Arqueologia e o Estudo do Passado Humano

Arqueologia e o Estudo do Passado Humano

Arqueologia e o Estudo do Passado Humano

Arqueologia é um ramo especializado do estudo do passado humano. Como seu maior interesse é reconstituir as fases iniciais da cultura, está mais relacionada ao estudo da pré-história. Mas também colabora ativamente no conhecimento do passado histórico, complementando-o com suas abordagens nos aspectos pouco esclarecidos pelos textos escritos.

Ao analisar os materiais procedentes das escavações que empreende, com técnicas cada vez mais sofisticadas, a arqueologia indica em linhas gerais a evolução cultural da humanidade, isolando características específicas nos artefatos produzidos pelos mais diferentes grupos.

Seja ela considerada parte da antropologia cultural, como propuseram certos autores, ou uma maneira de fazer história, como querem outros, os objetivos da arqueologia são os de reconstruir imagens da vida, por meio de evidências materiais que restaram do passado. Os restos e fatos isolados, contudo, não chegam a ter significação. A soma de informações e o relacionamento entre elas, estabelecendo um contexto, é que possibilitam a reconstituição cultural.

Para que exista uma cultura arqueológica é imprescindível que os restos materiais, ou artefatos, apareçam associados e repetidamente, em locais de habitação e de cultos do mesmo tipo. Cada objeto deve representar um aspecto da tradição cultural de um povo, refletir as tendências de uma determinada época e ter correlações com outras evidências do mesmo tipo.

Forma, tempo e espaço

A arqueologia se caracteriza por basear seus estudos sobre restos materiais. Qualquer dedução sobre aspectos não materiais (como crenças ou cultos, mitos ou lendas) de uma cultura arqueológica tem de ser elaborada a partir de seus vestígios materializados. O traço cultural imaterial não é passível de comprovação direta.

As formas dos artefatos, ao serem classificadas, recebem um nome que não raro se refere ao local do achado inicial, como, por exemplo, "pontas de Folson". O nome, mais tarde, pode passar a designar toda a cultura, como é o caso do exemplo citado. Além de classificadas pelo nome, as formas o são por tipos: vasos, facas, raspadores, tigelas.

Mesmo nos dias atuais a humanidade depende dos chamados recursos naturais, sobre os quais o homem sempre trabalhou no transcurso de sua evolução histórica. A maneira de trabalhar os materiais mais comuns (pedras, ossos, barro) varia de acordo com as épocas. Assim, num mesmo grupo ocorrem variações na produção de artefatos, ao sabor das mudanças que se verificam na tradição e na tecnologia grupais. Essas variações fornecem o segundo elemento da cultura arqueológica: o tempo. O arqueólogo pode registrar o tempo pelas variações ocorridas no tratamento dos artefatos de uma cultura, apoiando esse dado em observações de ordem estratigráfica.

Observa-se ainda que variações na produção de artefatos e utensílios, assim como em outros aspectos materiais, ocorrem entre regiões diferentes, seja por influência do meio (ecologia) ou por necessidades de adaptação do grupo. Tem-se aí o terceiro elemento da cultura arqueológica: o espaço. Conclui-se, portanto, que é sobre a combinação desses três fatores, a forma, o tempo e o espaço, que as evidências do saber arqueológico podem ser assentadas.

Sítios arqueológicos

A menor unidade de que trata a arqueologia é o lugar (sítio, estação, jazida) onde se encontram restos de culturas passadas. Os sítios arqueológicos podem apresentar grande variedade de localização topográfica e conteúdo cultural, estando ora a céu aberto, ora sob algum tipo de cobertura, como cavernas ou abrigos.

Sítios arqueológicos no  Brasil
No Brasil, são 15 os principais tipos de sítios arqueológicos: (1) abrigo sob rocha, sítio coberto onde a distância da boca ao fundo é menor do que a altura; (2) acampamento, local de permanência temporária; (3) alinhamento de pedras, lajes ou blocos de pedras dispostos intencionalmente; (4) aterro, elevação artificial em zonas inundáveis, como Marajó, e que se opõe ao teso, elevação natural que pode ser aproveitada pelos indígenas para acampar; (5) casa subterrânea, local escavado em forma de poço, talvez recoberto outrora, utilizado como habitação; (6) caverna, sítio coberto, onde a distância da boca ao fundo é maior do que a altura; (7) cemitério, local onde forem encontradas apenas evidências de sepultamentos; (8) cerimonial, sítio onde forem encontrados testemunhos de práticas religiosas ou sociais; (9) estearia, local com evidências de habitação ou acampamento sobre estacas, em zonas inundáveis; (l0) habitação, lugar com traços de permanência prolongada; (11) oficina, sítio onde forem encontrados somente vestígios da fabricação de artefatos; (12) petróglifo, local com gravuras rupestres; (13) pictografia, lugar com desenhos, que podem ser em diversas cores; (14) sambaqui, sítio arqueológico constituído basicamente por restos de conchas; (15) túmulo, amontoado intencional de pedras com vão interno em falsa abóbada, recoberto ou não de terra, podendo ter sido utilizado para enterramento.

Para que um sítio arqueológico seja identificado como tal é imprescindível que contenha artefatos e utensílios, ou vestígios da permanência de grupos desaparecidos. Um santuário arcaico, por exemplo, é sítio arqueológico, mas para que seja identificado culturalmente é necessário que restos materiais dos cultos ali praticados sejam encontrados. O mesmo ocorre no que diz respeito aos cemitérios: não havendo oferendas associadas, a interpretação e reconhecimento serão feitos com base em indícios como a disposição dada aos corpos.

Cerâmica e artefatos líticos

A cerâmica, em peças inteiras ou fragmentadas, constitui o resto cultural que maior soma de informações possibilita aos técnicos, pela facilidade que apresenta de serem observadas as diferenças, no tempo, e de grupo para grupo. A cerâmica geralmente é analisada pelo estudo das partes que a constituem.

Cerâmica e artefatos líticos
Os artefatos de pedra, ou líticos, são os mais antigos conhecidos da indústria humana. Sua análise é de importância fundamental para a interpretação dos grupos arqueológicos. Existe grande variedade de técnicas interpretativas, pelas dificuldades naturais que são impostas à compreensão do modo de execução, função e classificação do material. Os artefatos líticos podem ser de pedra lascada, pedra picoteada ou pedra polida. Quanto à função, classificam-se em três grupos: o das ferramentas e armas, o dos objetos passivos, como suportes, recipientes e ornamentos, e o dos objetos de função não esclarecida.

Restos ósseos e malacológicos

Os restos ósseos, ou osteológicos, formam outro importante tipo de material e têm validade como testemunhos do passado remoto, mesmo quando não trabalhados pela mão do homem. Uma pedra ou argila isolada nada significam para o arqueólogo; já um esqueleto humano, mesmo que totalmente desprovido de acompanhamento, poderá ser de grande interesse se colocado dentro de um contexto.

Os primeiros exemplos conhecidos de artefatos ósseos são muito antigos. Desde o paleolítico inferior europeu encontram-se utensílios dessa natureza. Ossos de diversos animais, inclusive humanos, foram utilizados para os fins mais diversos. Conhecem-se artefatos utilizados em armas, como pontas de flecha, dardo, arpão ou lança; adornos, como vértebras perfuradas usadas em colares ou como pendentes; utensílios e instrumentos diversos, como agulhas, anzóis, flautas e apitos.

Os ossos de animais abatidos, mesmo sem tratamento, são também importantes, por permitirem inferências sobre a dieta do grupo e o ambiente da época, já que se sabe que cada espécie animal está associada a um meio. Mudanças ambientais podem extinguir certas espécies. Caso sejam encontrados vestígios dessas em um sítio, é possível chegar a conclusões sobre as variações ecológicas transcorridas no lugar.

O consumo de moluscos foi intenso em determinado período pré-histórico. Os vários bandos coletores criaram enormes montes com as carapaças desses animais. Esses sítios arqueológicos, os sambaquis, são relativamente comuns em diversos pontos do litoral brasileiro. Pelo estudo da fauna marinha dos sambaquis é possível chegar às mesmas conclusões sobre a variação do meio ambiente, tais como as apoiadas na análise dos restos ósseos.

Os artefatos elaborados a partir de carapaças de moluscos e fragmentos de bivalves são pouco comuns e geralmente associados aos sambaquis. Em outros sítios em que a coleta de moluscos foi prática subsidiária, são também encontrados, porém em escala menor. Esses restos malacológicos (de conchas), na maioria das vezes, são contas de colar circulares e outros objetos de adorno. Facas elaboradas em seções de bivalves e colheres feitas na concha de ostras são os mais comuns desses utensílios.

No estudo da arqueologia de várias partes do mundo e mesmo da América, ganham também realce, pelo uso que deles se fez na pré-história, produtos como os artefatos de metal. Na América não se conheceu a fundição do ferro, alcançada na antiguidade europeia e asiática, mas em contrapartida obtiveram-se objetos de platina, cujo ponto de fusão é de 1.770o C, no Equador. No Brasil, salvo a menção da descoberta de uma placa de prata num dos sambaquis meridionais do país, não se conhecem artefatos de metal.

Vestígios de artigos de cestaria e tecelagem são facilmente destruídos pela acidez do solo e a umidade. Sabe-se, no entanto, pelos exemplos etnográficos, da prática e do uso de ambas as técnicas entre os indígenas brasileiros. No extremo sul do país e nos estados do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia foram encontrados alguns exemplares desse tipo, graças às condições excepcionalmente favoráveis dos sítios.

Na América, sobretudo no Peru, a técnica de tecelagem foi amplamente desenvolvida. Os tecidos da região costeira, sobretudo da cultura de Paracas Necrópolis, são considerados os mais perfeitos do mundo. Os peruanos antigos conheceram técnicas como as da tapeçaria, bordado, brocado, sarga, tecidos de agulha, de ligamento pesado e abobinados, telas com pinturas, estamparias e um sem-número de processos especiais, alguns impossíveis de reprodução.

Divisões da arqueologia

A arqueologia se divide, quanto às técnicas de abordagem, em pré-histórica e histórica. São dois campos especializados, entre os quais não há, porém, barreiras intransponíveis. A arqueologia pré-histórica ocupa-se das sociedades desenvolvidas antes da invenção da escrita, ou que dela fizeram uso muito rudimentar. A arqueologia histórica colabora na elucidação de detalhes, de variada amplitude, pouco conhecidos ou insuficientemente abordados pelos textos escritos.

No caso da América, todas as sociedades que existiram antes da descoberta e no século seguinte são consideradas pré-históricas, independentemente do grau de complexidade atingido por sua evolução social e do conhecimento ou não da escrita.

O estudo das chamadas sociedades históricas, do ponto de vista arqueológico, leva à especialização de conhecimentos e, em consequência, a designações específicas como arqueologia egípcia ou arqueologia bíblica. Quando o estudo engloba unidades culturais maiores e mais complexas, ocorrem denominações como arqueologia clássica (Grécia e Roma) ou arqueologia pré-helênica (culturas da bacia mediterrânea antes do século XIII a.C.).

Etapas da pesquisa arqueológica

A pesquisa arqueológica divide-se em quatro etapas: planejamento, trabalho de campo, análise de laboratório e divulgação. O planejamento envolve tanto a formulação de hipóteses, com base em pressupostos teóricos ou empíricos, quanto o preparo das condições materiais necessárias ao desdobramento das etapas seguintes. O trabalho de campo compreende o levantamento, a prospecção e a escavação.

Etapas da pesquisa arqueológicaO levantamento tem por objetivo estabelecer linhas iniciais de conhecimento sobre a potencialidade arqueológica de uma região. Na prospecção, além da localização dos sítios, fazem-se coletas de superfície e abrem-se cortes estratigráficos, de dimensões variadas, para o conhecimento do conteúdo cultural desses sítios. Alguns sítios são a seguir escolhidos para escavações mais profundas. Parte-se, pois, do conhecimento geral para o particular.

O trabalho de escavação implica o uso de técnica apropriada, sem o que o material passível de ser recolhido corre risco de destruição. Achados ocasionais fornecem grande parte das informações das quais se valem os pesquisadores. A própria natureza muito colabora para que sítios arqueológicos sejam encontrados. O ressecamento de lagos, o desvio de rios, a erosão e as alterações de marés já possibilitaram inúmeros achados. Também as atividades humanas são causas frequentes de descobertas. Destacam-se, entre os exemplos desse tipo, as consequências das guerras: cidades como Colônia, Londres e Tournai, ao serem reconstruídas depois dos bombardeios aéreos que sofreram, propiciaram a revelação de inúmeros locais de importância arqueológica.

Estudo dos sedimentos

O conhecimento da paleoecologia, isto é, das antigas formas de adaptação do elemento vivo às transformações pelas quais passou a Terra, baseia-se em grande parte nas informações que são dadas pelos sedimentos dos sítios arqueológicos. A morfologia, ou a forma de disposição das camadas sedimentares, fornece informações sobre a natureza do ambiente na época de sua conformação. Analisada em laboratório, a variação dos grãos de calcário ou areia pode indicar, por exemplo, em que condições foram os mesmos depositados numa gruta ou num sítio aberto. Numa etapa seguinte, partindo dessa análise, é possível obter dados sobre o tipo de clima, as correntes aéreas ou as influências marinhas, lacustres ou fluviais.

O pólen está presente em todos os sítios e em todas as épocas. Ainda hoje, mesmo nas grandes cidades, grãos de pólen constituem parcela considerável do ar. Tais grãos se depositam com sedimentos de outras origens e podem permanecer milhares de anos em estado fóssil. A coleta em profundidades variadas sempre revela uma quantidade de pólen que indica qual a cobertura vegetal do local na época de sua deposição.

Todos esses fatores contribuem para melhor compreensão da ocupação humana do solo e da variação de ambientes que ela conheceu. Além disso, propiciam dados cronológicos que permitem situar essa ocupação em período amplo, atingindo-se assim, mesmo que de modo imperfeito, um dos objetivos da reconstituição arqueológica, que é o da situação no tempo.

Métodos de datação

A datação arqueológica recorre com frequência ao conceito de tempo relativo: quando, sem determinar a idade absoluta da cultura, é possível saber-se se é mais antiga, mais recente ou contemporânea de outra. O tempo relativo é estabelecido pela própria análise estratigráfica. Se não ocorrerem inversões ou perturbações em um sítio, suas camadas mais baixas (e consequentemente o material nelas contido) são mais antigas que as superficiais.

O estabelecimento do tempo absoluto só é possível quando se sabe com alguma exatidão a época de determinado evento. À medida que se caminha para o passado, tal datação, de tipo histórico, ganha maior elasticidade, considerando-se satisfatória, por exemplo, uma datação do terceiro milênio antes de Cristo que apresente erro de um século, ou mesmo mais. São inúmeros os métodos utilizados nas tentativas de datação absoluta.

Métodos de datação

O método dos sedimentos glaciares baseia-se no princípio de que a última glaciação (Würm, na Europa, e Wisconsin, na América), ao retirar-se gradativamente, fazia certa parada no inverno e retrocedia um pouco em cada verão, deixando capa delgada de sedimentos, denominados varves. Foi possível estabelecer uma escala desses varves que alcança cerca de 15.000 anos. O método tem sido aplicado em grande parte da Europa, na América do Norte e também na Antártica. Os sítios são datados por sua relação com os varves.

A dendrocronologia é um método desenvolvido a partir da observação de que os anéis de crescimento das árvores de um mesmo bosque são paralelos entre si, mas diferentes a cada ano. As células das árvores, variando com a temperatura e a umidade, crescem em proporção desigual. Ao ser cortada uma árvore, pode-se contar os diversos anéis concêntricos, cada um dos quais marca a duração de um ano, mas nunca na mesma espessura. Assim, partindo de um tronco cortado em época conhecida, foi possível, pela comparação da espessura de anéis, chegar-se a datar a época em que troncos encontrados em ruínas pré-históricas haviam sido cortados.

Os métodos atômicos de datação, cada vez mais empregados, baseiam-se na evidência de que alguns corpos apresentam um ritmo de alteração que pode ser estabelecido com precisão. Esses corpos são radioativos e se desintegram durante determinado período de tempo, dando origem a outros corpos, não radioativos. Cada elemento radioativo tem período de tempo certo em que perde metade de sua massa. Posteriormente, em outro período igual, perde metade do que restara, e assim sucessivamente.

O potássio 40 é um elemento que se forma nos seres vivos e que se desintegra em argônio em um período de 1.300.000 anos. Assim, a cada período com tal duração, metade de cada massa de potássio se transforma em argônio. O método do potássio-argônio, como é chamado, tem sido utilizado para datar restos muito antigos, como os do Zinjanthropus, descoberto em Tanganica.

O carbono 14 forma-se na alta atmosfera, por influência dos raios cósmicos. Ao invés de ser eliminado pelos seres vivos como o carbono comum (carbono 12), é assimilado e se incorpora sobretudo nos ossos ou tecidos duros. Quando o ser morre e cessa a assimilação de carbono 14, este começa a irradiar-se. Essa emissão faz com que metade de sua massa, num período de 5.570 anos, se transforme em carbono 12. Em mais 5.570 anos, metade do que restara tem fim semelhante, e assim sucessivamente. Em cerca de 15.000 anos as emissões tornam-se muito espaçadas e é impossível medi-las, embora não cessem.

Sendo conhecida a taxa de emissão de um ser morto recentemente, por simples regra de três, e dispondo-se de aparelhagem própria, é possível medir a radiação de qualquer resto orgânico recolhido num sítio arqueológico. Os elementos que melhor fornecem datações são os restos vegetais, sobretudo carvões das fogueiras. Ossos e dentes, e mesmo conchas, podem no entanto ser utilizados também.

Histórico das principais pesquisas

É difícil fazer a reconstituição das pesquisas arqueológicas no correr dos séculos. Sabe-se porém que a descoberta de antiguidades interessou no passado a muitos homens, em geral de classes altas, incluindo-se monarcas e sacerdotes. A coleção de peças raras ou curiosas servia para muitos fins, desde a afirmação de poder até a formulação de teorias. A preocupação em colecionar coisas antigas caracterizou o humanismo do Renascimento, sendo em parte responsável pelo fato de que a arqueologia fosse tomada, por longo tempo, como divisão da história da arte (da antiguidade clássica). Considerava-se importante exumar restos que, pelo gosto da época e pela função estética, pudessem esclarecer algo desse passado, sem perder no entanto uma função no presente.

Durante os séculos XVI, XVII e XVIII ocorreram inúmeras escavações de vulto em cidades antigas da Europa. Tais pesquisas estavam indissoluvelmente relacionadas à história. Embora se encontrem desde o século XVI vozes isoladas, como a do erudito italiano Michelle Mercati, que mencionou a existência de armas de pedra ligadas a um passado ainda sem nome, foi somente no transcorrer do século XIX que a arqueologia pré-histórica se firmou.

Para ajustar o crescente conhecimento geológico às afirmações da Bíblia, criou-se a corrente diluvialista, que explicava todas as transformações pelas quais passou a Terra por violentos cataclismos que tinham testemunho no livro sagrado (dilúvio no tempo de Noé). Sábios como o barão Georges Cuvier (1769-1832) enquadraram-se no espírito predominante da época e negaram-se a admitir grande antiguidade para a Terra e seus ocupantes.

Embora sem negar a existência das catástrofes, William Smith (1769-1839), contemporâneo de Cuvier, estabeleceu o princípio da estratigrafia geológica. Mas foi a partir de 1830 que as opiniões divergentes receberam impulso, com a publicação dos Princípios de geologia, de Charles Lyell. Este propôs, como síntese de inúmeras descobertas anteriores, a ideia de que as transformações geológicas não eram resultado de catástrofes, e sim de lentas e demoradas modificações. Essa corrente recebeu o nome de fluvialista.

Na mesma época iniciou-se o trabalho de Boucher de Perthes (1788-1868), que, após recolher artefatos lascados nos cascalhos do Somme, publicou em 1847 um primeiro volume sobre as descobertas, conseguindo comprovar pouco a pouco que encontrara indícios da grande antiguidade do homem, e de sua indústria, sobre a Terra. Alguns anos depois foi publicado o livro de Darwin Sobre a origem das espécies, com as bases da teoria da evolução (1859).

Em 1868, partindo do princípio de que os fatos relatados na Ilíada, de Homero, seriam reais, Heinrich Schliemann dedicou-se a escavações na região insular grega (Ítaca), e depois em território turco, na colina de Hissarlik. Logrou descobrir uma série de cidades superpostas, uma das quais a Troia homérica. Desse modo Schliemann começou a fazer arqueologia pré-histórica, dando vida a um passado considerado morto por muitos.

Na América, as expedições de John Lloyd Stephens e Frederick Catherwood descobriram as cidades maias de Honduras, Guatemala e Yucatán (México). Os trabalhos de Lewis Morgan difundiram a teoria da evolução social, apoiada em observações feitas entre os índios iroqueses (América do Norte). O interesse pelo passado deixou aos poucos de ser mero diletantismo das classes privilegiadas e difundiu-se entre os estudiosos.

Evidências da arqueologia brasileira

A arqueologia pré-histórica desenvolveu-se no Brasil desde meados do século XIX e teve precursores notáveis como Ferreira Pena, J. B. de Lacerda, Ladislau Neto e Barbosa Rodrigues. Os trabalhos de Peter Lund, na região calcária de Minas Gerais, embora objetivando descobertas paleontológicas, colocaram em discussão a possibilidade da coexistência de antigos homens (os lágidas) com animais de uma fauna extinta.

Evidências da arqueologia brasileira

Foi também a partir do século XIX  que a ilha de Marajó, no Pará, começou a exercer grande atração sobre viajantes e pesquisadores, devido ao achado de requintadas peças de cerâmica representadas por vasos e urnas funerárias. A exploração dos tesos, elevações naturais onde ocorriam com frequência tais peças, e a análise dos restos arqueológicos mostraram que as divisões geográficas naturais estavam correlacionadas a limites culturais bem definidos. Com a evolução da arqueologia amazônica, no século XX, foi possível fixar em cinco fases a produção de cerâmica nas ilhas de Marajó, Mexiana e Caviana, bem como em áreas vizinhas de terra firme. Tais fases foram denominadas Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Aruã e Marajoara, distinguindo-se a última delas por sua perfeição técnica.

Nas últimas décadas do século XX intensificaram-se as pesquisas em terras brasileiras e foram feitas descobertas de fundamental importância, pondo em dúvida o dogma arqueológico de que a existência do homem nas Américas dataria no máximo de 13.000 anos. Pioneiras nesse sentido foram as escavações no sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, no sudeste do Piauí, realizadas por um grupo franco-brasileiro sob a chefia de Niède Guidon. Iniciadas em 1978 e divulgadas em suas conclusões finais em 1986, tais pesquisas revelaram ricos indícios de ocupação humana e o mais antigo exemplo de arte rupestre já registrado nas Américas -- lascas de pedra pintada que tiveram sua idade estimada em 17.000 anos.

Em 1988, os trabalhos da arqueóloga Maria Beltrão na Toca da Esperança, na região de Central, na Bahia, trouxeram à luz instrumentos de osso, representações de animais extintos, imagens de astros e arranjos geométricos que davam a entender a existência de um calendário primitivo.

Pesquisas destinadas a provar que a ocupação humana da Amazônia é bem mais antiga do que se pensava tornaram-se comuns desde o início da década de 1990. O arqueólogo Eurico Miller, trabalhando em Rondônia, descobriu vestígios humanos que datam de até 12.300 anos, enquanto em Carajás uma equipe do Museu Emílio Goeldi, chefiada por Daniel Lopes, encontrou evidências da passagem de seres humanos que remontam a 8.140 anos.

Datações semelhantes, desde 12.000 anos, foram estabelecidas para evidências procedentes de oitenta sítios arqueológicos cadastrados no vale do rio Peruaçu, afluente do Rio São Francisco situado no extremo norte de Minas Gerais. Aí, devido ao microclima muito seco dos abrigos, foi possível encontrar nos sedimentos vestígios vegetais normalmente perecíveis (como de milho, algodão e mandioca) em excelente estado de conservação. Dignos de nota, nas evidências do Peruaçu, são os magníficos painéis de arte rupestre nos paredões dos sítios, onde o homem pré-histórico representou seu mundo simbólico.

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