pareceres e da formulação de princípios e regras gerais, a ciência jurídica (jurisprudência) romana.

O último dos períodos históricos, conhecido como pós-clássico, começa com a grave crise do principado, após a morte de Alexandre Severo, no ano 235, e termina com a publicação da codificação empreendida por Justiniano, a partir da terceira década do século VI. Desde o século IV, o Ocidente vinha sofrendo incursões bárbaras, de sorte que a cultura, de modo geral, e os estudiosos do direito, em particular, voltaram-se para o Oriente. Sob a monarquia absoluta, o direito passou a ter como fonte jurídica única as constituições imperiais. Sobre esse sistema jurídico unificado, acentuou-se a influência da concepção cristã sobre a origem e o fundamento do poder político e do direito. Esse período se distingue sobretudo pela importante atividade de compilação jurídica, que alcançou excepcional magnitude com o imperador Justiniano. Sua codificação, o Corpus juris civilis, compreende a jurisprudência clássica e as constituições anteriores, em quatro partes: o Digesto ou Pandectas, o Código, as Instituições e as Novelas. Durante muito tempo, o direito romano foi conhecido quase exclusivamente por meio dessa codificação, que assegurou a sobrevivência e a unidade da tradição jurídica latina.

Direito germânico. A expressão direito germânico indica as instituições e os sistemas jurídicos existentes nas diversas nações bárbaras de origem teutônica que se apossaram da Europa após a queda do Império Romano do Ocidente, no ano 476. Predominava entre os invasores o direito de origem costumeira, particularista, rudimentarmente desenvolvido e fortemente impregnado de sentido comunitário. Os usos da tribo ascendiam à categoria de lei mediante sua definição pelo órgão judicial, a assembleia, no julgamento dos casos concretos. As decisões constituíam precedentes e se aplicavam com força legal. O direito era, ao mesmo tempo, de origem popular e judicial, conservado pela tradição oral.

Importante característica do direito germânico era a chamada personalidade das leis. O direito romano, pelo menos depois que o império atingiu a expansão máxima, no século II, consagrava, ainda que com exceções, o princípio da territorialidade, segundo o qual o direito aplicável às pessoas que se acham no território do estado é o direito do próprio estado, independentemente da condição nacional ou da origem étnica de seus habitantes. O direito germânico, ao contrário, principalmente depois que se generalizou a convivência com a população romana, nos séculos IV e V, considerava que o estatuto legal da pessoa era uma prerrogativa desta, determinada por sua procedência ou nacionalidade.

A coexistência entre romanos e bárbaros tornou-se ameaçadora para as instituições e os costumes jurídicos destes últimos, ante o impacto de uma civilização mais avançada. Por outro lado, com o curso do tempo e a ocorrência de frequentes migrações, com casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes e o nascimento de descendentes dessas uniões, a aplicação do direito foi-se tornando problema dos mais difíceis. Alguns reis bárbaros mandavam compilar os direitos de seu povo e os dos povos vencidos, pelo sistema romano de codificação, o que contribuiu para que, aos poucos, se firmasse o princípio da territorialidade das leis.

As leis bárbaras ordenaram os usos e costumes das tribos na forma escrita, recolhendo a influência de princípios do direito romano, mediante compilações do período pós-clássico, das constituições imperiais e da jurisprudência. Nessas codificações, as leis ou a jurisprudência romana podiam aparecer justapostas, sem modificações, ou resumidas, modificadas e intercaladas.

Idade Média. O apogeu da escolástica, nome com que se define genericamente a filosofia cristã medieval, deu-se no século XIII com santo Tomás de Aquino que, a exemplo de santo Agostinho, subordinou o direito positivo (secular) à lei de Deus. Uma disposição do direito positivo não podia violar o direito natural e, em consequência, o direito eterno divino.

A tendência de fazer prevalecer a razão sobre a vontade foi rejeitada, também no século XIII, pelo franciscano britânico John Duns Scotus, para quem tudo se devia à vontade de Deus e não existia nenhum direito natural acessível à razão humana. O direito positivo somente tinha validade e eficácia se não contrariasse a vontade divina superior a ele.

Do Renascimento ao século XVIII. Em O príncipe (1513), Maquiavel atacou o recurso à vontade transcendental e à vontade divina para mergulhar no empirismo: as coisas devem ser aceitas como são e não como se considera que deveriam ser. A manutenção do poder justifica qualquer meio, pois é um fim em si mesma. O direito deve basear-se na garantia de continuidade do poder e não na justiça.

Hugo Grotius, jurista holandês partidário de um estoicismo tolerante, no início do século XVIII concebeu um direito supranacional que pusesse limite ao poder absolutista das monarquias europeias. Rejeitou a "razão de estado" defendida por Maquiavel como fonte do direito e propôs uma versão atualizada do direito natural estoico, com elementos do direito romano e da teologia cristã. Thomas Hobbes, adotando uma perspectiva mais próxima à de Maquiavel, entendia que a natureza humana não é tão perfeita como pensavam Grotius e os estoicos. Sustentava que o homem, em estado natural, luta somente por sua sobrevivência e só cede parte de sua liberdade e se submete à autoridade alheia em troca de segurança.

Montesquieu foi dos pioneiros a rejeitar o direito natural. Em De l'esprit des lois  (1748; O espírito das leis) defendeu a tese segundo a qual o direito e a justiça de um povo são determinados por fatores que operam sobre eles e, portanto, não é aplicável o princípio da imutabilidade sustentado pelo direito natural. Kant também discutiu o direito natural: segundo ele, todos os conceitos morais são baseados no conhecimento a priori, que só pode ser atingido por intermédio da razão. No entanto, os conceitos kantianos mostraram-se tão transcendentais quanto os do direito natural e por isso outros pensadores do idealismo metafísico, como Johann Gottlieb Fichte, voltaram às noções tradicionais do direito natural.

Séculos XIX e XX. Na primeira metade do século XIX, o pensamento jurídico experimentou, por influência da filosofia positivista de Augusto Comte, uma reação ao idealismo e às teorias do direito natural. De acordo com a doutrina do positivismo analítico, os casos deveriam ser resolvidos mediante o estudo das instituições e leis existentes. Segundo o positivismo histórico, cujo principal representante foi o jurista alemão Friedrich Karl von Savigny, o direito reside no espírito do povo e o costume é o direito por excelência. O papel do jurista consiste em interpretar esse espírito e aplicá-lo às questões técnicas.

A interpretação materialista do direito iniciou-se com a doutrina marxista, para a qual os sistemas político e judicial representam a superestrutura da sociedade. Surgida em meados do século XIX, combinou a fé no progresso, a evolução social, o racionalismo, o humanismo e o pluralismo político com a concepção segundo a qual o modelo mecanicista da ciência natural é válido para as ciências sociais.

A teoria pura do direito, cujo mais conhecido representante foi o austríaco Hans Kelsen, concebia o direito como um sistema autônomo de normas baseado numa lógica interna, com validade e eficácia independentes de valores extrajurídicos, os quais só teriam importância no processo de formação do direito. A teoria das leis é uma ciência, com objeto e método determinados, da qual se infere que todo sistema legal é, essencialmente, uma hierarquia de normas.

As escolas modernas do realismo jurídico entendem o direito como fruto dos tribunais. Dentro de sua diversidade, essas escolas admitem princípios comuns: a lei decorre da ação dos tribunais; o direito tem um propósito social; as mudanças contínuas e ininterruptas da sociedade se verificam também no direito; e é necessário distinguir o que é do que deve ser.

O conceito atual do direito se configura como uma rebelião contra o formalismo. A maior parte das tendências evita definir-se exclusivamente em função de um único fator e admitem tanto a lógica analítica quanto as questões de índole moral e o enfoque sociológico. Assim, o trabalho jurídico sobre as relações entre o direito e a sociedade levou à integração com outras disciplinas e à melhor compreensão da influência dos fatores econômicos e sociais.

Direito hispano-português. O direito hispano-português procede diretamente das fontes romana-justiniana, germânica e canônica. O direito romano penetrou na península ibérica no final do século III a.C. e se manteve em vigor até a conquista dos visigodos, quando foi introduzida a duplicidade de direitos decorrente do princípio da personalidade das leis. A ocupação muçulmana, a partir do século VIII, quebrou a unidade do reino visigótico. Com a reconquista e o fortalecimento do poder real, surgiram tentativas de unificar a legislação e a administração da justiça, principalmente por meio do recurso de outorgar um mesmo foro a diversas cidades.

Deu-se nessa época (fim do século XII e século XIII), antes na Espanha e depois em Portugal, a recepção do direito justiniano e do direito canônico, com interpretações e comentários elaborados pelos mestres italianos. Essas novas fontes prevaleciam muitas vezes sobre os direitos locais e eram reconhecidas como direito comum vigente, aplicado pelos tribunais.

No intento de unificar o direito na Espanha,  Afonso X o Sábio mandou elaborar um código intitulado Lei das Sete Partidas, redigido em meados do século XIII por um grupo de jurisconsultos, sob orientação do próprio soberano. As principais fontes em que se inspiraram as Partidas foram o direito romano justiniano, o direito canônico, a glosa ordinária de Acúrsio e os foros e costumes locais de Castela e Leão. Por seu caráter sistemático e profundamente inovador, o novo código não teve força para superar os particularismos dos sistemas locais e o ânimo conservador do povo. Permaneceu por mais de um século sem vigência efetiva.

Desde as primeiras décadas do século XII, Portugal já se constituíra como estado independente. Todavia, a independência política não alterou o sistema jurídico, no qual predominava um complexo de atos dispersos sem unidade orgânica. A convocação das cortes de Coimbra em 1221 resultou na decretação de leis gerais para todo o reino. Na segunda metade do século XIII, D. Dinis mandou traduzir do espanhol a Lei das Sete Partidas e fundou a Universidade de Coimbra, onde se passou a ensinar direito romano e canônico.

Começaram a surgir as primeiras tentativas de codificação no início do século XV, de que foram sucessivamente incumbidos o chanceler João das Regras, João Mendes Cavaleiro e Rui Fernandes. Com o falecimento do rei D. Duarte, o príncipe-regente D. Pedro encarregou uma comissão de ultimar e rever o trabalho realizado. Essa comissão concluiu sua obra em 1446 e o código, denominado Ordenações Afonsinas, foi promulgado nesse mesmo ano por Afonso V. Além de profundamente impregnadas de direito romano e canônico, as Ordenações receberam influência das Partidas. Dividem-se em cinco livros: o primeiro contém normas de direito constitucional e de organização judiciária; o segundo, uma compilação de concordatas; o terceiro, normas de processo; o quarto, o direito civil; e o quinto, o direito penal.

Após sessenta anos, em 1505, quando D. Manuel ocupava o trono português, iniciou-se a reforma do código afonsino. Conservou-se essencialmente a mesma disposição do código anterior, com a inclusão de todas as leis extravagantes (não codificadas) promulgadas desde 1447 e a introdução de maiores modificações apenas no livro primeiro. As Ordenações Manuelinas, primeiro código do mundo publicado pela imprensa, foram decretadas em 1521.

Filipe II da Espanha, investido soberano de Portugal, manteve separados os sistemas jurídicos dos dois países. Em 1595 ordenou a compilação de toda a legislação portuguesa com vistas a sua codificação. As Ordenações Filipinas foram aprovadas pela lei de 11 de janeiro de 1603 e se tornaram imediatamente obrigatórias em terras de aquém e de além-mar. Seus cinco livros dispõem sobre direito público; privilégios jurisdicionais, regalias e bens; processo civil e criminal; direito privado; e direito penal. No direito peninsular ibérico estão as fontes do sistema jurídico brasileiro.

Sistemas jurídicos contemporâneos
Direito ocidental. O direito nas sociedades contemporâneas pode ser classificado, acima dos limites políticos dos estados, em alguns grandes sistemas: o ocidental, que abrange o direito continental europeu (ou do grupo francês) e o direito anglo-americano; o muçulmano; o hindu e o chinês.

Os direitos dos estados que se incluem no sistema ocidental devem suas linhas estruturais às mesmas concepções da tradição filosófica do Ocidente, ao influxo dos princípios da ética cristã e ao predomínio da ideologia liberal. A ordem jurídico-política baseia-se na noção de direitos naturais e invioláveis, entre os quais a liberdade individual em suas várias especificações se erige em valor supremo da vida social. Assenta-se ainda no princípio da soberania popular, no regime representativo e no sistema pluripartidário, no dogma da supremacia da lei, nos princípios da divisão dos poderes e da neutralidade do estado. Na ordem econômica, prevalece o princípio capitalista.

Grupo continental europeu. Apesar dessa afinidade fundamental, distinguem-se no direito ocidental um direito continental europeu, ou do grupo francês, e um direito do grupo anglo-americano. No âmbito do primeiro situam-se os ordenamentos jurídicos derivados do direito romano: inclui, na Europa, todos os estados com exceção do Reino Unido e dos que integravam o bloco soviético até 1991; a América Latina e, de certo modo, a África do Sul e o Japão.

Nos países do direito continental europeu a característica fundamental do sistema jurídico é a absoluta preeminência do direito escrito e, secundariamente, a tendência à codificação. O próprio raciocínio jurídico se constrói sobre o pressuposto de que a solução de qualquer controvérsia encontra-se numa norma geral criada pelo legislador. A lei é a fonte do direito por excelência e o ideal jurídico se expressa na identidade plena entre o direito e a norma jurídica. Embora nesses ordenamentos a jurisprudência goze de considerável autoridade, não constitui, a rigor, fonte do direito, pois uma decisão só obriga nos limites do caso em que é proferida e não vincula outros tribunais e juízes no julgamento de casos idênticos.

Nesse grupo se edificam os dois maiores monumentos da codificação do direito privado moderno: o código civil francês de 1804, chamado Código Napoleão, e o código civil alemão de 1900, que influenciou os códigos civis da Itália, Portugal, Espanha e Brasil, entre outros países.

Grupo anglo-americano. Ao direito continental europeu se contrapõe o direito do grupo anglo-americano, constituído do próprio Reino Unido, Irlanda do Norte, País de Gales, Nova Zelândia, Austrália, Canadá (com exceção da província de Québec), Estados Unidos e outros países. O direito inglês, do qual se originou total ou parcialmente o direito dos estados pertencentes a este grupo, não é um direito de origem romanística, nem sofreu, durante a Idade Média, ou mesmo posteriormente, recepção do direito romano. Sua principal característica, conhecida como sistema da common law, é que nele o direito legislado não constitui a fonte regular e normal do direito. Ao contrário, a lei ou statute law faz-se necessária para determinar a exceção, para estabelecer a norma que foge aos princípios da common law e exige, por isso, uma interpretação restritiva.

A common law não constitui um sistema de direito escrito, ou um direito costumeiro, no sentido que a ciência jurídica dá, em geral, à palavra costume. Afirma-se, entretanto, que o chamado costume geral imemorial é considerado a própria essência da common law. Todavia, esse costume geral imemorial é coisa diversa: consiste no complexo dos princípios que se extraem das decisões proferidas pela justiça real, desde sua instituição no século XIII. Nos países em que o direito romano foi recebido, o legislador é o promotor do direito, enquanto que, nos países da common law, é a magistratura. Desse modo, no direito inglês, as decisões judiciais dispõem de uma força específica que não se limita à hipótese concretamente resolvida, mas pode estender-se com efeito normativo aos casos futuros que apresentem a mesma configuração e venham a se enquadrar nos mesmos limites. O direito inglês apresenta-se como direito jurisprudencial, como um direito casuístico, ou case law, em que predomina a regra do precedente, temperada pela aplicação do princípio da equidade.

O direito dos Estados Unidos pertence a esse grupo. Nele predomina a concepção da common law e o casuísmo (case law). A lei, no entanto, tem nos Estados Unidos mais importância que nos demais países do grupo, por duas razões principais: o país tem uma constituição rígida, em virtude do que a atividade legislativa é mais intensa; e tendo em vista que o país é uma federação, os estados expedem leis, no âmbito das respectivas competências.

Direito brasileiro. Derivado do direito lusitano transplantado para o Novo Mundo, o sistema jurídico brasileiro se filia ao chamado grupo continental europeu. Suas raízes históricas estão na península ibérica: é nas instituições do direito luso dos séculos XVI, XVII e XVIII que se encontra o ordenamento jurídico que esteve em vigor no Brasil durante um longo período. A importância do antigo direito ibérico para o direito brasileiro e sua história pode ser avaliada pela permanência das Ordenações Filipinas, de 1603, em vigor no Brasil durante mais de três séculos. Essa ordem jurídica não foi abalada pela independência política, em 1822, nem pela queda da monarquia, em 1889. Em matéria penal, no entanto, o livro quinto das Ordenações foi revogado pelo código criminal de 1830. Logo depois, o processo penal passou a regular-se pelo código de processo criminal de 1832.

O código comercial e o regulamento 737, relativo ao código de processo civil, datam de 1850. Com essas poucas exceções, todo o vasto campo das relações jurídicas privadas continuou, mesmo depois de entrado o século XX, a reger-se pelo código seiscentista, que somente foi revogado a partir de 1º de janeiro de 1917 pelo atual código civil brasileiro, cinquenta anos após sua completa substituição, na antiga metrópole, pelo código civil português de 1867. Embora integrado ao grupo continental europeu, o sistema brasileiro adquiriu, notadamente no campo do direito público, características próprias.

Conceitos gerais do direito
Norma jurídica e coação. As normas jurídicas prescrevem ao homem um comportamento externo, voltado para a coletividade, que consiste em fazer ou não fazer. Nesse primeiro aspecto, o direito se distingue das normas que imprimem uma conduta interna, como as fixadas pela moral e pela religião. Quando a moral e a religião condenam ou prescrevem uma conduta externa, decorre esta de uma inspiração interna, que primariamente orienta a conduta. A etiqueta, o costume, o uso e a convenção também obrigam, sob pena de censura social, a uma conduta externa. Não participam, porém, do direito. Tais normas podem ser violadas livremente, embora a coletividade ou o grupo reaja com manifestações de reprimenda ou desagrado. A violação da norma jurídica acarreta consequências mais profundas e mais organizadas. A norma jurídica, se violada, suscita a coação, capaz de constranger ao cumprimento, com o apelo, em última instância, à força.

Há na constituição e nos códigos diversas prescrições que, embora determinem uma conduta, não suscitam, no desvio, uma reação. Nem todas as regras contidas numa lei, sobretudo as que não consagram a responsabilidade de certas ações, são normas jurídicas. Somente quando a obrigação pode ser coercitivamente imposta se está em presença de uma norma jurídica autêntica.

Toda norma jurídica se desdobra em preceito e sanção. Tipicamente, o direito penal consagra esse padrão: há, em cada artigo de lei, a conduta a seguir e a pena que assegura seu cumprimento. O direito civil, no entanto, limita-se a fixar os preceitos. A enumeração das sanções cabe ao direito de processo civil. O direito só se compreende como sistema ou totalidade, que parte da constituição e se espraia nos regulamentos das autoridades públicas.

Ordem jurídica. As regras vigentes constituem a ordem jurídica, composta de normas que se reúnem, se coligam e se interpenetram num todo harmônico. O ponto comum entre as prescrições legais é o fato de se vincularem a sanções. As normas têm um limite no espaço e no tempo, que determina sua vigência para uma comunidade, em regra fixada territorialmente. O que lhes infunde autoridade é a intervenção do estado, que as torna obrigatórias.

O estado, no direito moderno, é a única instituição que pode constranger ou obrigar as pessoas. Ele, e somente ele, pode equipar a norma jurídica com a coação. Seus poderes, porém, são limitados, disciplinados e espiritualizados pelo direito. O estado não se circunscreve a um conteúdo de ordem espiritual. Sua existência real se afirma nos homens, que materializam sua vontade e tomam, em seu nome, as decisões obrigatórias para os indivíduos.

O esboço da ordem jurídica prende-se à consideração do direito positivo, desligado da idéia de justiça ou de direito natural. No âmbito dessa diretriz positivista, levada ao extremo, podem-se identificar muitos abusos e muitas tiranias. Tudo o que é direito obriga, sem consideração à justiça: tudo o que é direito, por ser direito, é justo. Há a ponderar, todavia, que a doutrina se amolda à idéia de justiça, sempre presente no direito positivo, como ideal e como parâmetro. Essa idéia não leva ao direito natural, para cujos partidários só ele justificaria a validade do direito.

Na norma jurídica, em verdade, não se esgota todo o rico conteúdo do direito. Em seu conceito se agrega o direito como valor e como fato. A sociologia jurídica e a história do direito estudam o fato; a política do direito tem por objeto o valor e a teoria geral do direito se ocupa da norma. A norma jurídica só se compreende em referência ao valor, que aponta para a justiça, e ao fato, que se prende às condições sociais e históricas. Embora receba do estado seu caráter obrigatório, não tem validade só por esse fundamento. Mesmo editada, ela pode, por falta de consenso, não ser aplicada, carente de eficácia. Se divorciada dos valores de justiça, confunde-se com a força pura, sem apoio no conceito de validade universal.

Direito objetivo e subjetivo. No emprego da palavra direito se encerram duas significações, uma delas referente ao direito objetivo e outra ao direito subjetivo. O primeiro é o conjunto de normas obrigatórias, por exemplo, as do direito civil. No outro caso, quando se alude à capacidade de uma pessoa para determinar obrigatoriamente a conduta de outra, com a expressão "ter direito a ...", trata-se de direito subjetivo.

O direito romano distingue os dois lados do direito. No conceito jus est norma agendi (o direito é norma de agir) está implícita a face objetiva do direito. A noção subjetiva se traduz na fórmula jus est facultas agendi (o direito é a faculdade de agir). A ordem jurídica compõe-se do direito objetivo, ao reunir prescrições, normas, leis e imperativos jurídicos. O direito objetivo, ao voltar-se sobre situações concretas, gera direitos subjetivos e deveres jurídicos que se opõem ou se articulam reciprocamente.

O direito objetivo encerra o preceito e a sanção. Para tornar efetivo um seu direito subjetivo, no entanto, a pessoa pode invocar os órgãos públicos. A sanção entra assim em atividade para assegurar um direito subjetivo. Essa construção teórica não assegurava, em seu desdobramento lógico, o direito subjetivo contra o poder público. O direito subjetivo, até o século XIX, só se podia efetivar entre particulares. O direito público se reduzia a um tecido de normas objetivas, nas quais o poder de exigir uma prestação, entregue ao indivíduo, não seria mais do que um reflexo da regra geral e abstrata.

Duas etapas levaram à consagração do direito subjetivo contra o estado. O reconhecimento da submissão do poder público ao direito foi o primeiro impulso, apoiado à doutrina da pessoa jurídica do estado. O estado seria uma pessoa jurídica, com as mesmas características da pessoa de direito privado, desdobrada em fisco e poder, sujeito o primeiro ao controle jurídico. Um progressivo desenvolvimento da doutrina envolveu os dois membros artificiais do estado em uma unidade, que não controla nem produz normas jurídicas, mas se subordina a essas normas. O direito passou a obrigar não só aos particulares, mas ao próprio estado, limitado em suas manifestações políticas pela atividade jurídica. O estado converteu-se assim no estado de direito.

A segunda etapa, decisiva para a fixação do direito subjetivo contra o estado, deu-se por meio da universalização da democracia, no século XIX. O indivíduo, graças aos direitos políticos de participar na formação das decisões e dos órgãos públicos, não se reduzia mais a simples destinatário das ordens emanadas do poder público, mas tornou-se participante da atividade do estado e de sua organização. Essa mudança de rumo separou a "pessoa" do "estado", em expressões autônomas e invioláveis e essa separação marcou a fase do respeito aos direitos individuais, da liberdade e da faculdade de exigir do poder público uma conduta conforme ao direito.

Elementos do direito subjetivo. Os elementos que constituem o direito subjetivo se deduzem a partir de seu próprio conceito. É necessário que existam, em princípio, a presença de um sujeito, de um objeto e da relação que os liga. Sujeito é o ser a quem a ordem jurídica assegura poder de ação. O sujeito do direito é a pessoa natural ou jurídica. Todo homem é sujeito de direitos, inclusive o incapaz, cujo direito é exercido por um representante quando ele mesmo não pode atuar.

O objeto do direito é um bem de qualquer natureza, coisa corpórea, ou incorpórea, redutível a dinheiro ou não, sobre o qual recai o poder do sujeito. O objeto pode expressar-se e adquirir conteúdo na obrigação imposta a alguém de observar certa conduta ou de se abster de intervir na atividade do sujeito. A relação de direito é o vínculo que submete o objeto ao sujeito.

Os direitos subjetivos, como regra geral, situam-se em duas categorias: os direitos absolutos e os direitos relativos. Na categoria de direitos absolutos se incluem os direitos reais, ou seja, os direitos sobre as coisas. Os direitos relativos se fundam numa relação pessoal entre o sujeito e o indivíduo obrigado. A classificação em apenas duas categorias não se tornou consenso na doutrina e, como não se chegou a uma unidade de critérios, prevalece a dispersão empírica, que consagrou as diversas classes dos direitos subjetivos: públicos e privados; absolutos e relativos; patrimoniais e não patrimoniais; e principais e acessórios.

Direito positivo e direito natural. Direito positivo é o conjunto de normas jurídicas em vigor num determinado espaço. Desde Aristóteles, contudo, o adjetivo aposto ao substantivo direito caracteriza um direito fundado sobre a lei, ao contrário do direito calcado sobre a justiça. Nos séculos XVIII e XIX, o direito positivo foi identificado com o positivismo, para o qual o único direito válido é o direito positivo. O positivismo, tal como modernamente é entendido, procura separar o direito, em sua vigência concreta, do direito com referência a valores.

Em sentido lato, entende-se por direito natural o que busca fixar seu fundamento na natureza - a ordem natural do mundo físico se equipara à ordem natural das relações humanas -, que se mantém íntegra em todos os tempos e em todas as latitudes. Acima da vontade do legislador, além do direito objetivo, há uma ordem jurídica superior, que serve de roteiro e inspiração à lei e aos costumes. Criação da filosofia estoica, incorporou-se à ética cristã, de onde, com diversos conteúdos, se projetou na Renascença, no Iluminismo e no mundo atual. Sua presença se verifica em muitas manifestações modernas, sobretudo nas expressões dos direitos individuais e nas liberdades públicas.

O direito natural, para os positivistas, não passa de uma ideologia, criada para adequar o direito às aspirações de uma época. A identificação entre natureza, razão e justiça leva a uma concepção fluida, não concretizável historicamente, nem capaz de se sobrepor ao tempo e ao espaço. Ela desloca o problema da validade do direito para uma esfera metajurídica, na qual se permanece um resíduo teológico, que não resolve o impasse que está na raiz de todo o drama jurídico, tal como formulado por Pascal: a justiça, sem a força, é impotente; a força, sem justiça, é tirânica. Não podendo o homem fazer o justo forte, acabou por fazer o que é forte justo.

Estrutura do direito. O mundo jurídico moderno organiza o estado com base na ordem constitucional. O chamado estado de direito se baseia, em sua formação e em seu desenvolvimento, sobre o constitucionalismo. A constituição, escrita ou costumeira, flexível ou rígida, é a referência da ordem jurídica constitucional. A constituição, no entanto, não se baseia em si mesma, mas numa norma ou decisão fundamental que lhe dá legitimidade. Assim, o fundamento da constituição pode ser uma norma que não deriva de outra, de caráter superior, ou uma decisão política prévia, adotada por um poder ou autoridade previamente existente.

Para Max Weber, a definição e a caracterização da norma fundamental situam-se numa realidade extrajurídica. Na base de toda a arquitetura legal e constitucional está a aceitação de certas expressões históricas e políticas, ideologicamente revestidas do poder de organizar o estado. De qualquer forma, as normas ou decisões fundamentais, prévias ou pressupostas à constituição, não estão sujeitas ao controle das constituições. Elas têm o caráter de puro poder, que os monarcas, o povo ou as revoluções acionam, rompendo a legalidade preexistente.

A constituição representa a base de toda a ordem do direito. A partir dela se disciplinam as relações sociais, dentro de uma estrutura homogênea, teoricamente liberta de contradições. A constituição não coincide, entretanto, com a lei constitucional. Há princípios imanentes, que expressam num plano global o caráter da decisão política básica ou da norma fundamental, que servem de roteiro à interpretação das leis constitucionais, que são comandos enfeixados na própria constituição. Para o maior defensor dessa dualidade, Carl Schmitt, a constituição é intocável, ao passo que as leis constitucionais podem ser reformadas ou suspensas. A determinação concreta dos dois campos não é clara. Suas fronteiras são fluidas, vagas e não raro feridas pelas mudanças históricas.

Fontes do direito. O termo "fonte", utilizado tradicionalmente pela doutrina em sentido metafórico, indica o ponto em que uma regra, emergindo da vida social, assume o caráter de norma jurídica. As fontes são de ordem formal, capazes de assumir expressão obrigatória, desprezadas as de ordem substancial ou real, que se referem aos fenômenos sociais, formados da substância do direito, tais como a necessidade pública, o interesse coletivo e as reivindicações sociais. Assim, fontes são os meios pelos quais se formam ou pelos quais se estabelecem as normas jurídicas.

Entre as várias classificações das fontes do direito, a mais importante é a que as divide em fontes imediatas ou diretas e fontes mediatas ou indiretas. A fonte imediata ou direta do direito é a lei. Há quem incorpore ao gênero o costume, dado seu caráter obrigatório. O consenso geral, todavia, inclui o costume na chave das fontes mediatas ou indiretas, ao lado da jurisprudência e da doutrina.

Lei. Segundo definição consagrada, lei é uma disposição de ordem geral emanada de autoridade competente, imposta, coercitivamente, à obediência de todos. A medida provisória, reconhecida na constituição brasileira de 1988 e cujas características não indicam o caráter excepcional que tinha em sua origem francesa, equipara-se à lei. Em casos de urgência ou de interesse público relevante, desde que não haja aumento de despesa, o presidente da república pode expedir medidas provisórias sobre as matérias de segurança nacional, finanças públicas, normas tributárias e sistema monetário.

Nem todas as leis têm a mesma qualidade. Existe uma hierarquia, além de diferenças que as fazem gravitar em campo próprio. A lei constitucional - norma constitucional e emenda integrada na constituição - domina todas as demais leis: sem a conformidade a ela, as leis comuns (ordinárias e complementares) são nulas. Há leis que só se revogam por outras, se atendido o mesmo processo legislativo. Uma lei ordinária não revoga uma lei complementar e as leis federais não revogam leis estaduais, e vice-versa. Há leis de ordem pública, as quais todas as pessoas devem observar, independentemente de sua vontade. Estas são leis imperativas ou proibitivas. As leis supletivas ou permissivas só vigoram se os interessados não declaram sua vontade em sentido contrário.

Onde a lei não impõe uma conduta obrigatória, o indivíduo exerce livremente sua atividade. O poder público só pode intervir na esfera individual mediante uma lei que o autorize. Essa garantia de caráter constitucional se expressa pelo princípio da legalidade. A lei, depois de publicada, não entra imediatamente em vigor, salvo disposição expressa. Vigora, no Brasil, 45 dias depois de oficialmente publicada.

Eficácia da lei e sua cessação. A lei, depois de publicada, torna-se obrigatória, sem que ninguém possa negar-lhe cumprimento, alegando que não a conhece, pois para que a ordem jurídica tenha real vigência, é forçoso supor o conhecimento geral da lei. O corolário dessa premissa é o princípio que estipula que o juiz deve sempre sentenciar, mesmo que a lei seja omissa ou obscura. Em direito penal, por aplicação da mesma regra, se entende que a ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena.

A lei tem eficácia limitada ao tempo e ao espaço. O problema da eficácia da lei no espaço e os conflitos daí derivados competem ao direito internacional privado. Desde que se torna obrigatória, uma lei pode entrar em conflito com outras leis vigentes. O princípio da não retroatividade das leis e as regras de direito intertemporal destinam-se a fixar, diante da contradição de normas, quais as que devem ser aplicadas.

O princípio da não-retroatividade da lei, com apoio na constituição, prescreve que a norma rege atos futuros. Os efeitos e consequências dos atos realizados sob o império da lei anterior não sofrem modificações pelo advento da lei nova. A constituição define o princípio ao estabelecer que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O conceito de cada uma dessas figuras está legalmente fixado nos seguintes termos: considera-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou; consideram-se adquiridos os direitos que seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles que tenham prazo determinado para entrar em vigência, ou condição preestabelecida inalterável; chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial sobre a qual já não caiba recurso.

Em regra, a lei nova revoga a lei antiga, se ambas se referem ao mesmo tema. A lei permanece em vigor até que outra a modifique ou revogue. Pode ocorrer que a eficácia da lei cesse quando a situação que ela visa a disciplinar se extingue, ou quando ela versa sobre um período anormal e extraordinário. Excepcionalmente, a lei nova não revoga nem modifica a lei anterior quando estabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes.

A revogação pode ser expressa ou tácita. A revogação expressa ocorre quando a lei nova expressamente declara a cessação da eficácia da lei anterior. Os juristas dissentem acerca da extensão da revogação expressa: para uma corrente, ela só se dá se declarar taxativamente revogada a lei anterior. Entende a outra corrente, mais aceita, que a fórmula "revogam-se as disposições em contrário" caracteriza a revogação expressa. A revogação é tácita se a lei anterior é incompatível com a lei nova ou se esta vier a regular integralmente a matéria.

O direito brasileiro rejeita a repristinação (devolução de uma coisa a seu estado anterior). A lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Para que a lei antiga volte a vigorar é necessário que o poder legislativo a restaure. Admite-se, todavia, que a cláusula de reserva "salvo disposição em contrário" supõe a possibilidade de repristinação. Caberia ao intérprete, caso a caso, determinar se a lei revogada se restaura ou não. Cumpre distinguir entre revogação e suspensão. Há leis de emergência que não revogam a lei permanente, apenas a suspendem, enquanto duram as circunstâncias excepcionais. Cessadas estas, ressurge a lei permanente.

Fontes mediatas: costume. Nas sociedades em que a escrita e a leitura não estavam difundidas, o costume representou a fonte mais importante do direito. Houve uma corrente doutrinária, participante do direito positivo, que pretendeu situar o costume fora do estado. Friedrich Savigny buscou legitimar o costume radicando-o no "espírito do povo". Tentou-se confundir costume com as práticas que os tribunais e órgãos administrativos conferem ao entendimento das normas jurídicas. Nesse fato, no entanto, não há criação de direito, mas interpretação. Falta à interpretação o caráter essencial do direito, que é a coação.

Direito consuetudinário é a observância constante de uma norma jurídica não baseada em lei escrita. Dois elementos o constituem: o uso prolongado, ou observância constante, que é seu elemento externo; e a convicção de sua validade para reger as relações jurídicas, que configura o elemento interno.

No sistema jurídico brasileiro, os costumes atuam como fonte supletiva da lei. Há sistemas, no entanto, ainda impregnados pelo direito consuetudinário, nos quais se admite, embora cada vez menos, o costume que derroga a lei. Nos países anglo-saxões, onde ainda subsiste a commom law, o costume se impõe mesmo contra a lei, se houver reconhecimento judicial. Há, nessa tradição, uma fusão entre o costume e a fixação dos precedentes judiciais. Na doutrina, a admissão dos costumes contra legem constitui matéria polêmica, mesmo entre juristas nacionais. O caráter supletivo do costume flui, entretanto, da tradição jurídica de Portugal e do Brasil. Fonte supletiva do direito privado, com particular relevo no direito comercial, o costume está excluído do direito penal, para o qual não há crime, nem pena, sem lei anterior que defina o crime e comine a pena.

As outras fontes mediatas do direito - a jurisprudência, a doutrina, o direito romano e o das nações modernas - não merecem, rigorosamente, a dignidade de fontes do direito. Salvo no direito anglo-saxão, no qual os precedentes judiciais ocupam o lugar da lei, a doutrina, a jurisprudência e o direito comparado levam à interpretação dos textos legais e não a sua criação.

O cumprimento da lei, da norma abstrata, ocorre no plano individual. Assim, o preceito abstrato se transforma em determinação concreta. A aplicação do direito se dá toda vez que se submete um ato à prescrição legal. O processo que fixa essa operação, processo lógico e jurídico, constitui a essência da aplicação do direito. A complexidade do processo de aplicação do direito, a indeterminação de seus resultados, a ausência de controle lógico absoluto leva às diferenças de julgamento e às divergências dos juristas.

O objeto da interpretação é o texto legal. A crítica do texto precede a interpretação, que às vezes se encontra prejudicada pela publicação ou pela tradução. Não se interpreta apenas o texto obscuro, impreciso ou omisso. O direito - a lei ou o costume - infunde às palavras conteúdo particular, flutuante, que se deve ajustar ao sistema e à estrutura geral. A lei só é clara se a interpretação, que examina seu conteúdo e alcance, lhe confere essa qualidade. A prescrição legal não se extingue em sua expressão individual, mas atinge a globalidade de todo o campo jurídico. Uma locução aparentemente clara pode contradizer outras normas ou o próprio sistema, o que força o intérprete a harmonizar o conflito.

Para aplicar os critérios de interpretação, é necessário fixar previamente a meta do conhecimento: a vontade do legislador ou o sentido normativo da lei. A teoria subjetiva, ou teoria da vontade, adotada pela escola da exegese em direito positivo, sustenta que o intérprete deve limitar-se ao estudo da vontade histórica do legislador. Para a teoria objetiva, ou teoria da interpretação imanente da lei, a investigação tem em vista o sentido normativo da lei. Os juristas e os tribunais ainda hoje, apesar da cerrada crítica lançada contra a teoria subjetiva, dividem-se em um e outro campo.

Os mais autorizados representantes da teoria subjetiva situam a vontade autêntica do legislador em sua vontade empírica (Windscheid) ou na vontade real (Bierling). Objetou-se a essa concepção que não se pode, em regra, conhecer e caracterizar a vontade subjetiva do legislador. De outro lado, em uma lei há proposições diversas, reclamadas em tempos diversos. A teoria objetiva vai além do legislador, entendendo que o direito não é apenas a lei, mas os fins objetivos que lhe dão corpo. Parte do princípio segundo o qual "a lei é mais sábia que o legislador". O conteúdo da lei tem de se ajustar às circunstâncias contemporâneas, às necessidades atuais, sem congelá-la no tempo que a ditou. Pode haver no princípio o reconhecimento do arbítrio do juiz ou do intérprete, se abandonado o terreno estável da vontade do legislador.

As inúmeras tentativas de conciliar os extremos reconhecem que cada um deles detém uma parcela de verdade. O legislador, segundo uma dessas correntes intermédias, não cria a norma apenas para o momento presente, senão também para o futuro. Os adeptos do "método subjetivo aperfeiçoado" sustentam que o intérprete não revela a vontade histórica do autor da lei, mas sua última vontade notória. A vontade empírica do legislador cede lugar a uma vontade suposta, hipotética, articulada de acordo com as circunstâncias sociais, novas e em mudança permanente.

Critérios de interpretação. Desde Savigny discutem-se os elementos ou critérios de interpretação, entre os quais se distinguem o gramatical, o lógico, o histórico e o sistemático. Acentuava aquele autor que tais elementos, para levar ao verdadeiro conteúdo e alcance da lei, deviam ser empregados em conjunto. O jurista alemão Rudolf von Jhering deu, na segunda metade do século XIX, um novo passo na doutrina ao destacar o papel de relevo que cabe à finalidade da lei, entendida como finalidade do legislador histórico ou como finalidade objetiva.

Os americanos distinguem a interpretação da construção, distinção que se faz na doutrina, embora muitas vezes a jurisprudência utilize ambas como sinônimos. Para eles, a interpretação se limitaria a pesquisar e explorar o texto escrito, com auxílio de outros elementos internos do direito. A construção vai além dessas fronteiras, chamando em seu auxílio considerações e materiais extrínsecos. A interpretação obedece a um processo analítico; à construção cabe o trabalho de recompor, compreensivamente, o texto.

Elemento filológico. O primeiro passo para a investigação do sentido de um texto é a pesquisa da palavra. Na interpretação filológica só se oferece um "limite da interpretação", com a fixação das fronteiras de flutuação da palavra. Não raro o legislador utiliza uma linguagem especial ou técnica. Os conceitos jurídicos devem atentar para essa especialização.

Elemento lógico. Na interpretação gramatical se atende ao sentido das palavras. Na interpretação lógica, pelo contrário, busca-se o alcance das proposições. Por meio dela, leva-se em conta que o espírito da norma prevalece sobre a letra.

Elemento sistemático. A interpretação sistemática é decorrente da unidade objetiva da ordem jurídica, que se compõe de um corpo de normas e não de preceitos estanques. Em muitos casos, no entanto, o legislador teve o cuidado de separar os conceitos, de modo a impedir a visão globalizante, sistemática. Os juristas recomendam, por isso, a aplicação cautelosa do elemento sistemático, para que se confrontem apenas disposições que se referem ao mesmo objeto. Em regra, não há leis nem preceitos isolados. Do confronto surge um ordenamento, estruturado em princípios, capaz de assegurar o verdadeiro sentido de uma norma, que não deve estar em contradição com outra.

Elemento histórico. A pesquisa do elemento histórico em direito não obedece aos mesmos princípios que orientam o historiador e o sociólogo. Não é a reprodução do passado que o jurista busca evocar, mas as decisões político-jurídicas que a lei realiza. O que importa fixar é o texto, não a interpretação que os contemporâneos lhe deram, muitas vezes equivocados, eles próprios, por previsões que a dinâmica jurídica desmentiria.

Os materiais legislativos e os trabalhos preparatórios da lei não fornecem a interpretação autêntica. Desde que a interpretação não visa a esclarecer a vontade do legislador histórico e empírico, os resultados colhidos nessa pesquisa perderam muito de seu valor. O elemento histórico remonta à última vontade notória do legislador, em seus sucessivos trabalhos, quando edita a lei ou quando, reformando-a ou a ela se referindo, explícita ou implicitamente, a revivifica.

Elemento teleológico. Os estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, já destacavam a importância da finalidade da lei para sua compreensão. Consideravam esse o único e verdadeiro modo de acertar com a genuína razão da lei, da qual depende a compreensão do verdadeiro espírito dela. A lei se definiria pelos fins que persegue, pelos resultados a que visa. O legislador histórico, limitado a seu ambiente, não percebe todos os fins da lei. Os fins não são, além disso, somente aqueles estabelecidos no momento de sua promulgação. Há fins que razoavelmente se inferem das circunstâncias novas: os fins objetivos se fundem à natureza das coisas.

Divisão do direito. A distinção entre direito público e privado já era conhecida do direito romano. O direito público referia-se às relações políticas e aos fins do estado. O privado regulava as relações entre os particulares. Apesar da aparente clareza da distinção, ela não serviu para delimitar com plena segurança os campos de um e outro ramo. Havia relações e direitos que não se situavam numa ou noutra rubrica. À indefinição antiga acrescentou-se outro elemento de perplexidade, introduzido pelas contribuições dos povos chamados bárbaros. Modernamente prevalece o esforço lógico para fixar um critério de distinção. As teorias se concentraram, para assegurar a distinção, em critérios vários: a qualidade do interesse protegido, a patrimonialidade ou não do interesse e os meios empregados para atingir o objetivo jurídico.

O direito público abrange o direito constitucional, o administrativo, o penal, o processual, o internacional, o tributário e financeiro. No direito privado estão compreendidos o direito civil e o comercial. Há, todavia, ramos do direito que oscilam entre os dois campos, a ponto de se pretender classificá-lo numa zona intermédia, como o direito do trabalho. Uma disciplina seria pública ou privada de acordo com a prevalência de suas normas, dado que em todos há preceitos aplicáveis a um ou a outro campo. No direito civil, considerados seus resíduos de direito comum, há normas de direito administrativo ainda vigentes. No direito comercial, os preceitos acerca dos consórcios, da concorrência e da empresa interferem, não raro, com prescrições constitucionais e administrativas, a ponto de se querer destacar, em sua incidência, um direito comercial administrativo.

A divisão do direito, com a classificação na grande chave do setor público ou privado, suscita, mais que um problema jurídico, um problema histórico. Varia a incorporação de um ramo num campo ou outro, de acordo com as funções que o estado assume, em determinadas épocas ou em certos momentos. Daí seu aspecto, visível desde o direito romano, de certo artificialismo, irredutível a escalas lógicas.

Além disso, a própria autonomia dos compartimentos jurídicos está em constante mutação. Disciplinas novas se especializam do corpo geral, formando ramo próprio, de acordo com as exigências sociais. A flutuação das novas disciplinas corresponde à incerteza da classificação no campo público ou privado, sem que a delimitação dos setores suscite consequências juridicamente relevantes.

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