Biografia (Relato da Vida de uma Pessoa)

Biografia (Relato da Vida de uma Pessoa)

Biografia (Relato da Vida de uma Pessoa)Biografia é o relato da vida de uma pessoa e dos aspectos de sua obra, frequentemente abordados de um ponto de vista crítico e não apenas historiográfico. Como todo gênero literário, assumiu diversas formas de expressão ao longo do tempo. Os mais antigos  relatos biográficos conhecidos confundem realidade e tradição mitológica e têm um claro propósito apologético. Já na Idade Média e até o século XVIII, tomam um caráter fundamentalmente historiográfico para, mais tarde, atribuir ao biografado um papel protagônico, valorizando a análise psicológica. Modernamente, a teoria psicanalítica influenciou várias gerações de biógrafos e outra corrente preferiu a composição artística, que resultou na biografia romanceada.

Cultivado desde a antiguidade clássica, o gênero  biográfico tornou-se instrumento de grande importância para a reconstrução histórica de períodos remotos. As crônicas biográficas de reis, senhores feudais e santos são, em muitos casos, os únicos documentos disponíveis sobre fatos ocorridos em suas épocas.

PrimórdiosO Oriente não conheceu o gênero biográfico na concepção moderna. Apesar de constituírem uma forma de relato, as crônicas sobre reis assírios, bem como algumas inscrições tumulares com dados referentes a suas vidas, não são documentos biográficos. O mesmo ocorre no Egito, onde se registram vestígios biográficos sobre faraós, sacerdotes e personagens ilustres. As fontes mais remotas da biografia encontram-se nos documentos e lendas sobre episódios da vida dos patriarcas e reis de Israel e dos heróis épicos das antigas sagas gregas, germânicas e célticas.

Os ensinamentos de santos e sábios encontrados na  Bíblia, as sentenças e ditos de Buda, os fragmentos antológicos de Confúcio e as palavras dos sete sábios da Grécia antiga também estão nos primórdios do gênero biográfico, assim como as crônicas de reis da literatura medo-persa. A literatura islâmica, na qual se encontra um surpreendente perfil biográfico de Maomé, de autor desconhecido, além de esboços de vidas de califas, sultões, ministros, cientistas, escritores e religiosos, oferece um complexo mosaico da cultura muçulmana. Na Índia, houve tentativas de perfis biográficos de alguns sultões mongóis que dominaram a região, com forte presença de elementos mitológicos.

Na China, a biografia ficou restrita às informações de comentaristas e historiógrafos como Tso Chiu-ming, Kung-yang e Kuliang, cujos ideais tradicionalistas ilustram o Livro da primavera e do outono. O conceito de biografia ampliou-se com o trabalho do historiador Ssu-ma Chien. Típico do universo cultural sino-nipônico é o grande número de necrológios sobre figuras importantes.

Antiguidade clássica - Os primeiros biógrafos gregos foram Platão, com sua Apologia de Sócrates, em  que traça um retrato mais filosófico que propriamente biográfico do pensador ateniense, e Xenofonte, que nas Memórias de Sócrates oferece uma visão mais cotidiana do filósofo. Em Anábase, Xenofonte relata a retirada dos Dez Mil, um episódio de sua própria vida. Ainda na Grécia se destacam os trabalhos biográficos de Aristóxeno de Tarento, tido como o criador da biografia literária, Dicearco de Messina, Filóstrato e Diógenes Laércio.

Em Roma, onde o interesse pelo indivíduo constitui traço característico da obra de escritores e historiadores, mencionam-se as contribuições  precursoras de Áccio, Ático, Cornélio Nepos e Valério  Probo. Varrão escreveu cerca de 700 biografias de poetas gregos e romanos, Quinto Cúrcio  relatou a vida de Alexandre o Grande e Suetônio estabeleceu um modelo de biografia literária, com De viris illustribus (Sobre os homens ilustres), e outro de biografia política, com De vitae Caesarum (A vida dos imperadores).

Uma obra de Tácito, De vita et moribus Julii Agricolae (ou simplesmente Agricola, como é mais conhecida), elogio às virtudes de seu sogro e datada do ano 98 da era cristã, é considerada a primeira biografia na acepção moderna. Em Bioi paraleloi (Vidas paralelas) Plutarco compôs os retratos de 23 homens públicos gregos e romanos numa obra que fixou algumas das linhas mestras do gênero e influenciou vários autores do Renascimento e até do século XVIII, devido à objetividade da análise.

Idade MédiaO acervo biográfico medieval é rico em vidas de santos, abades, heróis nacionais e senhores feudais. No que diz respeito aos textos profanos, importa mencionar Vita Caroli Magni (Vida de Carlos Magno), de Einhard (ou Eginhard), estadista e estudioso franco qua fazia parte da corte de Carlos Magno, cujo estilo imita Suetônio. No século IV surgiu o primeiro modelo de obra autobiográfica, As confissões, de santo Agostinho, que exerceu profunda influência sobre Pascal, Kierkegaard e Rousseau. No final da Idade Média destacam-se as obras de Petrarca e de Boccaccio, que, apesar do espírito ainda medieval, já incluem preocupações humanistas próprias do Renascimento. La vita di Dante, de Bocaccio, que prenuncia a análise psicológica moderna, foi fundamental para a evolução do gênero.

RenascimentoO interesse da mentalidade renascentista pela personalidade humana criou coleções e dicionários biográficos, nacionais e universais, que, favorecidos pela invenção da imprensa, chegaram a alcançar grande voga no século XIX. Na Itália, destacam-se Vite di uomini illustri fiorentini (Vidas de florentinos ilustres), de Filippo Villani, e Vite dei più celebri pittori, scultori e architetti (Vidas dos mais célebres pintores, escultores e arquitetos), de Vasari, sobre artistas do Renascimento. Entre os perfis individuais, menos numerosos, destacam-se Vita di Torquato Tasso, de Giuseppe de Manso, e a biografia de Galileu escrita por Vicenzo Viviani.

Na Espanha, as obras mais importantes são Generaciones y semblanzas (Gerações e retratos), de Fernán Pérez Guzmán, e Claros varones de Castilla, de Fernando del Pulgar. Na França, destaca-se  Commentaires (1592), de Blaise de Monluc e, na Inglaterra, The History of King Richard the Third (1557; História do rei Ricardo III), de Thomas More, e Life of Cardinal Wolsey (Vida do cardeal Wolsey), de Thomas Cavendish, que permaneceu em manuscrito até 1641. A Crônica do condestável D. Nuno Álvares Pereira é atribuída ao português Fernão Lopes.

Idade ModernaDominado pela estética do barroco e do classicismo, o século XVII não apresentou grande evolução na área da biografia, exceto na Inglaterra. Izaak Walton introduziu diversas modificações na técnica do relato biográfico e passou a incorporar cartas como fonte de informação no próprio texto da obra. Escreveu excelentes biografias dos chamados poetas metafísicos, como John Donne e George Herbert.  Outros biógrafos ingleses de relevo são John Aubrey,  o bispo Gilbert Burnet e Margareth Cavendish.

Na França dominaram as memórias, como as do cardeal de Retz (1662-1677), publicadas em 1717, mas Pierre de Bourdeille, senhor de Brantôme, escreveu uma série de biografias, em 1665, e Jacques de Thou, uma Historia mei temporis (1604-1620; História de minha época). No fim do século XVII, introduziu-se no gênero a crítica histórica, de caráter polêmico. Exemplo dessa tendência é o Dictionnaire historique et critique, de Pierre Bayle, que exerceu enorme influência sobre a crítica da religião no século XVIII. Na Itália, Giovani Battista Passeri deu continuidade à obra de Vasari, biografando artistas do período barroco.

Na Inglaterra do século XVIII, Edward Gibbon escreveu uma das melhores biografias da língua inglesa, Memoirs of my Life and Writings (1795; Memórias de minha vida e meus escritos). Destacam-se ainda as autobiografias de Kenelm Digby e Colley Cibber. No final do século, Samuel Johnson publicou uma monumental antologia crítica de poetas ingleses e o filósofo David Hume escreveu My Own Life (1777; Minha própria vida). Na literatura americana, a Autobiography (1766), de Benjamin Franklin, alcançou êxito sem precedentes. Na Itália, são dignas de menção as autobiografias de Carlo Goldoni (1787) e de Carlo Gozzi (1797).

Uma das obras-primas do gênero autobiográfico é Les Conféssions (1781-1788), de Jean-Jacques Rousseau, que antecipou a mentalidade romântica do século XIX. A última década do século XVIII assistiu ao aparecimento da primeira grande biografia no sentido moderno: Life of Samuel Johnson (1791; Vida de Samuel Johnson), de James Boswell, que reformulou a técnica de exposição e a estrutura biográfica.

Ao longo do século XIX, a contribuição inglesa continuou a sobrepujar as demais literaturas no gênero. As duas biografias capitais do século são as de Sir Walter Scott, escrita por John Gibson Lockhart, e a de Charles Dickens, por John Foster.

Século XXA biografia romanceada, gênero até então desconhecido, no qual o autor recria ficcionalmente o material de pesquisa, surgiu no século XX. Os mestres da nova corrente são Stefan Zweig e Emil Ludwig, na Alemanha, e André Maurois e Romain Rolland, na França. Zweig, dominado pelo sentido trágico da existência, biografou figuras como Maria Antonieta e Maria Stuart. Ludwig, mais popular, retratou Beethoven, Goethe, Napoleão e Bismarck. Maurois escreveu biografias de Shelley, Disraeli, Dickens e Voltaire, enquanto Roland biografou Danton, Michelangelo e Tolstoi.

Fora dos limites da biografia romanceada mantiveram-se historiadores como o polonês Isaac Deutscher, autor (em inglês) de Trotski (1954-1963) e de Stalin (1967). Nos Estados Unidos, Carl Sandburg é admirado por sua monumental biografia de Abraham Lincoln, em seis volumes.

Brasil O gênero biográfico teve no Brasil alguns de seus melhores cultores em Joaquim Nabuco, com Um estadista do império, biografia de seu pai, Nabuco de Araújo (1899); Lúcia Miguel-Pereira, com Machado de Assis, estudo crítico e biográfico (1936); Francisco de Assis Barbosa, com A vida de Lima Barreto (1952); Raimundo Magalhães Júnior, com Machado de Assis desconhecido (1955), Viana Moog, com Eça de Queirós e o século XX (1938), Rui Castro, com O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues (1992) e Fernando Morais, com Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand (1994). No plano autobiográfico, destacam-se as obras de Graciliano Ramos (Infância, 1945), Helena Morley (Minha vida de menina, 1952), Oswald de Andrade (Sob as ordens de mamãe, 1954) e Pedro Nava (Baú de ossos, 1972).

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