Aculturação de Povos Nativos no Brasil e no Mundo

Aculturação de Povos Nativos no Brasil e no Mundo

O termo aculturação é usado em antropologia para designar o contato entre duas ou mais culturas diferentes, bem como as transformações decorrentes em cada uma delas, por força desse contato. O termo já havia aparecido em trabalhos de antropólogos americanos em finais do século XIX. No entanto, o fenômeno só foi nitidamente reconhecido em 1936, ano em que foi usado por Robert Redfield, Ralph Linton e Melville Jean Herskovits para designar o contato e as transformações mencionadas.

O maior choque de culturas conhecido ocorreu na América logo após sua rápida conquista pelos europeus. Civilizações esplêndidas, como a inca e a asteca, sucumbiram ao ímpeto da cultura européia, incapazes de se adaptar a ela ou de opor-lhe resistência eficaz. Por outra parte, o Japão, que permanecera isolado durante séculos, sofreu uma abrupta ocidentalização no século XIX, mas soube manter vivo o cerne de sua cultura.

Na década de 1950 chegou-se a uma visão mais dinâmica do processo, passando-se a situá-lo tão-somente em contextos em que se encontrem "sistemas culturais autônomos". Os antropólogos desta posição, especialmente Bernard Siegel, conceituam a aculturação como "uma mudança de cultura que se inicia pela conjugação de dois ou mais sistemas culturais autônomos". Para eles, os sistemas culturais de características próprias já estão por si mesmos em contínua transformação e, se dois ou mais se aproximam, surgem estímulos tanto para maiores mudanças internas de cada um como para outras, recíprocas, no conjunto que se formou.

Como indicadores dessas modificações e dos significados que assumem, esses antropólogos apontam etapas como a da "transmissão intercultural" e a das "adaptações reativas", do ajustamento por assimilação ou fusão. Tratam ainda de dois fatos sociológicos inerentes ao processo, o papel e a comunicação interculturais. Por papel intercultural entendem a função desempenhada pelos indivíduos que entram em contato, os quais, pelo fato de jamais dominarem todos os aspectos da própria cultura, transmitem apenas parte do inventário cultural. Comunicação intercultural seria "o arcabouço da trama de papéis interculturais" que provê linhas de comunicação e de transmissão entre duas culturas.

Outra perspectiva teórica para com o fenômeno da aculturação é a da escola britânica, representada principalmente por Bronislaw Malinowski, que não trabalha com o conceito como tal, por abordá-lo dentro do espectro mais amplo do que ele chama mudança cultural. Em sua obra clássica, The Dinamics of Culture Change (1945; A dinâmica da mudança cultural), o agente mais importante dessa mudança é a instituição social. No caso brasileiro, um bom exemplo é o da catequese jesuítica, em que o colonizador sobrepunha o catolicismo (uma de suas instituições fundamentais) à instituição indígena correspondente, em estreita sintonia com os interesses da dominação portuguesa. Por dar pouco relevo à dinâmica do processo como um todo, a posição foi criticada por outros ingleses, como A.R. Radcliffe-Brown.

Modalidades, distinções. Vários autores se detêm no exame das diferentes modalidades de ação e reação no processo aculturativo. Em linhas gerais, são contemplados casos-padrão como os que se seguem.

Na aceitação, com maior ou menor cuidado e resistência, adotam-se componentes da cultura alheia (não necessariamente a dominante: o tabaco, por exemplo, entrou na Europa a partir do contato com as culturas ameríndias).

Na adaptação, uma cultura se altera para incorporar componentes culturais tomados de empréstimo a outro ou outros povos e de presença constante, inevitável. É o caso dos cargo cults dos aborígines de ilhas do Pacífico; muito sobrevoados pelos aviões, passaram a integrá-los em seus cultos, preparando-lhes rituais "de aterrissagem" e levando-lhes oferendas.

No corte, os agentes de uma cultura aceitam uma parcela relativamente grande de componentes culturais alheios, o que leva ao surgimento de dois padrões coexistentes de comportamento, usados alternativamente conforme a situação. O corte cultural é típico do Japão contemporâneo.

Na oposição, as reações vão do desprezo ou hostilidade às influências estrangeiras até um messianismo que se opõe ao novo, como a rebelião de Canudos e outros movimentos do século XIX, no Brasil.

Na fuga uma cultura tenta ignorar a outra e isolar-se ao se ver ameaçada, seja restabelecendo costumes do passado, seja buscando refúgio geograficamente favorável, como seria o caso da "cidade perdida" de Machu Pichu, no Peru, uma provável maneira de ocultar dos espanhóis importantes remanescentes da civilização incaica.

Na destruição os representantes de uma cultura se esforçam, direta ou indiretamente, para exterminar aquela ou aquelas que lhe causem estorvo. Todas as culturas ameríndias, por exemplo, foram destruídas, total ou parcialmente, após contato com as europeias.

Estudos brasileiros. O conceito de aculturação foi assimilado pela sociologia brasileira quase imediatamente a seu aparecimento em publicações americanas. Estudioso do folclore negro, Artur Ramos publicou A aculturação negra no Brasil (1942) e outras obras sobre o assunto. Também trataram do negro ensaios de Otávio da Costa Eduardo, a que se seguiram estudos sobre comunidades indígenas por parte de Fernando  Altenfelder da Silva, Egon Schaden, Charles Wagley, Eduardo Galvão. A respeito dos emigrantes europeus do sul do país foram pioneiras as obras de Emílio Willems Aculturação dos alemães no Brasil (1946) e Aspectos da aculturação dos japoneses no estado de São Paulo (1948).

Roberto Cardoso de Oliveira, que cunhou a expressão fricção interétnica, deteve-se principalmente na questão do contato entre as sociedades tribais dos indígenas brasileiros e a sociedade nacional. Vários outros pesquisadores desenvolveram seus trabalhos nessa direção, como Roque de Barros Laraia e Roberto da Matta, autores de Índios e castanheiros: a empresa extrativa e os índios no médio Tocantins (1967) e Júlio César Melatti, que publicou Índios e criadores: a situação dos Krahô na área pastoril do Tocantins (1967). Assim como o continente africano, a Austrália, e a Indonésia, em que coexistem sociedades primitivas e complexas sociedades de massa, o Brasil é terreno fértil para se compreender a problemática da aculturação e chegar a princípios mais seguros e mais humanos de convivência entre os povos.

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