Português | História e Estrutura da Língua Portuguesa

Português | História e Estrutura da Língua Portuguesa

Português | História e Estrutura da Língua Portuguesa

O português é uma língua neolatina ou românica. Pertencente ao grupo itálico da grande família do indo-europeu, derivou-se da principal língua itálica, o latim. É falada em Portugal, no Brasil, em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, assim como em encraves de colonização portuguesa na Ásia (Macau, Goa, Damão e Malaca) e da Oceania (Timor). A mistura com línguas nativas, na África, produziu uma série de dialetos, ditos crioulos.

A língua que Olavo Bilac chamou de "última flor do Lácio, inculta e bela" é uma das que alcançaram maior difusão geográfica em todo o mundo, pois é falada nos cinco continentes. Ademais, o português é culturalmente significativo sobretudo por sua literatura, na qual se mostra um instrumento de alta eficiência da criação estética em poesia e prosa.

HistóricoO português nasceu da evolução do latim vulgar levado pelos legionários romanos para a península ibérica, transformada em província do Império Romano em 197 a.C. César fundou, entre outras cidades, Pax Julia (cujo primeiro nome se transformaria em Beja) e criou na Lusitânia um dos baluartes da latinização do país. Estrabão observou que os turdetanos, na Bética, haviam esquecido a língua materna, e expressavam-se em latim. Essa língua radicou-se na península, até que, no século V, se deu a invasão dos bárbaros, e com ela se intensificou a corrupção da linguagem.

Com a presença dos árabes, no século VIII a decadência do latim acentuou-se, intensificada pelo fato de terem os invasores uma brilhante civilização própria. Os próprios cristãos arabizaram-se e João, bispo de Sevilha, traduziu a Bíblia para o árabe. O latim reduziu-se a alguns falares vernáculos e quase desapareceu das Espanhas, como havia de suceder no norte da África. Chegou a chamar-se "aljamia" o linguajar latino e era como se se dissesse "o bárbaro", o estrangeiro, em oposição à "aravia", a língua árabe.

A península contava ainda com outras línguas românicas importantes: o castelhano (ou espanhol) e o catalão. A região que vai do Minho ao Douro, campo de batalha frequente entre cristãos e muçulmanos, era pouco povoada e, para consolidar sua posse, D. Afonso VI de Castela, em torno de 1095, separou da monarquia leonesa o Condado Portucalense, que de direito ia do Minho ao Tejo mas, de fato, do Minho até o Mondego, e foi concedido ao conde Henrique de Borgonha. O nome provinha-lhe da cidade de Portucale, à margem direita do Douro - na verdade, a cidade do Porto, correspondendo a Cale a atual Vila Nova de Gaia, à margem esquerda. É bastante provável que antes de a região tornar-se reino independente, no século VII, o "romanço lusitânico" aí falado já constituísse uma nova língua, o "protoportuguês".

O domínio do idioma português seguiu a expansão do reino para o sul, até o Algarve, no século XIII. Os sucessos estimularam as oposições religiosas e os portugueses passaram a evitar a língua árabe. Não podendo volver ao esquecido latim, aceitaram a fala barbarizada da gente mais humilde. Os literatos compuseram uma língua de compromisso, o galaico-português, ao lançar mão dos recursos encontrados no português e no galego. Tal foi a língua dos trovadores, que se ilustraram na corte do castelo de Guimarães e até nos mosteiros.

O galaico-português enxameia de formas e palavras de uma língua e da outra, mas apresenta traços da influência franco-provençal, não possui proparoxítonos e utiliza o sufixo -udo como desinência do particípio na segunda conjugação: acendudo, atrevudo, bevudo, conhoçudo, creçudo, estendudo, vendudo etc. Com o advento da dinastia de Avis (1385), a língua portuguesa começou a afirmar sua fisionomia própria e em breve tornava-se língua nacional.

O francês antigo, bem como o provençal antigo, comparados com o francês e o provençal falados hoje, são outras línguas. Isso não ocorre com o português antigo. Este representa uma fase envelhecida do idioma, sem contudo ser outro. Velho em algumas formas, arcaico em muitas palavras, obsoleto na preferência de certas expressões (e diverso na pronúncia, provavelmente), o português dos primeiros tempos é sempre inteligível, pois a gramática é a mesma.

Como língua comum, o português formou-se inicialmente  em torno de Coimbra e mais tarde ao redor de Lisboa, conquistada aos mouros por Afonso Henriques, primeiro rei português, e depois capital da nação, centro irradiador do padrão linguístico. Na história da língua, distinguem-se dois períodos principais: (1) o arcaico, desde as origens, no século XII, ao século XV; (2) e o moderno, do século XVI em diante. Uma outra classificação considera os períodos clássico (séculos XVI e XVII) e o pós-clássico (XVIII em diante).

A disciplina gramatical teve início no período clássico, quando se elaborou a primeira gramática da língua, de Fernão de Oliveira, publicada em 1536. Também se verificou nesse período a consolidação da língua literária, de acentuada influência do latim clássico e cujo melhor exemplo é o poema épico de Camões Os lusíadas (1572), obra-prima de presença indelével nas fases que se seguiram. Não obstante a vigência de uma norma central lisboeta, o português de Portugal apresenta falares regionais no norte (trasmontano, interamnense, beirão), no centro (estremenho) e no sul (alentejano e algarvio).

No Brasil, o português foi implantado no século XVI, com os traços arcaicos que se conservavam na linguagem popular da metrópole. Graças à imigração constante, no período colonial, o português moderno prevaleceu. Na atualidade, fala-se em todo o Brasil uma língua que, sem se opor à de Portugal, dela se distingue por peculiaridades de vocabulário, os "brasileirismos", e toma como padrão a norma culta das cidades principais, o Rio de Janeiro sobretudo.

Gramática histórica Na evolução do latim ibérico para o português, observam-se certos fatos que deram à língua atual sua fisionomia.

No capítulo da fonologia, as vogais, de modo geral, mantiveram-se, a não ser o i-breve, que evolveu para ê, e o u-breve, que se transformou em ô. As consoantes iniciais mantiveram-se. As geminadas (com exceção de rr) simplificaram-se. As intervocálicas fortes abrandaram-se. Muitas das brandas intervocálicas desapareceram. Os grupos de consoantes + l, se iniciais, passaram a ch, como: plorare > chorar, flamma > chama. Se intervocálicos, deram em lh, como: triblu > trilho, vetlu > velho. As consoantes finais oclusivas freqüentemente se vocalizam no interior dos vocábulos: ora em i-reduzido: recepta > receita, regno > reino, octo > oito; ora em u-reduzido: absente > ausente, alteru > outro, octo > oito. Todos esses metaplasmos dão uma fisionomia particular ao português.

A lexiologia portuguesa de origem latina era paupérrima. Os lexicógrafos não registram mais de cinco mil palavras que tenham vindo do latim por tradição oral. O ulterior enriquecimento é obra cultural do século XIV, sobretudo do período clássico. Entretanto, todo o vocabulário denotativo é latino, excetuando-se uma ou outra palavra. Exemplos: cada (grego katá, já romanizada), fulano (árabe fulan, acrescentada por intermédio do castelhano).

Naturalmente a expansão geográfica do povo lusitano ensejou a anexação de um riquíssimo vocabulário, colhido nas cinco partes do mundo. Mas é notável a plasticidade que a língua demonstrou de aportuguesamento, de sorte que, sem estudo, ninguém pode saber a extração dos termos que emprega. Fato curioso é a eliminação constante, ao longo dos séculos, das palavras árabes, muitas das quais são, no entanto, utilíssimas.

A morfologia portuguesa simplificou-se muito. Desapareceram os casos e, portanto, as declinações, a não ser nos pronomes pessoais. O neutro singular passou a ser masculino e admitiu outro plural (lignum > lenho, lenhos); o neutro plural passou a feminino singular, admitindo também outro plural (ligna > lenha, lenhas). O caso latino que persistiu no português em geral foi o acusativo (por isso chamado caso lexicogênico), com perda do m final no singular. As desinências de graus deixaram de usar-se como tais; e as que hoje se ouvem, quando latinas, devem-se aos eruditos nas escolas.

Os verbos latinos, repartidos por quatro conjugações, esquematizaram-se em três: os da terceira conjugação latina passaram para a segunda (míttere > meter), ou para a quarta (-míttere >-mitir). Houve grande vacilação, no português antigo, sobre a conjugação que haveria de prevalecer: correger > corrigir, caer > cair etc. No português criou-se um futuro do subjuntivo, como no castelhano e no galego, proveniente do futuro perfeito do indicativo latino. Surgiu no português, como no galego, um infinitivo variável. Caducaram vários particípios, e formas nominais do verbo.

A sintaxiologia registra menor maleabilidade do português, em consequência do grande desgaste das flexões. Mas os princípios fundamentais da concordância e da regência continuam os mesmos (naturalmente não pode haver concordâncias de casos, pois que os casos desapareceram).

Gramática portuguesaA fonologia muito equilibrada, circunstância que a aproxima do francês e do italiano, é uma das principais características do português.

A língua tem 13 vogais, oito orais -- u, ô, ó, á, a, é, ê, i -- e cinco nasais -- ~u, õ, ã, ~e, ~i -- sendo que, em algumas regiões, ouvem-se outras. Carece de fonemas aspirados ou africados. Possui três pares de consoantes fricativas -- f/v, ç/z, x/j (exemplos: fé/vó, sá/zé, xá/jó); três pares de consoantes oclusivas: p/b, t/d, k/g (exemplos: pé/bom, tá/dó, que/giz); e três consoantes nasais -- m, n, ñ (exemplos: tomo, anão, manhã). A consoante lateral l pode ser usada como lh, a exemplo dos casos lado e olho, enquanto a consoante vibrante r pode ser dobrada: rã, urra (e esse r geminado pode ser substituído por um gargarizado, mais áspero do que o r-grasseyé parisiense).

Outra particularidade da língua portuguesa é o fato de o acento tônico, no caso de vocábulos polissilábicos, poder cair em qualquer das três últimas sílabas. Também é característica a existência de palavras átonas, que se arrimam nas outras por meio de próclise ou de ênclise. Os ditongos, orais e nasais, são sempre decrescentes, isto é, terminam nas vogais reduzidas u ou i, exceto quando se situam depois de k ou g, e começam por u reduzido. Conta ainda o português alguns tritongos, que podem ser parcialmente nasais. Ocorrem sempre depois de k, ou de g, e começam por u reduzido. Ditongos outros, crescentes, podem surgir na linguagem descuidada, ou em certos artifícios de linguagem poética.

A lexicologia da língua portuguesa é das mais ricas que existem, mas não apresenta aspectos especialmente singulares. É predominantemente latina, mais pela importância do que pelo número de vocábulos latinos que abriga.

A sintaxiologia da língua portuguesa revela um analitismo que decorre do amplo desenvolvimento de suas perífrases. Predomina, na construção, a ordem direta, em que o sujeito antecede o verbo e o complemento ou complementos. A voz ativa predomina sobre a voz passiva, e as orações sem sujeito - ou as de sujeito indefinido - na maioria das ocasiões não têm o sujeito gramatical usado no francês ou nas línguas germânicas, isto é, o on, o man, o one.

IdiotismosAs palavras apresentam-se ao espírito como os elementos materiais, por assim dizer, da linguagem interior. Materializam as ideias e são como que as pedras de uma construção. Mas não se podem  fazer transposições de uma língua para outra sem se obedecer a precauções. Em primeiro lugar, há, em cada língua, um número considerável de palavras auxiliares, que não correspondem a quaisquer ideias: surgem como instrumentos ou peças necessárias ao encadeamento das palavras-ideias, e nem sempre encontram correspondentes  em outras línguas. Além disso, há certos torneios particulares, e até sui generis, que decorrem de velhos hábitos adquiridos. Tudo isso constitui os chamados idiotismos.

Palavras como homem, chove, azul ou bem correspondem a noções claras, a ideias que povoam o mundo interior de quem fala. Mas é, ele ou que não encontram nenhuma correspondência ideativa. O verbo ser, em seu emprego mais corrente, apenas relaciona um nome a outro, provido este do toque nocional, variável ao infinito, que falta ao verbo (Um homem é bom ou mau, alto ou baixo, inteligente ou estúpido); ele pode referir-se a qualquer ente do gênero masculino (homem, leão, muro); que, seja pronome, seja conjunção, não contém em si nenhuma noção precisa. No primeiro caso, toma emprestado o valor de seu antecedente (a mulher, ou o homem, ou o carro que eu vi), no segundo é mera palavra de ligação (Peço-te que venhas). No latim não há o pronome ele, nem a integrante que. No russo, não se usa correntemente o verbo ser.

O curioso, porém, é que as palavras não ideativas, as chamadas denotativas, são as principais em cada língua, porque características de cada uma. São criações gramaticais. Quando não encontram versão em outras línguas, constituem idiotismos (do grego idiótes, "particular", "privado"). As palavras ideativas, pelo contrário, se não acham paralelo em outra, facilmente se podem introduzir. Basta que a ideia se comunique, e se divulgue. Palavras ideativas criam-se à vontade, ou se importam. Às vezes surgem sem necessidade alguma, por moda, por contágio. Quando as ideias desaparecem, também elas podem sair de circulação. Tudo é contingente. Mas nas palavras denotativas não é possível mexer.

Talvez os principais idiotismos do português se possam resumir do seguinte modo:
(1) A existência de cinco pronomes neutros para o singular: isto, isso, aquilo, tudo, o. Tais palavras referem-se às coisas, e podem combinar-se ainda em: tudo isto, tudo isso, tudo aquilo, tudo o. No castelhano também existem outras tantas palavras neutras: esto, eso, aquello, ello, lo. Trata-se, pois, de uma particularidade ibérica.

(2) O português constrói orações nominais (isto é, as de sujeito e predicativo, que exprimem estado ou qualidade) com três verbos distintos: ser, estar, ficar, conforme se define o ser-sujeito em caráter definitivo, provisório (ou recente), ou num momento em que ele muda de aspecto: Frederico é forte; Frederico está forte; Frederico fica forte. Nenhuma outra grande língua da Europa faz isso tão natural e agilmente.

(3) O infinitivo variável, flexionando-se pessoalmente, é um dos mais profundos traços do português. Assim sendo, essa forma verbal concorre com o subjuntivo, e o indicativo, principalmente nas orações subordinadas. Entretanto, pode alternar até com o imperativo. Peço-te passares por lá (= Peço-te que passes por lá). Creio estarmos preparados (= Creio que estamos preparados). Passar bem! (= Passe bem!). O uso do infinitivo variável foi mais extenso no português antigo e é mesmo mais notável na língua popular do que no português literário moderno. É, hoje, um maravilhoso recurso de clareza, ou de ênfase, a que é lícito recorrer mesmo quando a gramática postula o contrário.

Se não tivesse empregado o infinitivo variável, Camões teria escrito uma frase ambígua naquele célebre passo: "Ó Netuno, lhe disse, não te espantes / de Baco nos teus reinos receberes" (Os lusíadas, VI, 15). Com que ufania exclama ele, diante do estrangeiro: "Vai ver-lhe a frota, as armas, e a maneira / do fundido metal, que tudo rende, / e folgarás de veres a polícia (= civilização) / portuguesa na paz, e na milícia" (Ib., VII, 72).

Repare-se em como o segundo infinitivo, variável, torna a frase mais leve, e o pensamento mais evidente, na seguinte passagem de Alencar: "Nem por isso os outros deixaram de continuar o seu giro, e as estações de seguirem o seu curso regular" (Correr da pena). O infinitivo variável existe também no galego, e surgiu em dialetos ibéricos e itálicos.

(4) O predicativo preposicionado, isto é, introduzido por preposição, é uma das tendências que se têm acentuado no português. Embora se diga Afonso é considerado um talento, parece perfeitamente natural dizer Afonso é tido por talento, ou ainda Afonso é tido em muito. Se um português diz naturalmente ele me chamou amigo, um brasileiro preferiria recorrer à preposição: Ele me chamou de amigo. Alguns puristas chegaram a censurar de viciosa esta última construção, sem reparar que o mesmo se tem feito com outros verbos sinônimos: "D. José cognominava de renegado o fugitivo sócio" (Camilo Castelo Branco, Amor de salvação); "Está averbando de suspeita ou falazes tão ligeiras e infundadas ilações" (Latino Coelho, Camões).

(5) Um idiotismo funcional é o aspecto iterativo que modernamente se tem dado ao presente perfeito do indicativo. Enquanto nas outras línguas esse tempo evolveu naturalmente para o passado, em português não exprime simples passado, senão passado reiterado. "Tenho reclamado" não significa "reclamei", como em outras línguas, mas "reclamei, reclamei, reclamei e ainda estou no propósito de reclamar".

(6) O infinitivo preposicionado em substituição do gerúndio é também traço do português, e também moderno. É sabido que as línguas românicas criaram para o infinitivo a possibilidade de o ligarem com uma preposição e, assim, tornaram supérfluas várias formas nominais do verbo latino, como supinos, particípios, gerundivo e mesmo as formas gerundiais distintas do ablativo. O português estendeu essa possibilidade até o gerúndio ablativo, de modo que se pode dizer "está a chover", em lugar do primitivo "está chovendo". No Brasil, prefere-se o gerúndio, de uso generalizado.

(7) O emprego de "estar com" na acepção de "ter" é muito da índole portuguesa. Podemos perfeitamente dizer "tenho sede, tenho sono, tenho a chave". Também nos é lícito expressar-nos "estou sequioso, estou sonolento". Mas o mais natural será: "Estou com sede, estou com sono, estou com a chave."

(8) O analitismo português, já assinalado, pode ainda ser lembrado como um dos traços idiomáticos mais marcantes da língua. De um modo geral, as línguas românicas evolveram do sintetismo latino para um decidido analitismo. Mas talvez nenhuma chegou a tão grande desenvolvimento nesse terreno como o português. Enquanto o alemão (no ramo germânico) conservou e estimulou o gosto pela palavra composta, o português fez o contrário. Se a expressão perifrástica é desgraciosa e comprida, não se lhe pode negar, em geral, a clareza de significação. Uma palavra como apud não consegue ser tão expressiva como as suas traduções dicionarizadas: "junto de", "ao pé de", "perto de", "diante de", "ao lado de", "na presença de", "em companhia de", "em casa de", "à vista de", "segundo", "conforme", "em relação a", "no tempo de". Experimente-se traduzir o alemão bei, ou o inglês by. As perífrases verbais do português são, na verdade, uma construção infernal para o estrangeiro, mas emprestam grande sutileza à expressão.

Português no BrasilA língua que se fala no Brasil, ainda que transpareçam traços característicos locais, é em essência, como já se mostrou, a mesma que se pratica em Portugal, pois que se compendia na mesma gramática.

Foneticamente, assinale-se que no Brasil não se criou fonema novo. (No espanhol da Argentina, uma expressão como calle mayor se pronuncia aproximadamente como "káje ma'jor", fazendo-se ouvir o som de j, inexistente em terras de Castela.) Certos fonemas conhecidos no tupi-guarani não conseguiram subsistir nos vocábulos brasileiros dessa fonte. Mas é certo que portugueses e brasileiros, conquanto não pratiquem sistemas fonéticos diversos, têm hábitos por vezes diferentes.

Quanto à lexiologia, deve-se notar que não se gerou no Brasil nenhum denotativo: determinativos, pronomes, preposições, conjunções etc. são os mesmos nos dois países. O vocabulário ideativo, no entanto, enseja grandes reparos, ou porque as palavras correspondam a ideias não-correntes em Portugal, ou porque se tenha dado sentido novo a certas palavras, ou porque se introduziram outras sem necessidade. Nas últimas linhas de Os Maias, onde Eça de Queirós diz: "Então, para apanhar o americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos", é possível que um escritor brasileiro escrevesse: "Então, para pegar o bonde, os dois amigos começaram a correr desesperadamente pela ladeira de Santos."

Muitas das invenções carreiam nomenclatura nova, quase nunca coincidente, de um e de outro lado do Atlântico. Dizem os portugueses: caminho-de-ferro, combóio, chulipa. E os brasileiros: estrada de ferro, trem, dormente. "Carril" tem as preferências lusitanas; os brasileiros dizem "trilho". De qualquer maneira, o vocabulário ideativo é contingente e pode renovar-se completamente sem que a língua se abale.

Quanto à morfologia, nenhuma observação a fazer. Usam-se no Brasil, absolutamente, as mesmas desinências, e nada se permite de especial. Os prefixos e sufixos são fundamentalmente os mesmos.

Na sintaxe, o ponto nevrálgico é a questão da colocação dos pronomes pessoais átonos. É que, embora átonas, tais partículas são muito mais ponderáveis no Brasil do que em Portugal. Assim sendo, os brasileiros as colocam onde lhes parecem que soam melhor. Em Portugal, sendo por demais tênues, elas correriam o risco de não ser percebidas se não se sujeitassem a posições rígidas, onde o ouvido já as espere. Alencar escreveu em Iracema: "A rola, que marisca na areia, se afasta-se o companheiro, adeja inquieta de ramo em ramo", para evitar o ciciar de um "se se afasta" (çi çi afáxta) ou para não bisar numa sílaba que lhe oferecia um "sibilo desagradável".

Ora, tal não acontece aos portugueses, que ali proferem um monossílabo (çiç afáxta). Sem se dar inteiramente consciência do fato, os brasileiros desenvolveram hábitos de sínclise pronominal que nunca foram definitivamente estabelecidos em Portugal e que estão sujeitos à moda e a gostos particulares. Os demais preceitos sintáticos acatam-se nos dois principais países de língua portuguesa.

Dialetologia portuguesaEm 1901, José Leite de Vasconcelos doutorou-se na Universidade de Paris com uma tese retumbante intitulada Esquisse d'une dialectologie portugaise (Esboço de dialetologia portuguesa) e apontou no território da metrópole diversos dialetos: o interamnense e o transmontano, ao norte; o beirão e o estremenho, ao centro; o alentejano e o algarvio, ao sul. Mas não se podem aceitar a existência desses dialetos, como os italianos ou os alemães, pois em quase nada se distinguem. Constitui um esforço de eruditismo o poder diferençá-los, tal a extraordinária unidade de expressão característica do mundo português.

O mesmo autor reconhece a existência de dialetos insulares, nos Açores e na Madeira, e aponta vários dialetos de ultramar, entre os quais o "brasileiro". Decide-o a priori, dizendo: "Se eu chamo dialeto, por exemplo, o português de Trás-os-Montes, com mais forte razão devo dar esse nome ao português do Brasil, ou 'brasileiro'..." Mas acontece que, se o Brasil for tratado com o mesmo interesse que ele demonstrou com respeito a Portugal, verifica-se que não há dialeto que se possa intitular "brasileiro": haverá muitos dialetos brasileiros, tão insignificantes no fundo quanto os de Portugal.

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